CNN revela centro de tortura de palestinos em base militar israelense
As divergências entre Biden e Netanyahu começam a se expressar também na mídia: na quinta-feira (10), a CNN expôs a tortura de palestinos em uma prisão israelense, dentro de uma base militar, no deserto de Neguev, conforme denunciado por israelenses que trabalham na ‘Guantánamo’ israelense e por ex-detentos. Ou seria a ‘Abu Ghraib’ de Netanyahu?
A base militar transformada na prisão Sde Teiman está localizada no deserto de Neguev, a 29 quilômetros da fronteira de Gaza.
São torturas que têm sido extensamente denunciadas pelos palestinos e por entidades de direitos humanos israelenses e inclusive pelo jornal Haaretz, e a novidade é que isso passou a interessar à mídia do establishment norte-americano, depois que os campi nos EUA se levantaram contra o genocídio e pelo cessar-fogo, apesar de todo o macartismo e repressão policial nua e crua.
Registre-se que não há como atribuir à CNN qualquer vínculo com o suposto “antissemitismo”, alegado por fanáticos pró-Netanyahu para investir contra a denúncia do genocídio em Gaza.
Segundo a CNN, um israelense que trabalha na instalação tirou duas fotos de uma cena que, disse, “continuam a assombrá-lo” (grifos do HP).
“Fileiras de homens em agasalhos cinza são vistos sentados em colchões finos como papel, cercados por arame farpado. Todos aparecem vendados, com as cabeças pesadamente penduradas sob o brilho dos holofotes. Um fedor pútrido encheu o ar e a sala zumbiu com os murmúrios dos homens, disse à CNN o israelense que estava nas instalações. Proibidos de falar uns com os outros, os detidos falavam baixo com eles mesmos.”
“Nos disseram que eles não tinham permissão para se mover. Eles deveriam se sentar eretos. Eles não têm permissão para conversar. Não é permitido espiar por baixo da venda.”
Os guardas foram instruídos a gritar “uskot” – “cala a boca” em árabe – e a “escolher as pessoas que eram problemáticas e puni-las”, acrescentou a fonte.
A CNN revela, ainda, que há duas outras prisões com função semelhante, as bases militares de Anatot e Ofer, na Cisjordânia ocupada. Os centros de tortura foram criados com base na lei fascista dos “Combatentes Ilícitos”, aprovada pelo Knesset em dezembro passado, para acelerar o genocídio e a limpeza étnica. O número de presos sob o sistema é desconhecido, esclarece a CNN.
“Eles pintam o quadro de uma instalação onde os médicos às vezes amputavam membros de prisioneiros devido a ferimentos sofridos por algemas constantes; de procedimentos médicos às vezes realizados por médicos não-qualificados, ganhando a reputação de ser “um paraíso para os estagiários”; e onde o ar está cheio do cheiro de feridas negligenciadas deixadas para apodrecer”, continua a CNN.
De acordo com os relatos – registra a emissora norte-americana -, a instalação “está dividida em duas partes: recintos onde cerca de 70 detidos palestinos de Gaza são colocados sob extrema contenção física, e um hospital de campanha onde os detidos feridos são amarrados às suas camas, usando fraldas e alimentados por canudos”.
A CNN também citou a resposta dos militares israelenses a um pedido de comentário sobre as denúncias, em que juraram garantir uma “conduta adequada” (sic) aos presos sob custódia, acrescentando haver um mecanismo de apuração de eventuais “desvios de conduta”.
O que já foi refutado pelos próprios grupos de direitos humanos israelenses de forma veemente, de tão acintoso. E que, provavelmente, acabará virando tema para a Corte de Haia.
“Eles tiraram (dos presos) tudo o que se assemelhasse a seres humanos”, disse à CNN um denunciante israelense, que trabalhava como médico no hospital de campanha da instalação.
Para outro denunciante, “(os espancamentos) não foram feitos para coletar informações. Eles foram feitos por vingança”. Supostamente “uma punição pelo que eles (os palestinos) fizeram em 7 de outubro e uma punição pelo comportamento no campo”.
Na verdade, para humilhar e para cumprir aquele decálogo seguido em Abu Graib, nos bons tempos de W. Bush e seu “memorando da tortura”, para “amaciar” os presos para o “interrogatório”.
Ainda segundo a CNN, “os detidos são algemados com base no seu nível de risco e estado de saúde. Incidentes de algemas ilegais não são do conhecimento das autoridades”.
