Sede da UNRWA em Khan Yunis, Gaza sob ataque israelense em 24 de janeiro | Vídeo

O chefe da agência das Nações Unidas para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) denunciou à Assembleia Geral da ONU que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seus cúmplices estão intencionalmente tentando destruir o órgão de ajuda humanitária crítico enquanto a fome em massa grassa na Faixa de Gaza.

“A UNRWA está enfrentando uma campanha deliberada e orquestrada para minar suas operações e, em última análise, encerrá-las”, disse Philippe Lazzarini, comissário-geral da agência.

“Parte dessa campanha envolve inundar os doadores com desinformação destinada a fomentar a desconfiança e manchar a reputação da agência. Mais flagrante é o primeiro-ministro israelense afirmar abertamente que a UNRWA não fará parte da Gaza do pós-guerra.”

A UNRWA foi criada em 1949 por decisão da Assembleia Geral da ONU, em resposta à Nakba de 1948, em que multidões de palestinos foram tangidas para fora de seus lares por milícias pró-Israel, e desde então presta assistência humanitária em Gaza, na Cisjordânia e onde haja campos de refugiados palestinos que no Oriente Médio.

Naquela época, a população refugiada era de cerca de 750 mil. Hoje, quatro gerações depois, cerca de 5,9 milhões de refugiados palestinos são elegíveis para os serviços da UNRWA em toda a região. A agência da ONU emprega 13.000 pessoas no enclave, administrando escolas, clínicas de saúde e outros serviços sociais, além de distribuir ajuda humanitária e, no conjunto do Oriente Médio, 30.000.

Desmantelar a UNRWA, advertiu Lazzarini, “é uma visão míope”. “Ao fazer isso, sacrificaremos uma geração inteira de crianças, plantando as sementes do ódio, do ressentimento e de futuros conflitos.”

Ele acrescentou que a implementação deste plano “já está em andamento com a destruição de nossa infraestrutura em toda a Faixa de Gaza”.

“Tentativas de expulsar a UNRWA de sua sede em Jerusalém Oriental e de um centro de treinamento vocacional próximo para jovens refugiados palestinos estão em andamento. Projeto de lei no Knesset israelense busca proibir totalmente qualquer atividade da UNRWA em território israelense.”

Desde 7 de outubro, as forças coloniais israelenses mataram mais de 150 funcionários da agência durante sua guerra em Gaza e bombardearam instalações da UNRWA, inclusive escolas, 332 vezes.

O regime Netanyahu acusou um pequeno número de funcionários do órgão [12 em 30.000] de participar do ataque liderado pelo Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro, que ocorreu no contexto de 57 anos de “ocupação sufocante” e de Gaza ser vista no mundo inteiro como “a maior prisão a céu aberto” do mundo.

Imediatamente os EUA e mais 15 países – sem que Israel haja apresentado qualquer evidência das acusações – correram a cortar a ajuda à UNRWA, colocando sob risco de colapso total suas operações em Gaza e em todo o Oriente Médio.

Isso no dia seguinte à decisão da Corte Internacional de Justiça da ONU de prosseguir com a investigação sobre Israel, por genocídio e incitação ao genocídio, solicitada pela África do Sul.

Ainda mais grave, o corte do financiamento, que é a linha vital para a sobrevivência de milhões de descendentes de palestinos deportados sob armas em 1948, foi perpetrado por Washington, Londres, Paris e Berlim no momento em que a ONU advertia sobre a fome iminente em Gaza, sob um cerco que, conforme comentário do presidente Putin, lembrava o dos nazistas sobre Leningrado, vivido por seus pais.

Para a Anistia Internacional e personalidades como chanceler russo, Sergei Lavrov, o corte da ajuda à agência da ONU nesse quadro de catástrofe humanitária e fome, configura uma “punição coletiva” aos palestinos, proibida pela lei internacional.

“Correr para congelar fundos para ajuda humanitária, com base em alegações que ainda estão sendo investigadas, enquanto se recusa a sequer considerar suspender o apoio aos militares israelenses é um exemplo gritante de dois pesos e duas medidas”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia e ex-relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais.

O Relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Michael Fakhri, em condenação à asfixia da UNRWA, disse “os países que retiraram essa tábua de salvação são, sem dúvida, cúmplices da fome dos palestinos.”

