Crise no Haiti força ditador Ariel Henry a renunciar
Com o Haiti sublevado e com as tratativas para envio da terceira força estrangeira de intervenção no país em 30 anos empacadas, o primeiro-ministro sem mandato Ariel Henry – ditador, portanto, segundo os mais exigentes – anunciou na noite de segunda-feira (11) sua renúncia, depois de ouvir o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.
Segundo a agência Reuters, vídeos que circularam nas redes sociais mostraram comemorações nas ruas, com pessoas dançando e fogos de artifício após a renúncia. O Haiti atualmente não tem presidente nem Parlamento eleitos, enquanto as últimas eleições foram realizadas há oito anos, em 2016.
Grupos armados vinham exigindo a renúncia de Henry. O Haiti está sob estado de emergência, com dezenas de milhares de deslocados em meio aos combates, e autoridades da ONU alertam que o sistema de saúde do país está perto do colapso. Os grupos armados tomaram o porto e outras áreas.
Desde 2018, o Haiti vive convulsionado, com a população nas ruas exigindo a renúncia do presidente Jovenel Moïse e novas eleições, após a alta do preço do combustível imposto pelo FMI e o escândalo do desvio do dinheiro da Petrocaribe, mais apagões no país.
O FMI determinou um aumento de 38% no preço da gasolina, 47% do diesel e 51% da querosene — essencial para as lamparinas num país que tem apenas 39% da população com acesso à energia elétrica.
Moïse não renunciou, dissolveu o parlamento e passou a governar por decretos, em meio a mais e mais manifestações, até em julho de 2021 ser assassinado em sua casa por mercenários colombianos.
No desdobramento, Ariel Henry, que chegou a ser acusado pelo então procurador-geral de ser um dos mandantes do crime, se proclamou primeiro-ministro, jogando mais gasolina na fogueira do descontentamento, e desde então a crise só se agravou.
DIGITAIS DE WASHINGTON
Embora a mídia imperial venha simplificando os acontecimentos em curso no Haiti, para atribuí-los exclusivamente à “violência das gangues”, quando são os 30 anos de sucessivas intervenções de parte de Washington, desde a queda do ditador pró-americano Papa Doc e seu rebento Baby, que impedem o país de encontrar um caminho próprio para o desenvolvimento e a democracia.
Ingerência que, neste século, culminou com a derrubada em 2004 por W. Bush do governo do presidente Aristide, sequestrado pelos marines e forçado ao exílio na África; e, depois, pelos 13 anos de intervenção da Minustah, que o Brasil encabeçou.
A renúncia de Ariel Henry foi carimbada pela Caricom, Comunidade do Caribe, atualmente encabeçada pela Guiana, que comunicou a formação, à revelia do povo haitiano, de um assim chamado “conselho presidencial de sete membros”, que irão designar um “primeiro-ministro interino”, supostamente para convocar eleições, cujo principal critério para participação é ser a favor da chegada dos 1.000 policiais da força de intervenção queniana patrocinada por Washington sob uma tênue fachada da ONU.
Henry havia saído de Porto Príncipe Haiti para ir ao Quênia para acelerar o envio de uma força policial, destinada a enquadrar os haitianos, a terceira intervenção estrangeira desde a derrubada do presidente Aristide em 2004.
Há o obstáculo de que o envio da força policial queniana foi vetado pela Suprema Corte do Quênia. Na volta, diante da aceleração da crise, Henry não conseguiu retornar ao Haiti, acabou encalhado em Porto Rico, onde teve de ficar sob proteção do FBI, e, agora, foi renunciado.
Henry chegou a pedir a Blinken avião e escolta militar para voltar a Porto Príncipe, o que lhe foi negado. Fretou um avião executivo, tentou aterrissar na vizinha República Dominicana, mas teve de fazer meia volta, devido à recusa explícita de Santo Domingo.
Segundo Irfaan Ali, líder em exercício da Caricom, os sete membros votantes da transição serão representantes dos partidos políticos haitianos e do setor privado, enquanto os observadores incluirão um membro da sociedade civil e um da comunidade inter-religiosa. Por sua vez, o secretário de Estado Blinken anunciou US$ 300 milhões para bancar as operações da força de intervenção policial queniana.
