Lei de arrocho passa por um voto e com violenta repressão no pátio diante do Congresso argentino | Foto: Tomas Cuesta/El Periódico

Após onze horas de debate ininterrupto no Senado, e enquanto milhares de manifestantes confrontavam nas ruas de Buenos Aires uma brutal repressão, foi aprovado por 37 votos a 36 o pacote de arrocho fiscal de Milei. Entre outros atropelos, o descalabro só foi viabilizado com o chamado “voto de qualidade” da presidente do Senado e vice-presidente da República, Victoria Villaruel, que desempatou a decisão na segunda votação

A tensão no momento do empate fez que viessem à tona escândalos como a concessão de uma embaixada em Paris, com salário de 20 mil dólares, para que uma senadora mudasse o seu voto. Ela não foi a única, advertiu a Federação Sindical de Profissionais da Saúde da República Argentina (Fesprosa), Maria Fernanda Boriotti.

“Neste cenário, a presença da rua pode ter sido um fator que desequilibrou a balança da votação para um lado ou outro. Por isso, o governo decidiu acabar com a presença da sociedade de forma selvagem”, denunciou, apontando o uso e abuso de gás lacrimogêneo, balas de borracha, cacetetes e caminhões com canhões de água.

Para Maria Fernanda, o enorme operativo intimidatório lançado contra os manifestantes e parlamentares na Praça do Congresso foi para impor uma agenda contrária aos interesses nacionais e já “nasce manchado pela corrupção e repressão”.

“A decisão política do governo de chegar a hora da votação com uma praça sem gente desencadeou uma repressão indiscriminada de forças federais e locais que deixaram um saldo ainda indeterminado de presos e feridos”, declarou Maria Fernanda. A dirigente apontou que entre os feridos estão três deputados nacionais (federais) vitimados pelos gases lançados pela polícia.

“Em todo o país, ocorreram manifestações massivas de um amplo espectro de forças da sociedade: civil, política, sindical e de organizações sociais, repudiando a Lei de Bases”, assinalou a presidente da Fesprosa. E apontou que a iniciativa de Milei vem para na contramão dos interesses pátrios, e é “um instrumento que avança sobre os direitos dos trabalhadores, dos aposentados e da soberania nacional, algo feito para beneficiar os negócios de poderosos locais e internacionais”.

O secretário-geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina (CTA-T) e deputado nacional, Hugo Yasky, acredita que “nosso povo respondeu à altura, pois sabe que esta lei pode nos afundar como país e nos mergulhar numa espécie de enclave colonial”. “Não teremos mais nada em troca dos recursos naturais que esse governo quer nos tirar, nos quais perderemos direitos trabalhistas, nos quais o tráfico de drogas e o tráfico de pessoas terão um paraíso fiscal para lavar seus fundos ilícitos”, protestou.

“Esta praça ficou lotada e todas as ruas circundantes, além de todas as praças das províncias [Estados], expressando a rejeição da classe trabalhadora e do povo argentino a este projeto. O que está ocorrendo é uma traição ao país e, portanto, esta lei continuará a ser combatida”, disse Hugo Godoy, secretário-geral da CTA Autônoma.

Em manifesto conjunto, os movimentos sociais rechaçaram o atropelo de Milei, assinalando como um sério retrocesso à democracia. “Vemos este projeto político, baseado na ideologia que anima a sua gestão, traduzido em políticas que pulverizam a renda popular, bem como a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores, destroem o aparelho produtivo, geram desemprego, eliminam conquistas que ao longo do tempo proporcionaram maior justiça à relação capital-trabalho, entregam nosso patrimônio e os recursos naturais. O objetivo desta gestão ‘libertária’ [como se autointitula Milei] é aprofundar as políticas econômicas, sociais e culturais aplicadas na última ditadura civil-militar, nos anos 90 e na gestão neoliberal do governo de Mauricio Macri (Cambiemos), com o objetivo de desmantelar toda a possibilidade de o povo argentino exercer qualquer tipo de decisão soberana sobre o seu destino”.

A Comissão de Memória estimou que a polícia realizou cerca de uma centena de prisões, tendo deixado um número ainda indefinido de feridos. O Gabinete do Presidente, que divulga as atividades de Milei, publicou comunicado no qual descreve os que protestavam como integrantes de “grupos terroristas” e garantiu que os manifestantes tentaram “um golpe de Estado”, pelo que felicitou as forças fascistas de terem atuado de forma ‘ponderada’ na repressão.

Fonte: Papiro