60% das vítimas de estupro no Brasil são crianças de 0 e 13 anos | Foto: Reprodução

A votação do pedido de urgência para o projeto de lei que equipara o aborto acima das 22 semanas ao crime de homicídio e acaba com o aborto legal em todos os casos foi adiada na Câmara dos Deputados.

Atualmente, o Código Penal garante às brasileiras o direito de interromper a gestação em caso de estupro e risco à vida. E em 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal estendeu a permissão para casos de anencefalia fetal. E não há limite de tempo para o procedimento.

Hoje, o Código Penal brasileiro determina que uma mulher que provoque a interrupção da gestação em si mesma ou consinta para que outro o faça podem ser sentenciadas de 1 a 3 anos de detenção.

Com o projeto, as mulheres, inclusive vítimas de estupro, que passarem pelo procedimento ou os profissionais que fizerem o aborto podem ser presas. O texto além de equiparar o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, também criminaliza o procedimento em casos como estupro e risco de morte para a mãe.

Organizações que defendem direitos reprodutivos femininos são contra o projeto. Em carta direcionada aos deputados, 68 entidades questionam se políticos “querem que crianças sejam mães”.

“Em um País em que, nos últimos 10 anos, a média de partos de meninas com menos de 14 anos foi de mais de 20 mil por ano, sendo 74,2% negras, não é admissível que novas barreiras sejam impostas para que o aborto legal seja realizado”, ressaltaram no documento, conforme o portal Catarinas.

De acordo com o Anuário da Segurança Pública, no ano de 2022 foi registrado o maior número de estupros e estupros de vulnerável da história, com 74.930 vítimas. Destas, 6 em cada 10 vítimas são crianças com idade entre 0 e 13 anos, que são vítimas de familiares e outros conhecidos.

O projeto também sugere penas mais rigorosas para abortos realizados em casos de estupro, o que tem gerado controvérsia e protestos, como os feitos por Anitta e outras personalidades públicas.

A cantora protestou nas redes sociais. “Você já imaginou ser vítima de estupro, engravidar do seu estuprador e ser presa por mais tempo do que seu estuprador porque interrompeu a gestação fruto da violência?”, indagou.

Para efeito de comparação, as mulheres que realizarem o aborto por estupro poderão ficar presas até 20 anos, enquanto a pena dos estupradores prevista no Código Penal é de seis até dez anos.

A urgência da proposta seria votada nesta terça-feira (11), sob reivindicação da bancada evangélica da Casa, e chegou a entrar na pauta, mas, o presidente da Câmara, Artur Lira, adiou. Ainda não há definição de nova data para votação.

Na prática, uma possível aprovação em regime de urgência acelera a discussão, já que ao ser aprovada para determinado texto, o projeto não precisará mais passar por comissões temáticas da Casa e vai direto ao plenário.

O pedido pela votação de urgência havia sido feito na reunião de líderes da última semana. Lira teria se comprometido a pautar a urgência da proposta, mas sem compromisso de votar o mérito do projeto.

O governo Lula chegou a prometer a liberação da base aliada na votação da urgência do projeto. A promessa foi feita pelo líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), ao deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), 2º vice-presidente e autor do PL do aborto.
Nessa segunda-feira (10), o presidente Lula (PT) orientou os integrantes do Governo a atuarem para impedir a votação do tema na Câmara, assim como a proposta sobre deleção premiada. “Consideramos que esses projetos de lei não deveriam estar nesse momento na pauta prioritária da Câmara”, detalhou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

O PL do Aborto retoma discussão que surgiu em fevereiro, após o Ministério da Saúde emitir nota técnica recomendando aos serviços de saúde não impor limites temporais para o aborto nos casos permitidos em lei. A ministra Nísia Trindade acabou revogando a nota, alegando que a recomendação não havia passado por todas as instâncias dentro da pasta.

Mesmo assim, o Conselho Federal de Medicina (CFM) apresentou uma resolução contra o aborto após 22 semanas da gestação.

O PL do aborto é uma demanda da bancada evangélica em retaliação à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que suspendeu a resolução do CFM.   

Na medida, o Conselho Federal de Medicina ainda tornava ilegal a assistolia fetal, procedimento que consiste na injeção de produtos químicos no feto para evitar que ele nasça com sinais vitais.

A técnica é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é considerada pelos protocolos nacionais e internacionais como a melhor prática assistencial à mulher em casos de interrupção legal da gravidez acima de 20 semanas.

Entidades do movimento social criaram um manifesto contra o projeto de lei e lançaram o portal “CRIANÇA NÃO É MÃE” para pressionar os deputados federais a se posicionarem contra o projeto de lei.

“Não podemos permitir que esse projeto avance! Precisamos mostrar para as lideranças e para o presidente da Câmara, Arthur Lira, que nossas vidas não são moeda de troca.  Temos poucos dias pra encher os deputados com nossas mensagens”, destaca o grupo.

Fonte: Página 8