Descontrole macroeconômico na Argentina afeta produção, empregos e salários

A economia do primeiro trimestre sob a gestão de Javier Milei mostrou os resultados do “ajuste mais profundo e acelerado da história”, conforme descrito pelo próprio presidente. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 5,1% nos primeiros três meses de 2024 em comparação com o início de 2023. Em relação ao trimestre anterior, a queda foi de 2,6%, somando-se a uma queda de 2,5% no quarto trimestre de 2023. Isso indica dois trimestres consecutivos de recessão, que se aprofunda e acelera.

A recessão e o plano de ajustamento profundo na Argentina estão afetando a economia do país, com quedas significativas no consumo, investimento e aumento do desemprego. Em declaração ao Portal Vermelho, o economista argentino Eduardo Crespo confirma esta relação: “A queda do PIB era absolutamente previsível, até era meio inevitável. Primeiro um ajuste fiscal muito grande”, pontua ele. O economista questiona se seria possível fazer um ajuste diferente, mas também vem a desvalorização do câmbio e a queda de salários como fatores complementares.

O desemprego começou a crescer devido à queda da atividade econômica, atingindo 7,7%, com um impacto ainda mais negativo sobre a população feminina, que registrou uma taxa de desemprego de 8,4%. Analistas projetam que a segunda metade do ano verá um salto no desemprego, que deve atingir dois dígitos (10%) antes do final de 2024.

As estatísticas divulgadas nesta segunda-feira pelo Indec (instituto oficial de estatísticas e censos) mostram uma queda violenta do investimento de 12,6% no trimestre, enquanto as exportações foram a única componente da demanda a aumentar, com uma alta de 11,1%. O consumo privado caiu 2,6% e o consumo público recuou 0,8%. Assim, a demanda interna caiu em todas as suas áreas, enquanto a demanda externa foi a única a crescer.

Impacto na produção

Do lado da oferta, a atividade produtiva que mais caiu no primeiro trimestre foi a construção, com uma queda de 19,7%, explicando a redução do investimento, que atingiu 23,4%. Por outro lado, setores ligados às exportações mostraram crescimento: a agricultura e pecuária aumentou 10,2% e a mineração subiu 8%. As exportações totais cresceram 26,1% em termos anuais.

Este aumento nas exportações não foi impulsionado por políticas públicas, mas sim pela recuperação de uma seca histórica em 2023 que havia reduzido significativamente o saldo exportável de grãos. A desvalorização de dezembro de 2023 também não teve impacto significativo, já que a maioria das plantações já havia sido feita antes dessa data.

O estado de recessão refletiu-se também em uma queda de 20,1% nas importações em comparação com o primeiro trimestre de 2023. A menor demanda interna reduziu a necessidade de oferta importada. Ambas as componentes do PIB (demanda global e oferta global) encolhem simultaneamente quando a economia entra em recessão.

Desvalorização cambial

A escalada do dólar blue a $1.365, valor crescente há semanas, é resultado de uma combinação de fatores políticos, econômicos e sazonais. Em junho, o dólar blue se valorizou $130, ou 10%, superando a inflação projetada para o mês.

As pendências sobre a Lei de Bases, a pressão sobre as reservas do Banco Central e as dúvidas sobre uma possível desvalorização futura são elementos-chave neste cenário. Além disso, a queda das taxas de juros e o efeito 13º salário contribuem para a volatilidade cambial. Nesse contexto, os investidores buscam proteção no dólar, aumentando ainda mais sua demanda e elevando sua cotação a níveis históricos.

Essa desvalorização teve um impacto negativo na produção e no consumo. A indústria de transformação caiu 13,7% no ano, enquanto o comércio (atacado, varejo e reparações) registrou uma queda de 8,7%. A intermediação financeira, outra atividade significativa, teve um declínio de 13%.

A queda nesses setores, juntamente com a construção, explica em grande parte o aumento do desemprego. Um exemplo claro desse cenário é o anúncio da Acindar de Villa Constitución (Santa Fé) de que a paralisação na siderúrgica será drasticamente prolongada devido à queda nas vendas. A suspensão inicial de três semanas foi estendida para 120 a 135 dias nos próximos seis meses.

No caso das pequenas e médias empresas (PMEs), diversas organizações do setor indicam que os esforços para evitar demissões já levaram a suspensões. Sem perspectivas de recuperação, prevê-se inevitavelmente demissões em massa no futuro próximo.

Fatores de incerteza

A volatilidade no mercado cambial é impulsionada por uma combinação de fatores políticos e econômicos, bem como por incertezas sobre o futuro do plano econômico do governo. A falta de definições sobre a Lei de Bases e sua aprovação demorada mudaram o humor dos investidores nas últimas semanas.

O Banco Central está acumulando seu menor volume de compras líquidas de dólares desde a era Milei: apenas US$72 milhões. Isso ocorre porque, embora a demanda privada esteja alta, a oferta de dólares no mercado está cada vez mais limitada, o que pressiona as reservas do Banco Central.

A dificuldade em acumular reservas complica as projeções do governo sobre uma saída rápida do controle cambial. Isso enfraquece a confiança dos investidores internacionais na capacidade de pagamento do governo. A desvalorização implícita do peso, calculada a partir dos contratos futuros de dólar, indica uma média de 4,3% ao mês até março de 2025.

A queda abrupta das taxas de referência em pesos também pressiona a estabilidade cambial. Apesar do governo afirmar que as taxas reais negativas acabaram, ainda não há instrumentos financeiros que superem a inflação, levando os investidores a buscar proteção no dólar.

O pagamento do 13º salário (meio salário anual complementar) contribui sazonalmente para a alta do dólar, pois muitas pessoas buscam converter esse pagamento em dólares, aumentando a demanda e, consequentemente, o preço da moeda americana.

(por Cezar Xavier)