Após reação de Moscou, Biden diz que não liberou mísseis para Kiev atacar Rússia
A extensa conversa de Putin com as agências de notícias estrangeiras em paralelo ao Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo produziu o primeiro efeito: Biden, em meio à encenação dos ‘80 anos do Dia D’ – o desembarque na Normandia -, ter explicitado que Kiev não pode usar armas norte-americanas para atacar dentro da Rússia, só valeria em operações na fronteira.
Em resposta a uma pergunta do editor-chefe-adjunto da agência de notícias italiana ANSA, Stefano Polli, sobre a recente onda de conclamações à liberação do uso de armas ocidentais contra a Rússia, o presidente Putin assinalou que “se alguém acha possível enviar tais armas para uma zona de combate para atacar o nosso território e criar problemas para nós, então por que não temos o direito de enviar as nossas armas da mesma classe para aquelas regiões do mundo onde podem ser feitos ataques contra alvos sensíveis dos países que fazem isso em relação à Rússia?”
Em entrevista à ABC News na quinta-feira (6), Biden confirmou que a Ucrânia tem permissão para usar armas fabricadas pelos EUA para ataques dentro da Rússia, mas só “nas proximidades da fronteira quando elas [armas russas] estiverem sendo usadas do outro lado da fronteira para atacar alvos específicos na Ucrânia”.
“Não estamos autorizando ataques a 200 milhas na Rússia e não estamos autorizando ataques a Moscou, ao Kremlin”, asseverou Biden.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que os países ocidentais ouviram o sinal do presidente Putin, sobre uma resposta ao fornecimento de armas a Kiev. “Esta é, provavelmente, uma das declarações mais importantes que o presidente fez ontem. Esta declaração é clara, inequívoca”, disse Peskov ao jornalista Pavel Zarubin, diante da escalada ensaiada pelo secretário-geral da Otan.
Em sua troca de ideias com o jornalista da ANSA, Putin observara que era preciso diferenciar entre armas convencionais e as de alta precisão e longo alcance, como o britânico Storm Shadow ou o americano ATACMS, ou os mísseis franceses.
Putin salientou que não são os militares ucranianos que decidem “se atacam ou não esse alvo, porque, repito, uma missão de voo é formada e praticamente introduzida apenas por quem fornece essas armas”.
“ATACMS – 300 quilômetros, que o Pentágono entregou. Mas como é usado? Os militares ucranianos não podem fazer tudo sozinhos e lançar ataques com este míssil. Para fazer isso, você precisa ter reconhecimento por satélite, então, com base nesse reconhecimento por satélite, e este é o reconhecimento por satélite americano, criar uma missão de vôo e, em seguida, inseri-la no sistema de mísseis.”
“No caso de Storm Shadow é ainda mais simples. A missão de voo é inserida de forma automática, sem a participação de militares em solo, de forma automática. Os britânicos fazem isso, então é tudo.”
Putin advertiu, ainda, que “em última análise, se constatarmos que estes países estão sendo arrastados para uma guerra contra nós, e esta é a sua participação direta na guerra contra a Federação Russa, então reservamo-nos o direito de agir de forma semelhante.”
À editora-chefe de internacional da agência de notícias britânica Reuters, Samia Nakhou, em resposta a quem a Rússia preferia que vencesse a eleição de novembro nos EUA, Putin observou que “para nós, o resultado final não importa muito. Trabalharemos com qualquer presidente eleito pelo povo americano.”
Segundo Putin, seu comentário sobre Biden ser previsível foi visto por alguns como algum tipo de “ataque” oculto, enquanto que, como um elemento da luta política interna dos EUA, Trump foi quase “acusado de espionar para a Rússia”.
Mas – acrescentou – permanece o fato de que, enquanto Biden impôs “sanções massivas contra a Federação Russa”, Trump “se retirou do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário”.
“Digo com toda a sinceridade que depois das eleições nada de essencial mudará na política externa americana em relação à Rússia. Ninguém nos Estados Unidos está interessado na Ucrânia. Interessados, sim, na hegemonia dos Estados Unidos, que lutam não pela Ucrânia e não pelo povo ucraniano, mas por sua hegemonia no mundo”.
Sobre a relação China-Rússia, em resposta ao editor-chefe da agência de notícias chinesa Xinhua, Lu Yansong , o presidente Putin enfatizou que se baseia “em interesses mútuos profundos, há 15 anos que a China tem sido o nosso principal parceiro comercial e econômico. Agora o volume de negócios comercial supera as nossas expectativas, 240 bilhões de dólares”.
“O fato é que estamos diversificando, não é apenas petróleo, gás, carvão e eletricidade, estamos construindo centrais nucleares na República Popular da China. Também temos boas perspectivas no domínio da alta tecnologia, fabrico de aeronaves, inteligência artificial”.
“Estas são conquistas simplesmente únicas e o Partido Comunista Chinês é a principal força política na China. É claro que tudo o que é feito acontece sob a liderança do Partido Comunista da República Popular da China.”
Nossos especialistas dizem que “uma análise do que está acontecendo na economia chinesa e nas economias líderes, incluindo os Estados Unidos, mostra que os chineses conseguiram criar um modelo de desenvolvimento econômico único, mas muito eficaz, mais eficaz do que nos Estados Unidos”.