COMO OS EUA TORNARAM O HAITI EM UM ESTADO FALIDO
“Nós dizemos que a crise no Haiti é uma crise do imperialismo. Em 2004, como foi revelado e admitido, EUA, França e Canadá se uniram e apoiaram um golpe de Estado contra o primeiro presidente democraticamente eleito do país, Jean-Bertrand Aristide. E os fuzileiros navais dos EUA voaram para sua casa, colocaram-no em um avião com seus funcionários de segurança, sua esposa e assessora, e os levaram para a República Centro-Africana”, relatou ao programa Democracy Now, de Amy Goodman, Jemima Pierre, hatiana que é professora do Instituto de Justiça Social da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, pesquisadora associada da Universidade de Joanesburgo e co-coordenadora da Equipe Haiti/Américas da Aliança Negra pela Paz.
“E o ponto disso foi que esse golpe de Estado, que foi liderado por dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, foi então sancionado pela ONU quando esses mesmos dois membros do Conselho de Segurança da ONU – e isso são os EUA e a França – basicamente pressionaram o Conselho de Segurança da ONU a enviar uma força militar multinacional para o Haiti armada sob o Capítulo VII implantação.”
“E isso em si era ilegal, porque o golpe de Estado original era ilegal. O embaixador dos EUA no Haiti e o vice-embaixador estavam no processo – foram eles que nomearam quem seria o presidente interino, montaram um Conselho de Sábios e, basicamente, reestruturaram o presidente eleito do Haiti”, ela destacou.
“E naquela época tínhamos 7.000 eleitos; Hoje temos zero. E ao longo do tempo, eu digo que o Haiti esteve sob ocupação, porque foi essa ocupação militar, a ocupação da Minustah, que foi de 2004 a 2007, que estabeleceu o Grupo Central, – que é um grupo não eleito de autoridades ocidentais, incluindo o Brasil, que liderou o braço militar da ocupação em 2004 — que vem controlando todas as ações no Haiti, até nomear quem seria o primeiro-ministro, Ariel Henry, após o assassinato de Jovenel Moïse”.
HILLARY FRAUDA ELEIÇÃO
“Devo dizer rapidamente, porém, que uma das principais coisas que aconteceu foi, em 2010, após o terremoto no Haiti que matou centenas de milhares, quando os EUA pressionaram o presidente em exercício, René Préval, a ter eleições – e os documentos do WikiLeaks nos revelaram mais tarde que Hillary Clinton realmente voou para o Haiti e mudou os resultados eleitorais, onde Michel Martelly, do partido político PHTK, não chegou ao primeiro turno, mas os EUA forçaram o conselho eleitoral haitiano a realmente fazê-lo – colocá-lo no segundo turno.”
“E assim, estabelecendo o PHTK, Michel Martelly, um neo-duvalierista, como presidente do Haiti com menos de 20% das pessoas votando, com o maior partido político do Haiti, Lavalas, não podendo participar, preparamos o terreno para o que vemos hoje”, sublinhou Jemina.
“Então, quando chegamos a Ariel Henry sendo imposto ao povo haitiano pelo Grupo Central, não tínhamos funcionários eleitos, porque sob Michel Martelly não tivemos muitas eleições, e então ele colocou seu protegido, Jovenel Moïse, que também era impopular e não disputou nenhuma eleição.” Então – ela acrescentou -, “na verdade, não temos eleições no Haiti desde 2016, quando Jovenel Moïse “foi selecionado para nós pelo Grupo Central”.
E assim, para entender o que está acontecendo no Haiti, temos que entender como o momento original do golpe de Estado de 2004 nos levou à destruição completa do Estado haitiano. E se não fizermos isso, não entenderemos esses surtos atuais, em que as pessoas estão dizendo que querem sua democracia de volta e dizendo que quaisquer negociações que estejam acontecendo fora do Haiti não têm nada a ver com elas porque não as incluíram”.
Fonte: Papiro