Netanyahu mandou Mossad perseguir chefe do TPI por investigar crimes em Gaza
Uma investigação conjunta realizada pelo jornal britânico The Guardian e pelas publicações israelenses + 972 Magazine e Local Call revelou que o governo Netanyahu, por nove anos, acionou o Mossad e outros organismos de inteligência para perseguir a então procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional, Fatou Bensouda, quando esta iniciou em 2015 uma investigação preliminar sobre a agressão de Israel a Gaza em 2014, afinal formalizada em 2019.
A invasão de Gaza em 2014 por tropas israelenses causou 2.251 mortos do lado palestino, civis na grande maioria, e 74 entre os israelenses, basicamente militares.
No decorrer dessa investigação preliminar, Bensouda declarou ter chegado à conclusão de que “crimes de guerra foram ou estão sendo cometidos na Cisjordânia, incluindo em Jerusalém Oriental e na Faixa de Gaza”, e anunciou em 2019 a abertura de uma investigação completa sobre crimes de guerra cometidos nos territórios palestinos.
Como apontou o Guardian, o relatório, que surge numa conjuntura crítica conforme o TPI investiga as violações da lei internacional por Israel, “lança luz sobre as operações encobertas israelenses contra o TPI e seus promotores”.
O relatório detalha como as agências de inteligência de Israel foram destacadas para “vigiar, hackear, pressionar, difamar e supostamente ameaçar altos funcionários do TPI”.
INTENTO DE PERVERTER O CURSO DA JUSTIÇA
As conclusões do Guardian são “profundamente perturbadoras” e incluem alegações que “constituem uma tentativa de perverter o curso da justiça através do uso de ameaças” à ex-procuradora do TPI Fatou Bensouda, afirmou ao jornal o advogado britânico especializado em direito penal e humanitário internacional, Toby Cadman.
A denúncia se torna ainda mais explosiva quando Karim Khan, o novo procurador-geral escolhido a dedo para substituir Bensouda, se viu forçado, diante do clamor internacional para parar o genocídio em Gaza, a pedir a emissão de mandados de prisão para Netanyahu e seu ministro Yoav Gallant, na semana passada, e para líderes do Hamas.
Isso, quase quatro meses após a Corte Internacional de Justiça da ONU – que investiga países, não pessoas – ter aberto investigação contra Israel por genocídio em Gaza, a pedido da África do Sul, e quando os palestinos mortos em Gaza já são 36.000, a maioria crianças e mulheres, os feridos passam de 81.000 e os desaparecidos, de 11.000, e com dois terços das moradias destruídas, assim como quase toda a infraestrutura, escolas e hospitais
Depois de novos e hediondos massacres em Rafah, a CIJ determinou a suspensão das operações militares de Israel na região sul da Faixa de Gaza, o que as tropas de Netanyahu ao invés de acatarem (apesar de serem resoluções vinculantes à Carta da ONU) recrudesceram o massacre com a carbonização de 45 palestinos, queimados vivos no acampamento de Tal Al Sultan.
“OBCECADO”
“Uma fonte de inteligência descreveu Netanyahu como ‘obcecado’ com os informes das operações contra o TPI, cujos esforços eram supervisionados por seus conselheiros de segurança nacional e envolviam o Shin Bet, a direção de inteligência militar e a Unidade 8200”, registrou o Guardian.
Antes dessas revelações desta terça-feira, o próprio Khan já havia se referido a tentativas não especificadas de “impedir, intimidar ou influenciar indevidamente os funcionários deste tribunal”, feitas por “partes não identificadas”. Conduta que poderia constituir uma infração penal nos termos do artigo 70 do estatuto fundador do tribunal, relativo à administração da justiça.
Opinião com que concordaram vários especialistas em direito internacional ouvidos pelo jornal britânico: a conduta dos serviços de inteligência israelenses pode equivaler a “delitos criminais
Matt Cannock, chefe do centro de justiça internacional da Anistia Internacional em Haia, disse: “É muito claro que muitos dos exemplos destacados no relatório equivaleriam a [infrações do artigo 70]. Tais acusações devem ser apresentadas contra qualquer pessoa que tenha procurado impedir, intimidar ou influenciar corruptamente os funcionários do TPI.”
Para Adil Haque, professor de direito da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, “este é o comportamento de uma família criminosa, não a conduta de um Estado, e os Estados-membros devem dizê-lo”.
Ele alertou que os crimes do artigo 70 têm “um prazo de prescrição de cinco anos”, e a justiça tem que agir rapidamente, com a assistência dos Estados-membros
Um alto funcionário palestino, falando sob anonimato, disse que “táticas que foram usadas contra palestinos que vivem sob ocupação agora foram usadas contra funcionários internacionais de algumas das instituições mais importantes do mundo”. Esta investigação mostra que “a crença de Israel na sua impunidade ultrapassa agora as fronteiras da Palestina”, ele acrescentou.
Por sua vez, um porta-voz do gabinete de Netanyahu disse que as perguntas e pedidos de comentários do Guardian estavam “repletos de muitas alegações falsas e infundadas destinadas a prejudicar o Estado de Israel”.
ANTES DE BIDEN, O CÚMPLICE TRUMP
Além de perseguida por Netanyahu e pelo Mossad, a procuradora-geral Bensouda também foi perseguida pelo governo Trump, por ter tentado, a partir de 2017, investigar os crimes de guerra cometidos na ocupação do Afeganistão.
Em 2018, o então conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, ameaçou prender os juízes do TPI se eles agissem contra Israel ou os Estados Unidos.
Em 2020, Bensouda e outros integrantes do TPI foram sancionados por Trump, que proibiu cidadãos e empresas dos EUA de fazerem transações com ela. O que só foi revogado no governo Biden, mas com o secretário de Estado Antony Blinken reiterando que Washington se opunha a quaisquer ações do TPI “relacionadas com as situações do Afeganistão e da Palestina”.
Em 2020, sob pressões nada sutis do governo Trump, os juízes do TPI negaram a Bensouda a investigação dos crimes de guerra no Afeganistão, alegando que nem Washington, nem o governo fantoche de Cabul, nem o Talibã iriam querer colaborar na investigação que, portanto, ficaria sem sentido.
Agora, frente ao pedido de mandados de prisão para Netanyahu e Gallant, Washington anunciou discordar, sendo acompanhado por Londres e Berlim. Enquanto republicanos no Congresso dos EUA propuseram sancionar os juízes do TPI, caso isso venha a ocorrer e o próprio secretário de Estado Anthony Blinken se dizendo disposto a “colaborar” com a perseguição aos promotores que segundo o senador republicano James Risch, “estariam metendo o nariz nos assuntos e negócios de países que possuem sistemas judiciais independentes, legítimos e democráticos”.
Fonte: Papiro