Antes do discurso de Lazzarini, uma coalizão de organizações humanitárias defendeu a UNRWA, chamando de “heróico” o trabalho dos 13.000 funcionários da agência, em meio à crise. “O fornecimento de abrigo, alimentos e serviços básicos vitais da UNRWA, como saneamento, bem como o uso de infraestrutura por outras organizações de ajuda, é insubstituível.”

Houve alguns recuos na adesão à punição coletiva: o Canadá anunciou que voltará a prestar financiamento à agência.

Noruega, Brasil, Bélgica, Espanha e outros países tiveram o comportamento muito digno de rechaçarem as pressões e manterem o financiamento à assistência humanitária aos palestinos.

“DESPROPORCIONAL E PERIGOSO”

Até mesmo Josep Borrell, o alto comissário europeu para relações externas e segurança, mais conhecido por dizer que a Europa “é um jardim” [e o Sul Global, a “selva”], classificou o corte de financiamento à agência da ONU como “desproporcional e perigoso”.

Ele observou que “se alguns médicos de um hospital europeu estivessem envolvidos em atividades criminosas, haveria uma investigação completa e todas as medidas apropriadas seriam tomadas”. No entanto, sublinhou, “nenhum governo deixaria de financiar o serviço de saúde, pois isso puniria principalmente as pessoas que recebem esses serviços”.

Ele alertou ainda que “o fim da UNRWA também seria um sério risco para a estabilidade regional”, já que a agência presta serviços a refugiados palestinos em todo o Oriente Médio, não apenas em Gaza.

Para o chanceler Israel Katz, que repete as ameaças de Netanyahu, a agência da ONU de “perpetua a questão palestina e obstroi a paz”, além de ser “fachada do Hamas”, asseverando que “não fará parte do dia seguinte” à guerra em Gaza.

TRAMOIAS CONTRA A UNWRA NÃO PARAM

No mês passado, o Senado dos EUA aprovou uma legislação que proibiria qualquer financiamento dos EUA para a UNRWA. Na segunda-feira, as hordas autodenominadas Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmaram – novamente, sem fornecer provas – que 450 dos 30.000 funcionários da UNRWA são “agentes militares em grupos terroristas em Gaza”.

Lazzarini observou na segunda-feira que demitiu rapidamente funcionários da agência acusados de desempenhar um papel no ataque de 7 de outubro e que uma investigação independente sobre as acusações de Israel foi lançada pelo Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU.

Anteriormente ele já explicara que os nomes de todos os funcionários da UNRWA são informados a Israel e checados, não tendo havido contestação a qualquer nome.

“Apesar dessas ações rápidas e decisivas, e da natureza infundada das alegações, 16 países pausaram seu financiamento, totalizando US$ 450 milhões”, disse Lazzarini, agradecendo aos países que mantiveram ou aumentaram seu financiamento, já que a agência enfrentava uma ameaça potencialmente existencial. A União Europeia também concordou em restabelecer parcialmente o financiamento.

“Graças a eles, a agência, que é a espinha dorsal da assistência humanitária em Gaza, pode continuar operando e continua sendo uma tábua de salvação para os refugiados palestinos em toda a região”, disse ele. “Mas por quanto tempo? É difícil dizer. Estamos funcionando corpo a corpo. Sem financiamento adicional, estaremos em território desconhecido – com sérias implicações para a paz e a segurança globais.”

CATÁSTROFE HUMANITÁRIA

Lazzarini disse ainda que as condições no terreno em Gaza são “impossíveis de descrever adequadamente”, enquanto Israel continua sua campanha de bombardeios e bloqueio, que impediram que a ajuda extremamente necessária chegasse a grandes áreas do território.

“Os médicos estão amputando os membros de crianças feridas sem anestesia. A fome está em toda parte. Uma fome causada pelo homem está se aproximando”, disse Lazzarini. “Os bebês, com apenas alguns meses de vida, estão morrendo de desnutrição e desidratação. Estremeço ao pensar no que ainda será revelado sobre os horrores que aconteceram nesta estreita faixa de terra.”

Na semana passada, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch denunciaram que, desde o veredicto da Corte Internacional de Justiça da ONU para prosseguir com a investigação sobre genocídio em Gaza, Israel reduziu em um terço o total de caminhões da ajuda humanitária que entram diariamente no enclave.

Fonte: Papiro