Em 10 anos, mais de 48 mil mulheres foram assassinadas no Brasil
O alto índice de assassinato de mulheres, sobretudo em seus lares, é mais uma evidência da terrível situação de violência e opressão vivida por milhões de brasileiras ao longo da vida. Segundo o Atlas da Violência 2024, mais de 48 mil mulheres foram mortas no Brasil entre 2012 e 2022. Neste último ano, foram 3.086 assassinatos, número que chega a 4.670 se consideradas as estimativas de mortes ocultas. Do total, 34,5% foram cometidos em casa, resultando em 1.313 vítimas.
O estudo — feito pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública — leva em conta dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), vinculado ao Ministério da Saúde.
Como se trata de sistema alimentado a partir de informações das entradas das vítimas nos equipamento de saúde, não é usada a categoria “feminicídio”, caracterização dada a partir da tipificação do crime, que somente é possível com a investigação do caso.
No entanto, é preciso considerar que boa parte dos homicídios de mulheres ocorridos em casa está ligada ao crime de feminicídio. Conforme atesta o Atlas, os 34,5% de assassinatos em domicílios se aproximam da proporção de feminicídios identificados pelas polícias, 36,6%, em relação ao total de homicídios femininos em 2022.
“Entre as mulheres, o domicílio representa o principal tipo de local de ocorrência do homicídio, enquanto entre os homens a maior parte dos casos ocorre na rua ou estrada. Isso demonstra a existência de diferentes dinâmicas de homicídios a depender do gênero da vítima, de forma que as mulheres estão mais sujeitas à violência letal dentro de casa do que nas ruas. Em 2002, entre os homens, somente 12,7% dos homicídios ocorreram nas residências”, diz o Atlas.
Outro aspecto importante revelado pelo relatório diz respeito à estabilidade dos casos de feminicídio ante a queda nos números de homicídio de mulheres na década analisada, o que demonstra que a brutalidade contra as mulheres, de fato, é originada, sobretudo, a partir da ação de seus companheiros, via de regra motivada pelo sentimento de posse que está na base do machismo.
“Enquanto a taxa de homicídios femininos fora das residências passou de 3,5 em 2012 para 2,3 em 2022, a taxa de homicídios ocorridos dentro da residência ficou estável em 1,2. Ou seja, no período considerado, os homicídios de mulheres fora das residências diminuíram 34,2% na década, ao passo que os casos nas residências permaneceram constantes. Isso indica que, embora tenhamos observado uma queda na taxa geral de homicídios femininos na última década, os casos motivados por razões de gênero permaneceram estáveis”, aponta.
Ainda de acordo com o Atlas, esse quadro “indica a necessidade de combater mais especificamente a violência doméstica, que muitas vezes se manifesta em formas menos graves de violência antes de atingir o resultado letal”.
Com relação aos homicídios ocultos, trata-se de uma categoria, usada nos sistemas de saúde, que engloba as mortes violentas por causa indeterminada (MVCI), ou seja, situações em que não se sabe exatamente o que levou ao óbito.
No caso dos crimes letais contra as mulheres, metodologia feita por pesquisadores do FBSP apontam que, considerando os casos ocultos, o número de assassinatos pode ser 22,8% superior ao calculado a partir dos casos registrados oficialmente (3.806 vítimas), chegando a 4.670.
Mulheres negras
Analisando a questão racial, a proporção de homicídios de mulheres negras em 2022, que corresponde a 66,4% do total — ou 2.526 —, é mais um indicador que não deixa dúvida sobre o racismo no país.
“Naquele ano, a taxa de homicídio de mulheres negras foi de 4,2 por grupo de 100 mil, enquanto a taxa para mulheres não negras foi de 2,5. Isso significa dizer que mulheres negras tiveram 1,7 vezes mais chances de serem vítimas de homicídio, em comparação com as não negras”, alerta o relatório.
Segundo o Atlas, entre os anos 2012 e 2022, houve redução dos homicídios tanto entre negras (25%) quanto entre não negras (24,2%). Porém, assinala: “em que pese o fato citado de que as mulheres negras tiveram maior redução de taxas de homicídio, esse dado é matizado pelos números absolutos”, de maneira que “é maior a quantidade de mulheres negras sendo mortas, anualmente, do que mulheres não negras”.
O Atlas também pondera que “o racismo estrutural e institucional, a interseccionalidade entre gênero e raça, bem como a insuficiência de políticas específicas de proteção a esse público, são chaves interpretativas que precisam ser consideradas para compreender esses altos índices, uma vez que mulheres negras são tradicionalmente mais expostas a fatores geradores de violência, em comparação com mulheres não negras”.
Violência contra as mulheres
No que diz respeito às formas de violência que atingem as brasileiras no contexto doméstico, a de natureza física apareceu como prevalente com 36,7% dos casos, ou 51.407 registros apenas em 2022.
O segundo tipo mais frequente, com 31,1% dos registros, consiste nas “violências múltiplas”, ou seja, casos em que mais de uma forma de violência foi informada pela vítima. Na sequência vem a negligência, com 11,9% dos casos, violência psicológica com 10,7%, a sexual com 8,9% e outras formas de violência com 0,7%.
Quanto às faixas etárias, o Atlas aponta que o grupo mais afetado pela violência doméstica e intrafamiliar em 2022 foram as crianças: meninas de 0 a 9 anos representaram 15,2% das vítimas. Crianças e adolescentes com idade até 14 anos representaram 24,5% das vítimas, totalizando 35.387 casos.
Praticamente metade das vítimas (49,9%) são mulheres em idade reprodutiva, entre 15 e 39 anos. Mulheres idosas representaram 6,4% do total das vítimas, totalizando 9.180 casos de vítimas com 60 anos ou mais. A grande maioria das agressões, 81%, ocorre em casa e os homens são responsáveis por 86,6% dos casos.
Novamente, as negras são maioria nesse contexto de violência doméstica, representando 58,2% das vítimas; meninas e mulheres brancas correspondem a 39,8% dos registros; amarelas, cerca de 1%; e indígenas, 1%.
De acordo com o Atlas, esses dados demonstram “os desafios de ser mulher no Brasil. Seja na infância, na vida adulta ou na terceira idade, o fato é que a desigualdade de gênero nas relações entre homens e mulheres, consolidada ao longo de centenas de anos, segue delineando as assimetrias de poder e produzindo relações violentas que vitimam meninas e mulheres durante toda a vida”.