Quanto às tentativas de Washington e de certos países europeus de frear o desenvolvimento chinês, para Putin é “um grande erro”. “‘Os chineses estão superproduzindo carros elétricos’. Quem está dizendo isso? Se a China produz certo número de automóveis e o mercado absorve tudo, de que tipo de superprodução está se falando?”
“Isso pode ser chamado de superprodução? Não, isso tem um nome diferente, é chamado de tentativa de limitar o crescimento por meios não mercantis. Quanto a outras áreas, só posso repetir que a nossa interação na cena internacional é um elemento dissuasor e de estabilidade”.
À agência turca Anadolu, o presidente russo disse que o que está acontecendo agora em Gaza “não é muito semelhante à guerra, é um tipo de destruição total da população civil”.
“Só posso repetir a posição oficial da Rússia sobre esta questão. Acreditamos que isto é o resultado da política dos Estados Unidos, que monopolizou o assentamento israelo-palestino e deixou de lado todas as ferramentas anteriormente criadas para tentativas coletivas de resolver esta questão complexa”.
“As questões políticas precisam ser resolvidas. E qual é o principal? Esta é a criação de dois Estados, como foi originalmente previsto na decisão da ONU: criar dois Estados neste território – um Estado palestino e um Estado judeu. Há muito que reconhecemos o Estado palestino como tal, desde os tempos soviéticos. Nesse sentido, nossa posição não mudou”.
Ao editor da agência de notícias alemã DPA, Martin Romanczyk, o presidente Putin lembrou que a guerra na Ucrânia não começou em 2022, mas com o golpe de 2014 e a derrubada do governo legitimo, quando os garantidores do acordo assinado de resolução pacífica e constitucional da crise política interna eram França, Alemanha e Polônia.
“Portanto, eles são os culpados pelo que aconteceu, juntamente com as forças nos Estados Unidos que provocaram a tomada do poder através de meios inconstitucionais.”
“Você não sabe o que se seguiu? Seguiu-se uma decisão dos residentes da Crimeia de se separarem da Ucrânia, seguida de uma decisão dos residentes de Donbass de não obedecerem aos que levaram a cabo um golpe de Estado em Kiev. Este é o início deste conflito”.
“E depois a Rússia fez todos os esforços para encontrar uma fórmula para um acordo através de meios pacíficos, e em 2015 foram assinados em Minsk os chamados acordos de Minsk”, endossados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.”
“Não, eles decidiram resolver este problema pela força das armas. Começou o uso de artilharia, tanques e aviação contra civis no sudeste da Ucrânia. Ninguém, repito, ninguém quer se lembrar disso, nem na Alemanha, nem em outros países europeus, nem nos EUA”.
“Facilitamos a assinatura dos acordos de Minsk, mas, como se viu, ninguém iria implementá-los. Tanto a ex-premiê da Alemanha como o ex-presidente da França declararam isto publicamente. Durante oito anos tentamos encontrar uma solução pacífica para este problema. Oito anos! Até as autoridades ucranianas da altura declararem que não iriam cumpri-los. Não reconhecemos a sua independência durante quase oito anos.”
“Bem, não começamos esta guerra. A guerra começou em 2014, após um golpe de Estado e uma tentativa de esmagar com armas aqueles que não concordavam com o golpe de Estado.
“Quando os primeiros tanques alemães, fabricados na Alemanha, apareceram em solo ucraniano, isso já criou um choque moral e ético na Rússia, porque a atitude em relação à República Federal na sociedade russa sempre foi muito boa. Agora, quando dizem que aparecerão alguns mísseis que atingirão alvos em território russo, isso, é claro, destrói completamente as relações russo-alemãs”.
“Mas compreendemos que, como disse uma das famosas figuras políticas alemãs, depois da Segunda Guerra Mundial, a República Federal da Alemanha nunca foi um Estado soberano no sentido pleno da palavra”.
“É até estranho que ninguém na atual liderança alemã defenda os interesses alemães. É claro que a Alemanha não tem soberania total, mas existem alemães. Você precisa pensar pelo menos um pouco sobre os interesses deles.”
“Veja: os infelizes explodiram gasodutos no fundo do Mar Báltico. Ninguém fica sequer indignado – como se fosse assim que deveria ser.”
“Continuamos a fornecer gás à Europa através do território da Ucrânia e da Turquia, e é recebido pelos consumidores europeus. Alguém pode explicar qual é a lógica? Você pode recebê-lo através do território da Ucrânia, pode recebê-lo através da Turquia, mas não pode recebê-lo através do Mar Báltico. Você precisa comprar gás natural liquefeito exorbitantemente caro, que é transportado através do oceano. Os seus ‘ecologistas’ não sabem como é obtido o gás natural liquefeito? Usando fraturamento hidráulico.”
“Iriam minar a economia russa e acreditavam que isso aconteceria dentro de três, quatro, seis meses. Mas eles veem que isso não está acontecendo. No ano passado, o nosso crescimento econômico foi de 3,4 %; este ano, no primeiro trimestre deste ano, o crescimento econômico russo foi de 5,4%.”
“Além disso, o Banco Mundial recalculou o nosso PIB e chegou à conclusão de que estamos à frente do Japão. A Rússia é hoje a quarta maior economia do mundo em termos de paridade de poder de compra”, concluiu Putin.
Fonte: Papiro