Dois anos depois, avanço russo expõe exaustão militar ucraniana
A queda de Avdiivka, na região de Donetsk, para as forças russas representa uma das maiores vitórias de Moscou desde a fracassada contra-ofensiva ucraniana no ano anterior. Esta conquista de sábado (17) é vista como um marco significativo desde a captura da cidade de Bakhmut, em maio de 2023, e ocorre quase dois anos após o início da guerra, quando Putin ordenou a invasão da Ucrânia em larga escala.
Analistas de todo o mundo já admitem que este pode ser o primeiro passo de uma série de implicações geopolíticas favoráveis à Rússia. A dominância russa no leste da Ucrânia chega no momento em que Putin enfrenta as turbulências internas após a morte de seu opositor, Alexei Navalni. Com o apoio da população à guerra na Ucrânia permanecendo alto, Putin pode buscar capitalizar politicamente sobre essa conquista.
Os quatro meses de ataques incessantes deixaram as tropas ucranianas em uma posição precária, com poucos recursos e desarmadas. A recente retirada das unidades ucranianas de Avdiivka marca um ponto de virada significativo, evidenciando as fragilidades e desafios enfrentados pelas forças ucranianas diante de um inimigo, desde sempre, poderoso e implacável.
Avdiivka, agora uma ruína, está localizada a cerca de 15 km ao norte da capital homônima da província de Donetsk e era habitada por 32 mil pessoas antes do conflito. Sua tomada abre caminho para Putin tentar controlar a região de Donetsk, uma parte crucial do território histórico do Donbass. A cidade, considerada chave para o controle estratégico da área, representa um marco importante para os russos, que agora dominam cerca de 55% do território da região.
Em vermelho, os territórios ocupados por russos, em azul os retomados por Kiev e em amarelo as áreas ucranianas.
O poderio russo
A Rússia, por sua vez, entra no terceiro ano de guerra com uma quantidade sem precedentes de fundos governamentais. O Kremlin registrou um recorde de US$ 37 bilhões em vendas de petróleo bruto à Índia no ano passado, segundo uma análise recente.
Na tomada de Avdiivka pelos russos, as forças ucranianas se viram em menor número e enfrentando uma intensidade de ataques sem precedentes. A cidade, brevemente ocupada pela Rússia em 2014, agora se junta à lista de assentamentos ucranianos devastados pelo conflito.
Agora, o conflito evolui para uma guerra de desgaste, onde a disparidade de tamanho entre a Ucrânia e a Rússia começa a se refletir no campo de batalha. Com uma população mais de quatro vezes maior do que a da Ucrânia, a Rússia tem conseguido reabastecer suas tropas rapidamente, enquanto as forças ucranianas lutam para manter sua resistência.
A retirada estratégica de Avdiivka pode ser interpretada como uma mudança de postura por parte das autoridades ucranianas, que priorizam a preservação de recursos diante de uma adversidade cada vez maior. No entanto, os inúmeros relatos desesperados de soldados revelam mais uma fuga em massa, deixando centenas de feridos para trás, do que uma retirada coordenada em meio ao avanço das forças invasoras. O general Oleksandr Tarnavskii, responsável pela operação do lado ucraniano, admitiu que alguns soldados foram capturados durante a retirada, na sexta-feira (16), enquanto as tropas foram reagrupadas em uma linha secundária de defesa a oeste da cidade.
As implicações dessa retirada se reflete também na influência da política global no conflito, especialmente no que diz respeito ao fornecimento de armas e apoio ocidental à Ucrânia. A ajuda intermitente e a paralisação de um pacote significativo de ajuda por parte dos Estados Unidos têm impactado diretamente a capacidade das forças ucranianas de resistir. A oposição republicana na Câmara dos Estados Unidos bloqueia um pacote de ajuda militar crucial no valor de R$ 300 bilhões prometido por Joe Biden, que faz a Ucrânia enfrentar uma escassez crítica de munições.
A pressão sobre os países europeus também é crescente, especialmente à medida que a Alemanha se recusa a fornecer mísseis de cruzeiro de longo alcance, temendo uma escalada do conflito. A União Europeia está enfrentando dificuldades para cumprir suas promessas de fornecer um milhão de obuses de 155 milímetros até março.
