Manifestação na Alemanha contra envio de armas ao regime de Kiev | Foto: Vídeo CGTN

Na última sexta-feira, a divulgação pela editora-chefe da RT, Margarita Simonyan, de uma gravação de áudio e sua transcrição de uma conversa ao nível do mais alto escalão do exército alemão, em que foram discutidos planos para entregar mísseis de cruzeiro de longo alcance Taurus à Ucrânia, inclusive prevendo um ataque à Ponte da Crimeia, caiu como uma bomba em Berlim – ainda mais, tendo ocorrido dias após o presidente francês Macron aventar o envio de tropas à Ucrânia.

Falando a repórteres na segunda-feira, Peskov enfatizou que as autoridades alemãs discutiram “de fato” os ataques à Ponte da Crimeia, observando que Moscou já havia convocado o embaixador alemão na Rússia, Alexander Graf Lambsdorff, para apresentar um protesto.

O áudio, continuou o porta-voz, sublinha que “os planos para lançar ataques em território russo estão a ser substantiva e especificamente discutidos dentro da Bundeswehr [exército alemão]”, acrescentando que não há dúvidas sobre o significado desta revelação.

Ele afirmou que a Rússia está ansiosa para saber os resultados da investigação sobre o caso anunciada pelo primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz.

Peskov acrescentou que a Rússia está muito curiosa para saber se essas discussões ocorreram por conta própria da Bundeswehr, o que poderia levantar a questão de se o governo alemão está realmente no controle de seus militares.

Outra possibilidade, segundo o porta-voz russo, seria que a discussão estivesse alinhada com a política externa da Alemanha.

“As duas possibilidades são muito ruins. Ambas confirmam mais uma vez o envolvimento direto do chamado Ocidente coletivo no conflito em torno da Ucrânia”.

10 A 20 MÍSSEIS

A gravação, já amplamente reproduzida, foi realizada em 19 de fevereiro, reunindo dois generais da Luftwaffe, (Ingo Gehartz e Frank Grafe) e mais dois tenentes-coronéis, encarregados de preparar, para Pistorius, suas recomendações sobre a entrega, assistência e uso dos mísseis Taurus, de 500 km de alcance. Um dos participantes estava em Singapura e os quatro teriam se comunicado via uma plataforma WebEx vulnerável.

E nada é mais impactante na gravação do que o momento em que um militar alemão fala abertamente que “gostaria de dizer mais uma coisa sobre a destruição da ponte (sic)” – é da Ponte da Crimeia que ele está falando.

“Temos lidado intensamente com essa questão”, ele acrescenta, e, infelizmente, “chegamos à conclusão de que a ponte é como um aeródromo devido ao seu tamanho”. “Então talvez sejam necessários dez ou até 20 mísseis”.

Os militares alemães também discutiram como Berlim poderia negar “plausivelmente” seu envolvimento quando do ataque à ponte.

Eles também discutem sobre o treinamento dos ucranianos no manuseio do Taurus, que consideram que exigiria muito e seria e demorado: há a proposta de que “pelo menos o primeiro apoio à missão [o ataque ucraniano] seja fornecido por nós, já que o planejamento é muito complexo”.

Gräfe, que é chefe de operações e exercícios da Luftwaffe, acrescenta que “estamos trabalhando com o fabricante dos mísseis: eles treinam a manutenção desses sistemas, e nós treinamos a aplicação tática”, sendo necessários “de três a quatro meses para isso”, o que pode ser realizado na Alemanha.

Quanto à quantidade de mísseis Taurus que seriam fornecidos ao regime de Kiev, Gerhartz fala em “50 na primeira leva” e depois possivelmente “mais 50”.

ÁUDIO FALA POR SI

A editora-chefe da RT Simonyan disse que o áudio fala por si. Ela destacou que, no mesmo dia em que Scholz prometeu que a Otan não estava participando e não participaria do conflito ucraniano, oficiais alemães de alto escalão estavam discutindo a possibilidade de atacar a Ponte da Crimeia de uma forma que não trouxesse consequências para a Alemanha.

O Ministério da Defesa alemão confirmou que a conversa foi de fato interceptada, enquanto o ministro Boris Pistorius tentou apresentar o que vazou, não como uma nova tentativa de destruir uma das principais pontes da Rússia, agora com mísseis de procedência alemã e sob supervisão de Berlim, mas tão somente “diferentes cenários”, “não planos”, ele alegou.

Ele remendou que a discussão “não significou e não significa luz verde para o uso de mísseis Taurus”.

Cinicamente, Pistorius ainda acusou a Rússia – que seria a vítima do ataque pensado em detalhes – de “um ataque híbrido de desinformação”, visando dividir, “minar nossa [da Otan] unidade”.