A rede de notícias observa que as IDF (nome de fantasia do exército de ocupação) “não negaram diretamente relatos de pessoas que foram despidas de suas roupas ou mantidas em fraldas”.
Ao invés disso, as IDF alegaram que as roupas dos presos serão devolvidas “assim que determinarem que não representam nenhum risco à segurança”.
Não é o primeiro relato de abusos em Sde Teiman, mas, aponta a CNN, “este raro testemunho de israelenses que trabalham nas instalações lança mais luz sobre a conduta de Israel enquanto trava a guerra em Gaza, com novas alegações de maus-tratos”.
A CNN revela que solicitou permissão aos militares israelenses para acessar a base de Sde Teiman e que no mês passada uma equipe da emissora cobriu um pequeno protesto fora do seu portão principal, organizado por ativistas israelenses que exigiam o encerramento das instalações. “As forças de segurança israelenses interrogaram a equipe por cerca de 30 minutos, exigindo ver as imagens feitas pelo fotojornalista da CNN.”
“Duas associações de prisioneiros palestinos afirmaram na semana passada que 18 palestinos – incluindo o importante cirurgião de Gaza, Dr. Adnan Al Bursh – morreram sob custódia israelense durante o curso da guerra”, registrou a CNN.
Al Bursh era o chefe da ortopedia do Hospital Al Shifa, e fora sequestrado em dezembro pela tropa de ocupação durante o assalto ao maior hospital de Gaza, e sua morte “sob custódia” vazou no dia 2 de maio, mas teria acontecido em 19 de abril.
As hordas de Netanyahu alegavam, durante a violação do hospital, protegido pela lei humanitária internacional, que este abrigaria um “centro de comando” do Hamas, uma mentira abjeta – o que se tornou patente – para justificar o crime de guerra cometido à vista de todos.
Em suma, os 18 palestinos “sob custódia” foram mortos na tortura. Segundo o Haaretz, os presos mortos na tortura seriam pelo menos 30.
A CNN entrevistou mais de uma dúzia de ex-detentos de Gaza que libertados desses campos, que não tinham como determinar onde era, porque estiveram vendados durante a maior parte do tempo, mas os detalhes que eles contaram “coincidem com os dos denunciantes”.
O Dr. Mohammed Al Ran, que foi preso em dezembro e que chefiara a unidade cirúrgica do hospital Indonésio no norte de Gaza, um dos primeiros a ser encerrado e invadido pelas turbas israelenses, relatou que “foi despido, ficando apenas de cueca, vendado e com os pulsos amarrados, depois jogado na traseira de um caminhão onde os detidos quase nus foram empilhados uns sobre os outros enquanto eram transportados para um campo de detenção no meio do deserto.”
O que é corroborado por imagens de prisões em massa feitas por jornalistas no terreno e inclusive postadas “orgulhosamente” por soldados israelenses em redes sociais.
Al-Ran foi mantido em um centro de detenção militar por 44 dias, ele disse à CNN. “Nossos dias foram repletos de oração, lágrimas e súplicas. Isso aliviou nossa agonia”, lembrou.
“Choramos e choramos e choramos. Choramos por nós mesmos, choramos por nossa nação, choramos por nossa comunidade, choramos por nossos entes queridos. Choramos por tudo que passou pela nossa cabeça”.
Uma semana após o início da sua prisão, as autoridades do campo de detenção ordenaram que ele atuasse como intermediário entre os guardas e os prisioneiros, um papel conhecido como Shawish, “supervisor”, em árabe vernáculo, normalmente um prisioneiro que foi inocentado de suspeitas de ligações com o Hamas após interrogatório e é proficiente em hebraico, registrou a CNN.
Al Ran disse que serviu como Shawish por várias semanas depois de ter sido inocentado de ligações com o Hamas. O que foi confirmado à CNN pelos denunciantes israelenses entrevistados.
Como shawish, Al Ran recebeu “um privilégio especial: sua venda foi removida”.
Ele disse à CNN que esse era outro tipo de inferno. “Parte da minha tortura foi poder ver como as pessoas estavam sendo torturadas”, disse ele.
“No início você não conseguia ver. Não dava para ver a tortura, a vingança, a opressão. Quando me tiraram a venda, pude ver a extensão da humilhação e do rebaixamento, pude ver até que ponto eles nos viam não como seres humanos, mas como animais”.
O relato de Al Ran sobre as punições que presenciou foi corroborado pelos denunciantes israelenses que falaram com a CNN.
