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A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) comunicou na última segunda-feira (3), ao Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas) que não há cobertores para a distribuição para a população em situação de rua da capital paulista.

“No momento não está disponível (sic) cobertores para a Seas, até segundo ordem do gabinete”, diz o e-mail encaminhado pela Smads ao órgão, que é responsável pela distribuição do item.

Na última semana, duas pessoas em situação de rua morreram por frio em São Paulo. Um homem foi encontrado sem vida no Largo da Concórdia, na região central, na madrugada do dia 31 de maio, quando a temperatura na capital paulista chegou a 9ºC.

Ainda, um dia antes, 30 de maio, outro homem morreu por frio. Seu corpo foi encontrado em uma calçada embaixo do Elevado Presidente João Goulart, conhecido como Minhocão, na altura do Largo do Arouche, também na região central de São Paulo.

Em plena onda de frio que atinge a capital paulista e com dois casos de mortes suspeitas por baixa temperatura, a Smads está sem cobertores para atender a demanda de pessoas em situação de rua da cidade. Ao ser acionada pelas entidades responsáveis pelos abrigos, o almoxarifado da Secretaria informa às entidades que não possui material disponível no momento e que as próprias organizações gestoras dos abrigos deverão comprar o material.

“Não dispomos dos referidos bens em estoque no momento, nem tampouco há Ata/Contrato vigente que possamos acionar. Sua demanda será registrada para análise de viabilidade/necessidade de compra futura. A OSC poderá adquirir os itens com os recursos da parceria desde que respeitado o disposto no art. 171 da IN 02/SMADS/2024”, afirma o e-mail enviado pela pasta para as entidades que administram os albergues

A mesma resposta é dada para as entidades que fazem a abordagem nas ruas como parte do Seas, para quem o almoxarifado informa que “no momento não está disponível cobertores para os SEAS, até segunda ordem do gabinete”.

A vereadora Luana Alves (PSOL), se disse “indignada” e criticou a prefeitura. “É chocante, é chocante que a prefeitura com um caixa de dezena de bilhões de reais, da cidade mais rica da América Latina, dê uma ordem de não ter cobertores. É um período de extremo frio, em que duas pessoas morreram, é inacreditável. Não tem justificativa para que não tenha havido planejamento, já que é o período de frio. A única justificativa é que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) não prioriza a população em situação de rua, mesmo que isso possa custar a vida dessas pessoas”, disse.

A Prefeitura de São Paulo informou que “por orientação da Gestão do Sistema Único de Assistência Social (GSUAS)” os cobertores “agora devem ser solicitados e entregues às Supervisões de Assistência Social (SAS)” e que o “o e-mail em questão apenas responde uma solicitação feita por um SEAS”. Ainda de acordo com o governo paulistano, “continuam sendo distribuídos itens como agasalhos, sacos de dormir, casulos, cobertores e mantas térmicas.”

A falta de cobertores e colchões para atender albergues e pessoas em situação de rua da capital paulista começou com um imbróglio no edital de compra lançado pela Secretaria de Assistência Social em setembro de 2023.

Na época, o secretário era o atual vereador Carlos Bezerra Júnior – que deixou a pasta em abril deste ano para voltar à Câmara Municipal e concorrer à reeleição em outubro.

Naquela ocasião, a Prefeitura planejava comprar quase 800 mil cobertores. Um dos itens do edital pedia que os cobertores viessem embalados em plástico biodegradável, com laudo de comprovação que atestasse que estava de acordo com a norma ASTM D5511, da American Society for Testing and Materials (na tradução livre, Sociedade Americana de Ensaios e Materiais).

A exigência incomum levou a uma denúncia no Tribunal de Contas do Município (TCM) de suposto direcionamento do certame, alegando a formação de cartel entre as empresas participantes.

A denúncia aconteceu de forma anônima. Em outubro de 2023, o TCM abriu um processo para investigar as supostas irregularidades nos dois editais da secretaria e constatou, em primeira análise, indícios reais de direcionamento.

“Em uma primeira análise, a auditoria deste Tribunal entendeu que, de fato, os referidos editais continham exigências capazes de restringir a ampla competitividade da licitação, além de potencializar riscos à economicidade dos futuros contratos”, disse o TCM-SP.

Segundo o Tribunal, a Secretaria levou quase três meses para responder o órgão se tinha ou não interesse em continuar com a licitação, sem fazer os ajustes necessários para nenhuma empresa ser privilegiada.

“A Pasta foi oficiada, em 29/11/2023, para esclarecer se ainda havia interesse na aquisição dos objetos pretendidos (cobertores e colchões) e, em caso positivo, enviar as minutas dos respectivos Editais com as alterações necessárias. A resposta da SMADS veio apenas em 06/02/2024, oportunidade em que esclareceu ainda manter interesse na aquisição de cobertores e colchões por meio dos Pregões n. 45/SMADS/2023 e n. 50/SMADS/2023, mas se limitava a informar que estaria ‘aguardando adequações pelas áreas técnicas desta Secretaria, conforme instruções enviadas pelo E. Tribunal’.”, declarou o TCM.

E emendou: “Após diversas tentativas, por parte deste Tribunal, de obter informações atualizadas, a SMADS finalmente encaminhou documentação em 18/04/2024, com um complemento em 16/05/2024, tendo sido o processo imediatamente encaminhado para análise, com prioridade, para a Auditoria deste TCMSP”.

O atraso de mais de seis meses entre a notificação do TCM e a entrega dos documentos do edital ajustado coincide com o atual desabastecimento vivido pela cidade.

Fonte: Página 8