Stella, esposa de Assange, defende liberdade para o jornalista | Foto: Divulgação

O jornalista Julian Assange, fundador do WikiLeaks e denunciante dos crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão, o mais conhecido preso político do mundo, obteve da Alta Corte de Londres nesta segunda-feira (20) o direito de apelar da ordem de extraditá-lo para os EUA, com o tribunal decidindo que as “garantias” de Washington não atendiam à exigência de que o jornalista gozasse, em solo norte-americano, da defesa da Primeira Emenda, a que consagra a liberdade de expressão, e Assange terá direito a uma audiência para contestar a extradição.

“Passamos muito tempo ouvindo os Estados Unidos passando batom em focinho de porco, mas os juízes não compraram”, disse Stella Assange a repórteres do lado de fora do prédio do tribunal. “Como família, estamos aliviados, mas até quando isso pode continuar?”

“Os Estados Unidos deveriam ler a situação e abandonar o caso agora”, ela conclamou. “Abandonar esse vergonhoso ataque ao jornalismo, à imprensa e ao público que já dura 14 anos”.

“Este caso é vergonhoso e Julian Assange já está há cinco anos em Belmarsh. Já são dois anos desde que a ordem [de deportação] foi emitida. O governo Biden deveria tê-lo retirado no dia 1, e agora é o momento para o governo Biden retirá-lo. Não deixem isso prosseguir”.

Em 2010, Assange publicou, em conjunto com os maiores jornais do mundo, documentos do próprio Pentágono que expunham os crimes de guerra norte-americanos no Iraque e Afeganistão, cuja relevância ficou patente no vídeo do “Assassinato Colateral”, a morte de 18 civis em Bagdá, inclusive dois jornalistas, por um helicóptero de guerra Apache (crime até hoje impune). Documentos entregues ao WikiLeaks pelo soldado norte-americano Chelsea Manning.

“Meu cliente está sendo processado por realizar uma prática jornalística comum, de obter e publicar informações confidenciais, informações verdadeiras e de interesse público evidente e importante”, reiterou ao tribunal o advogado de Assange, Edward Fitzgerald.

Desde então, a perseguição a Assange nunca parou, sequer quando esteve asilado na Embaixada do Equador, com o governo Trump tendo pedido a extradição assim que o novo governo de Quito atendeu à ordem para entregar o jornalista à polícia inglesa, e foi trancafiado na ‘Guantánamo britânica’, o presídio de segurança máxima de Belmarsh e sob regime de solitária quase integral.

Na véspera dessa audiência, o editor do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, havia reiterado que Assange era um “preso político”, sob um processo completamente viciado sob as normas do direito, e com Washington tendo planejado assassiná-lo pelo menos duas vezes e o tendo – e a seus advogados – espionado na embaixada do Equador.

Se a Alta Corte de Londres não tivesse feito essa meia volta, a extradição poderia ser uma questão de dias – ou horas – e a última esperança de Assange seria recorrer à Corte Europeia.

Fora a Alta Corte que passou por cima da decisão de primeira instância de recusa da extradição por considerar a vida de Assange em risco nos EUA e que permitiu que Washington apresentasse “garantias”, que não dera de início, sobre a não-execução de Assange e o direito à Primeira Emenda.

A Anistia Internacional já dissera que as “garantias” de Washington não valiam o papel em que foram escritas, dados os antecedentes de burla em casos anteriores e, no essencial, podiam ser retiradas a exclusivo critério dos EUA.

Além disso, o governo dos EUA não poderia dar tal “garantia”, já que a decisão sobre o direito à proteção da Primeira Emenda caberia a um tribunal federal e não ao Departamento de Justiça.

O que acabou levando os dois juízes, Jeremy Johnson e Victoria Sharp, a permitir que Assange lançasse um recurso formal de sua extradição por causa do que consideraram uma aparente violação da lei de extradição britânica, baseada na Convenção Europeia de Direitos Humanos, que exige que o país receptor permita a uma pessoa extraditada o direito à liberdade de expressão.

Como assinalou o editor do Consortium News, Joe Lauria, Johnson e Sharp não engoliram o complicado argumento do advogado atuando em nome dos EUA, James Lewis, sobre por que Washington deveria colocar as mãos em Assange, apesar de ser incapaz de garantir sua liberdade de expressão.

Os advogados de Assange, Fitzgerald e Mark Summers, apontaram que Lewis enganou o tribunal ao dizer que a garantia dos EUA permitiria que Assange confiasse na Primeira Emenda, quando, na verdade, dizia apenas que ele poderia “tentar confiar” nela. Eles também evidenciaram que a decisão caberia a um tribunal, não podendo, portanto, ser incluído em uma suposta “garantia”.

Outra contestação havia sido antecipada, pela ex-presidente do Sindicato Nacional dos Advogados, Marjorie Cohn, em entrevista ao Consortium News.

A Lei de Extradição EUA-Reino Unido “proíbe a extradição se um indivíduo puder ser prejudicado devido à sua nacionalidade e devido à centralidade da Primeira Emenda para sua defesa”, disse Cohn ao CNN Live! no mês passado. “Se ele não tiver permissão para confiar na Primeira Emenda por causa de sua condição de cidadão estrangeiro, ele será prejudicado, potencialmente muito prejudicado em razão de sua nacionalidade.”

Assange afirma que, se receber direitos da Primeira Emenda, “a acusação será interrompida”, disse Cohn. “A Primeira Emenda é, portanto, de importância central para sua defesa.”

“Se ele tem o direito à liberdade de expressão, então o que ele fez, o que ele é acusado de fazer, não violaria a lei”, acrescentou.

Além disso, o procurador assistente dos EUA, Gordon Kromberg, que está processando Assange, não só não indicou que não apresentaria uma moção contra ele no tribunal quanto ao direito à Primeira Emenda, como disse explicitamente que Assange não é dos EUA. Os cidadãos não têm direitos da Primeira Emenda nos EUA por atos cometidos no exterior.

Ainda não foi definida uma data para o início do apelo de Assange. O editor do Consortium News considerou a decisão uma vitória da supremacia do direito europeu quando se trata a liberdade de expressão, mas não se furtou a registrar o que descreveu como lado amargo.

“Assange pode ficar na prisão mais um ano ou mais, Joe Biden não precisa se preocupar com um jornalista aparecendo acorrentado em Alexandria (Virgínia) durante uma campanha presidencial e, claro, Assange pode perder seu apelo e chegar aos EUA em um momento mais oportuno para Biden”.

E, como foi Trump que abriu o processo de extradição, de que Obama abrira mão (e comutado a pena de Manning), o caso poderia se tornar ainda mais difícil se o resultado em novembro favorecer o bilionário. O que explica o empenho redobrado de Stella Assange, advogados e personalidades que apoiam o jornalista para cobrar de Biden que retire o pedido de extradição.

Fonte: Papiro