“Um prisioneiro que cometesse um delito, como falar com outra pessoa, seria obrigado a levantar os braços acima da cabeça por até uma hora. As mãos do prisioneiro às vezes eram amarradas a uma cerca para garantir que ele não saísse da posição.”
“Para aqueles que violaram repetidamente a proibição de falar e se movimentar, a punição se tornou mais severa. Os guardas israelenses por vezes levavam um prisioneiro para uma área fora do recinto e espancavam agressivamente, segundo dois denunciantes e Al Ran.”
Um denunciante que trabalhava como vigilante disse à CNN ter visto um homem sair de uma surra com os dentes, e alguns ossos, aparentemente quebrados.
Esse denunciante e Al Ran também descreveram uma revista de rotina quando os guardas soltavam cães de grande porte sobre os detidos adormecidos, lançando uma granada sonora contra o recinto enquanto as tropas invadiam – o que lembra cenas de Abu Graib. Al Ran chamou isso de “a tortura noturna”.
“Enquanto estávamos amarrados, eles soltaram os cães que se moveriam entre nós e nos pisoteariam”, disse al-Ran. “Você estaria deitado de bruços, com o rosto pressionado contra o chão. Você não pode se mover e eles [os cães] estão se movendo acima de você”.
O mesmo denunciante relatou a revista com os mesmos detalhes angustiantes. “Foi uma unidade especial da Polícia Militar que fez a chamada revista”, disse a fonte. “Mas na verdade foi uma desculpa para assustá-los. Foi uma situação aterrorizante. Havia muitos gritos e latidos de cachorros”.
Os relatos dos denunciantes – acrescenta a CNN – retrataram um tipo diferente de horror no hospital de campanha de Sde Teiman. “O que senti quando lidei com esses pacientes foi uma ideia de vulnerabilidade total”, disse um médico que trabalhava no Sde Teiman.
“Se você se imagina incapaz de se mover, incapaz de ver o que está acontecendo e completamente nu, isso o deixa completamente exposto”, disse a fonte à CNN. “Acho que isso é algo que beira, se não ultrapassa, a tortura psicológica”.
Outro denunciante israelense disse que recebeu ordens de realizar procedimentos médicos nos detidos palestinos para os quais não estava qualificado.
“Me pediram para aprender como fazer coisas nos pacientes, realizando pequenos procedimentos médicos que estão totalmente fora da minha especialidade”, disse ele, acrescentando que isso era frequentemente feito sem anestesia.
“Se reclamassem de dor, receberiam paracetamol”, disse ele. “Só de estar lá parecia ser cúmplice de abuso”.
O mesmo denunciante também disse que testemunhou uma amputação realizada em um homem que sofreu ferimentos causados pelos pulsos constantemente amarrados. O relato correspondia aos detalhes de uma carta de autoria de um médico que trabalha no Sde Teiman, publicada pelo Haaretz em abril.
“Desde os primeiros dias de funcionamento das instalações médicas até hoje, enfrentei sérios dilemas éticos”, dizia a carta dirigida ao procurador-geral de Israel e aos seus ministérios da saúde e da defesa, segundo o Ha’aretz.
“Mais do que isso, escrevo (esta carta) para alertar que o funcionamento das instalações não atende a um único trecho dentre os que tratam da saúde da Lei de Encarceramento de Combatentes Ilícitos”.
Um porta-voz das IDF negou as alegações relatadas pelo Ha’aretz em nota à CNN na época, dizendo que os procedimentos médicos foram conduzidos com “extremo cuidado” e de acordo com a lei israelense e internacional.
O porta-voz acrescentou que o algemamento dos detidos foi feito “de acordo com os procedimentos, o seu estado de saúde e o nível de perigo que representam”, e que qualquer alegação de violência será examinada.
Os denunciantes também disseram que a equipe médica foi instruída a se abster de assinar documentos médicos, corroborando relatórios anteriores do grupo de direitos humanos Médicos pelos Direitos Humanos em Israel (PHRI).
O relatório do PHRI divulgado em abril alertou para “uma séria preocupação de que o anonimato seja utilizado para evitar a possibilidade de investigações ou acusações relativas a violações da ética e do profissionalismo médico”.
“Não se assina nada e não há verificação de autoridade”, disse o mesmo denunciante que afirmou não ter a formação adequada para o tratamento que lhe foi pedido para administrar. “É um paraíso para os estagiários porque é como se você fizesse o que quisesse”.
Fonte: Papiro