As receitas federais da Rússia dispararam para um recorde de US$ 320 bilhões em 2023, uma indicação do desafio que as sanções representam, mas também da capacidade de Moscou de sustentar uma guerra prolongada. Enquanto o Kremlin busca maximizar os lucros do comércio de petróleo, a Ucrânia continua a lutar para garantir o apoio financeiro necessário para enfrentar a agressão russa.
Guerra por procuração dos EUA
Após dois anos, o cenário econômico internacional também conforma o cenário atual de avanço russo. O regime de sanções contra a Rússia se intensificou, tornou-se um ataque econômico e financeiro abrangente, que inclui o congelamento de ativos e reservas russas, bem como sua exclusão do sistema Swift. No entanto, isto não tem exercido qualquer efeito sobre a guerra.
Embora o conflito ucraniano tenha raízes locais e históricas, é impossível compreendê-lo plenamente sem considerar o componente da contenção da Rússia pelos Estados Unidos. No entanto, o período já revela que a administração Biden enfrenta dificuldades para comprometer-se com o financiamento direto da Ucrânia, após a contraofensiva de junho de 2023 não produzir os resultados esperados.
Nesse contexto, a Rússia emergiu como uma força dominante, mantendo superioridade no campo de batalha e frustrando os objetivos dos Estados Unidos de isolamento político e asfixia econômica e financeira de Moscou.
A Índia, um parceiro estratégico dos EUA, aumentou significativamente suas compras de petróleo russo, equilibrando as reduções nas compras russas causadas pelas sanções. Essas vendas, levantam preocupações sobre o uso de rotas marítimas complexas e transferências navio-a-navio para contornar as sanções ocidentais. Parte desse comércio pode envolver a chamada “frota sombra” de petroleiros, usada para disfarçar a origem e o destino final do petróleo.
Os EUA e seus aliados impuseram sanções contra navios e empresas suspeitas de ajudarem a transportar petróleo russo, em uma tentativa de conter a “frota sombra” da Rússia. No entanto, as complexidades do comércio global de petróleo, incluindo refinarias na Índia que processam petróleo russo e exportam produtos refinados para os EUA, tornam difícil a aplicação eficaz das sanções.
Exaustão ucraniana
Em meio ao inverno rigoroso, o moral das tropas ucranianas se desgasta diante das más notícias. a Exaustão só aumenta com a falta de perspectiva de um fim ao conflito. A nomeação do general Oleksander Sirski como novo comandante-em-chefe das Forças Armadas pelo presidente Volodimir Zelensky é uma nova tentativa de reanimar as forças dos soldados. No entanto, o custo humano da guerra continua a ser alto, com milhares de baixas entre as fileiras ucranianas.
Um recente relatório divulgado pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) aponta que a Rússia pode manter seu esforço de guerra na Ucrânia por mais dois ou três anos, mesmo com perdas consideráveis de equipamentos militares. O documento destaca que, apesar das baixas, o inventário ativo de armamentos russos tem se mantido estável devido à reativação de sistemas antigos, reforço da capacidade industrial e aquisição de novos equipamentos no exterior.
O relatório do IISS destaca que, apesar dos desafios, a Rússia demonstrou resiliência econômica ao aumentar os gastos militares para 2024 em mais de 60% em relação ao ano anterior.
A chegada dos caças F-16 e a necessidade de expandir a produção de drones são vistas como medidas essenciais para fortalecer as capacidades de defesa da Ucrânia. No entanto, a ajuda internacional, especialmente dos Estados Unidos e da Europa, é determinante e insuficiente para garantir que o país possa resistir ao poderio militar russo.
Os últimos meses foram marcados por uma série de contratempos para as forças ucranianas, incluindo a perda de cidades estratégicas para os russos. Nesta semana, a tensão atinge um novo patamar com a concentração de milhares de tropas russas na região de Zaporizhzhia, na frente sul do conflito, segundo informações de fontes tanto russas quanto ucranianas. Analistas estimam que uma força de até 50 mil soldados russos foi reunida na área, enquanto as forças de Vladimir Putin buscam ampliar sua vantagem na frente oriental, após a tomada de Avdiivka.
(por Cezar Xavier)