76% das vítimas de homicídio no Brasil são negras
A cada pessoa não negra assassinada no Brasil, 2,8 negros são mortos. A constatação, feita pelo Atlas da Violência 2024, é mais uma evidência de como o racismo herdado da escravidão pesa ainda hoje sobre a população negra brasileira. Em 2022, 76,5% das vítimas de homicídios, num total de 35,5 mil pessoas, eram negras.
Feito pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas aponta ainda que entre 2012 e 2022, é “possível observar que houve redução na taxa de homicídios de negros a partir de 2017, com queda proeminente no período 2017-2019, passando de 43,1 para 29”.
Na sequência, explica que após 2020, as taxas aumentaram em relação a 2019, seguindo relativa estabilidade nos anos posteriores. “Diferentemente das vítimas negras, a população não negra apresenta invariabilidade na primeira metade da década 2012-2022, seguida de um movimento de redução também a partir de 2017”.
Na análise das capitais, as taxas mais elevadas por 100 mil habitantes foram encontradas em Salvador (70,2), Macapá (69,7) e Manaus (63,5), enquanto as menores foram em São Paulo (4,1), Florianópolis (7,3) e Brasília (16,1).
Essas taxas seguem as mesmas tendências de seus respectivos estados. Bahia (51,6), Amapá (48,8) e Amazonas (47,5) têm os piores índices, ante São Paulo (8,3), Santa Catarina (9,9) e Distrito Federal (14,2). A média nacional foi de 29,7 por 100 mil habitantes.
Alagoas é o estado com maior risco relativo de uma pessoa negra ser vítima de violência letal — lá, alerta o estudo, “o risco de vitimização letal para uma pessoa negra é 23,7 vezes maior do que para uma pessoa não negra”. No território nacional, o índice é de 2,8.
O Atlas defende a “urgência de ações estratégicas para possibilitar condições de vida, e não sobrevivência, de um grupo que é violentado, letalmente ou não, desde a colonização. O desafio do país é promover políticas focalizadas e tematicamente transversais — como demandou a juventude negra durante as caravanas promovidas em todas as capitais brasileiras pelo Ministério da Igualdade Racial ao longo de 2023 — para que possamos reverter tais desigualdades estruturais”.
De acordo com o relatório, “embora seja um esforço necessariamente capitaneado pelo governo federal, essa é uma tarefa do Estado brasileiro, em suas dimensões municipal, estadual, distrital e federal”.
Vale destacar, ainda, que os negros também são os mais afetados pela guerra às drogas e pelo resultante encarceramento em massa. “Os sujeitos criminalizados como traficantes são, em sua maioria, homens (86%), jovens (72% com idade até 30 anos), de baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo de educação básica) e negros (68%). O cruzamento da variável idade e cor/raça indica que 53,9% dos réus processados são jovens de até 30 anos e negros, simultaneamente”, aponta o Atlas.
Indígenas
No caso dos povos indígenas, o Atlas revela que, pela primeira vez, a taxa de homicídios foi aproximadamente a mesma da nacional: enquanto a nacional ficou em 21,7 por 100 mil habitantes em 2022, a de indígenas foi de 21,5.
Entretanto, segundo os autores, trata-se de um ano singular. Em toda a década anterior (2012 a 2021), a violência letal foi vivenciada de forma mais intensa pelos povos indígenas do que pela população brasileira em geral. Nos anos de 2013 e 2014, a taxa de homicídios registrados e estimados de indígenas atingiu o dobro da taxa geral.
O estudo também inseriu dados sobre o suicídio, já que se trata de um tipo de violência letal que impacta fortemente essa população. Enquanto para os indígenas a mortalidade proporcional por suicídio é de 2,88; para a população negra é 0,95; branca, 0,76; e amarela, 0,44. O Atlas salienta, ainda, que as taxas podem ser maiores, uma vez que há fortes indícios de subnotificações.
Algumas possibilidades para o suicídio são levantadas, entre as quais mudanças culturais no regime de uso das terras indígenas, simultâneas à urbanização e deslocamento de indígenas para as cidades, as tensões e confrontos relativas à demarcação e posse de suas terras e frustrações quanto as expectativas de melhoria da qualidade de vida.
O Atlas conclui que “tais hipóteses, de fato, não esgotam todas as violências históricas, estruturais e sistemáticas que refletem, de forma complexa, no bem-estar psicossocial da população indígena, carecendo de mais investigações” .
No entanto, acrescenta, “as taxas de suicídio possibilitam dimensionar, sob perspectivas mais amplas, níveis de violência que as pessoas indígenas estão a enfrentar, sugerindo que muitos indígenas preferem auto-provocar a morte a continuar a viver nessas condições”.