Ao que se sabe, até aqui o primeiro-ministro Olaf Scholz vem se colocando contra meter os pés pelas mãos na Ucrânia, fornecendo – e na prática operando – o mais moderno míssil alemão, e exatamente contra a Rússia, herdeira da União Soviética.

AUTOEXPOSIÇÃO FLAGRANTE

No sábado, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, falou a jornalistas sobre os “planos astutos da Bundeswehr”, que se tornaram aparentes devido à publicação da gravação. “Esta é uma autoexposição flagrante”.

Para a ex-ministra das Relações Exteriores austríaca, Karin Kneissl, a recém divulgada conversa entre oficiais da Lufwaffe sobre o ataque à Ponte da Crimeia “indica seu difícil estado mental”

Ela lembrou que um dos oficiais disse que “a ponte é do tamanho de um aeródromo e seriam necessários de 10 a 15 mísseis para destruí-la”.

“Estamos falando de uma ponte civil, sobre a qual os civis passam em seus carros, e os oficiais falaram como se fosse um ‘alvo militar legítimo’”, enfatizou Kneissl.

Ela salientou que os oficiais alemães deveriam ter aprendido “pelo menos as leis básicas da guerra e o direito humanitário internacional”, mas esta conversa revelou a sua falta de conhecimentos relevantes.

Um jornal alemão, citando o deputado democrata-cristão Roderich Kiesewetter, asseverou que “a conversa foi vazada deliberadamente pela Rússia neste momento com uma intenção específica – a fim de impedir a entrega do Taurus”.

Para o Wall Street Journal, o vazamento torna a entrega de mísseis Taurus à Ucrânia ainda menos provável, observando que Scholz já relutava em aprovar o envio por temer uma escalada.

38 MINUTOS MACABROS

Na gravação de 38 minutos, Gerhartz assevera que Pistorius queria “se aprofundar muito no Taurus” e não deixa dúvidas de que ele mesmo apoia a implantação e o uso do sistema de armas. Toda a discussão sobre o Taurus continua surgindo, ele reclama, “porque ninguém sabe realmente por que o primeiro-ministro está bloqueando”.

Sem medir as palavras, os quatro se debruçam sobre como escalar ainda mais a guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia, aventam ataques a depósitos de munição russos atrás da frente e, particularmente, se detêm sobre como destruir a Ponte da Crimeia.

Gerhartz adverte que os políticos podem estar preocupados com a comunicação direta e fechada de Buchel [uma base aérea alemã] com a Ucrânia, o que poderia ser considerado um “envolvimento direto”.

Mas ele própria aponta uma ‘solução’: dizer que a troca de informações ocorrerá por meio da fabricante do míssil (MBDA) e que enviaremos para lá “um ou dois dos nossos especialistas”.

“Claro que isso é um truque (sic), mas do ponto de vista político provavelmente parece diferente. Se a troca de informações ocorrerá por meio da MBDA, ela não está relacionada a nós”.

Nesse ponto outro oficial, Fenske, alerta que “se estivermos falando de informações sobre alvos, que idealmente incluem imagens de satélite com precisão máxima de até três metros, teremos que processá-las primeiro em Buchel. Acho que, independentemente disso, podemos organizar de alguma forma a troca de informações entre Buchel e Schrobenhausen [MBDA] ou podemos pensar na possibilidade de transferir informações para a Polônia, fazendo isso onde pudermos chegar de carro”.

A ideia de levar os dados dos alvos por carro acaba sendo abandonada como “impraticável”.

Gräfe diz que os primeiros mísseis Taurus devem ser “rapidamente montados, reequipados e entregues” a Kiev. “Mas depois disso precisamos fazer alguns ajustes, um pouco de reequipamento, a remoção das marcas de identificação alemãs e assim por diante. No entanto, não devemos esperar até que sejam acumuladas 20 unidades, podemos entregar cinco de cada vez”.

Outra questão por resolver é a dos suportes para o Taurus nos F-16 ou nos Sukhoi. “Talvez tenhamos que recorrer aos britânicos para essas questões para usar seu know-how, de como instalaram os Storm Shadow”.

“Talvez eles se envolvam em gerenciar os mísseis primeiro, enquanto treinamos as equipes para que não leve tanto tempo. E há algumas outras questões, se podemos fornecer a eles bancos de dados, imagens de satélite e estações de planejamento. Além do fornecimento dos próprios mísseis, que já temos, todo o resto pode ser fornecido pela indústria ou pela [empresa de análise e engenharia alemã] IABG”, ele acrescenta.

“Também sabemos que há muitas pessoas com sotaque americano andando por aí com roupas civis. Você pode dizer que, então, eles são relativamente rápidos para fazer isso sozinhos, porque todos eles têm as imagens de satélite”, comenta Gerhartz, dizendo que é preciso determinar se os ucranianos vão mesmo ficar de fato dependentes de dados diretos da Alemanha devido ao apoio já existente da Otan no terreno.

Fonte: Papiro