Franceses celebram vitória da Frente Popular na Praça da República | Foto: Divulgação

Em um verdadeiro “levante republicano” na França no domingo (7) contra a ameaça de ascenso da extrema-direita, a Nova Frente Popular – uma coalizão de progressistas, comunistas, socialistas e ecologistas – venceu o segundo turno das eleições legislativas antecipadas conquistando 182 cadeiras na Assembleia Nacional de 577 cadeiras, enquanto o partido de Marine Le Pen, Reunião Nacional, numa reviravolta, caía para terceiro, com 143, e o macronismo, agrupado no Juntos, ficava com 168.

Em suma, depois de derrotarem o neoliberalismo e a sabujice de Macron, os franceses frearam nas urnas a extrema-direita, a Reunião Nacional, considerada um mês antes como prestes a “coabitar” com o ex-banqueiro Macron.

Com 67%, a participação foi a maior desde 1997 e uma multidão festejou na Place de la République, junto ao monumento a Marianne, símbolo da revolução francesa e da república, a derrota do fascismo, do ódio e do neoliberalismo, cantando “liberdade, igualdade e fraternidade” e “Frente Popular, Frente Popular”.

“Nosso povo rejeitou claramente o pior cenário possível e a esquerda unida salvou a república”, afirmou o líder do partido A França Insubmissa (LFI), o maior da NFP, Jean-Luc Mélenchon, que havia sido o primeiro há um mês a chamar a retirar candidaturas, quando houvesse três ou mais candidatos em um distrito eleitoral, para deter o avanço dos fascistas, tática que se provou acertada.

“As urnas decidiram. A Nova Frente Popular está pronta para governar”, anunciou Mélenchon à entusiasmada multidão. Ele saudou a esquerda unida por “frustrar a armadilha preparada [por Macron] para o país”, antecipando as eleições e abrindo espaço à extrema-direita, tentando forçar um impasse entre “ou ele ou a RN”, apesar de toda a indignação no país com seu governo neoliberal e submisso à política de guerra dos EUA.

“O presidente tem o dever de chamar a Nova Frente Popular para governar”, disse o líder da LFI, saudando os eleitores por terem “conquistado um resultado que se dizia impossível”. “A maioria fez outra escolha para o país.”

Mélenchon se comprometeu a aplicar o programa da NFP, enfatizando que medidas como revogar a reforma previdenciária de Macron que aumentou a idade de aposentadoria para 64 anos, interromper a alta de preços fixando preços de bens essenciais e aumentar o salário mínimo “podem ser tomadas por decreto, sem votação”.

Na praça, “cenas de júbilo dignas de final de Copa do Mundo”, registrou o jornal Libération, “ao som das buzinas dos táxis, dos ciclistas e das canções de alegria dos apoiadores”.

“O resultado desta noite é retumbante e devemos isso a todos”, assinalou a deputada Mathilde Panot, ex-presidente da LFI na Assembleia Nacional. “Você não está sozinho, milhões de nós se recusaram a permitir que o ódio racista chegasse ao poder”.

“Este 7 de julho ficará para a história. Graças aos milhões de cidadãos que se mobilizaram entre os dois turnos, a Reunião Nacional não tem a hegemonia que sonhava”, disse aos manifestantes o secretário nacional do Partido Comunista Francês, Fabien Roussel.

“O Presidente da República está derrotado esta noite. Os eleitores sancionaram fortemente Emmanuel Macron e uma política inteiramente dedicada aos interesses dos mercados financeiros”, acrescentou o dirigente comunista.

Para ele, “Esta noite, somos capazes de governar e responder às imensas esperanças dos nossos concidadãos. Para nós, chegou a hora de agir a serviço das aspirações que o nosso povo acaba de expressar, da sua necessidade de mudanças profundas e duradouras, da sua expectativa de salários dignos, de empregos de qualidade, de serviços públicos reconstruídos, de proteção em todos os aspectos da sua vida quotidiana”.

“Esta noite a justiça social venceu, a justiça ambiental venceu, esta noite o povo venceu e está apenas começando”, disse à multidão Marine Tondelier, líder dos ecologistas. “É uma grande vitória para a democracia, pertence a todos vocês.”

Na manhã desta segunda-feira (8), o primeiro-ministro Gabriel Attal apresentou a sua demissão a Macron, que lhe pediu que permanecesse na função “por enquanto” para “garantir a estabilidade do país”. Com a Assembleia Nacional dividida em três blocos, em que nenhum tem os 289 deputados necessários para a maioria absoluta, está colocada a disputa pela indicação do novo primeiro-ministro que, pela tradição, deve caber à coalizão vencedora, a NFP. As forças integrantes da NFP também precisam formalizar o nome que indicam.

Setores do macronismo apostaram no chamado voto nem-nem, nem a extrema-direita da Reunião Nacional, nem a “extrema-esquerda” da França Insubmissa, acusada de “antissemitismo” por denunciar o genocídio contra os palestinos em Gaza. Na NFP, a LFI, com 71 deputados eleitos, é a maior força, seguida pelos socialistas, ecologistas e comunistas.

Sobre a alternativa de uma composição do macronismo com a NFP, Olivier Faure, primeiro secretário do Partido Socialista (PS), disse à TF1 que os franceses “não entenderiam se governamos juntos”, seria um “confronto eleitoral”. Ou, dito de outra forma, estelionato eleitoral.

Entre os possíveis primeiros-ministros insubmissos, Mélenchon citou Clémence Guetté, Manuel Bompard e Mathilde Panot, e lembrou que “a regra, desde que a Quinta República viveu situações de coabitação, sempre foi, e sem exceção, que o partido que tem maior número de deputados é aquele que tem o primeiro-ministro.

Marine Le Pen reagiu ao revés, dizendo que “a maré desta vez não subiu o suficiente, mas continua subindo e, consequentemente, a nossa vitória só foi adiada”. Ela lembrou que o resultado “nos permite dobrar o número de cadeiras”.

O acerto da frente republicana para deter o fascismo pode ser aquilatado pelo fato de que, em total de votos, entre os dois turnos a RN variou de 33% para 32%. De acordo com dados oficiais do Ministério do Interior francês, a RN teve 8,7 milhões, seguido por 7 milhões para a NFP e 6,3 milhões para o Juntos. Foram 1,5 milhão de votos para o partido de direita tradicional Os Republicanos (LR) e 1,6 milhão de votos em branco ou nulos.

Em paralelo à retirada de candidatos – 130 da NPF e 80 do Juntos – para não dividir os votos antifascistas, foi realizado um intenso trabalho de denúncia sobre quem eram realmente os candidatos da Reunião Nacional, desmascarando a frágil repaginação da velha Frente Nacional, notória pela exaltação do colaboracionista Pétain, antissemitismo, racismo e xenofobia. Tornaram públicas declarações e fotos desses candidatos, desde usando um quepe nazista, até chamando a “pseudo-seleção” (sic) francesa da copa de 2022 de um bando de “ilegais”, além de elogios ao colaboracionismo. O fracasso da RN foi festejado por diversos jogadores da seleção francesa, como Marcus Thuran, Tchouameni, Koundé e Mbappé.

No dia 9, depois de derrotado nas urnas, o presidente Macron irá a Washington para as comemorações dos 75 anos da Otan, que muitos veem como um “conselho de guerra” sobre a guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia. Ao qual ele chega inteiramente desautorizado para insistir em oferecer a juventude francesa de carne de canhão a Biden, supostamente em Odessa, como vinha fazendo.

Fonte: Papiro