Quando Lênin partiu da Suíça para fazer história na Rússia em 1917
Por trás da Revolução de 1917, há uma série de outros fatos, muitos dos quais desconhecidos para a maioria das pessoas que, se não tivessem ocorrido, talvez o curso da história fosse outro. No ano do centenário da morte de Vladimir Ilyich Ulyanov, o Lênin, ocorrida em 21 de janeiro de 1924, vale a pena lembrar um desses marcantes acontecimentos.
Trata-se da viagem que o líder bolchevique e outros 31 revolucionários fizeram, em abril daquele mesmo ano, de Zurique, na Suíça — onde estavam exilados — em direção à fronteira alemã, tendo como destino final a Rússia. Meses depois, em outubro, ocorreria a histórica Revolução Russa.
A épica viagem inspirou diversas obras, como os livros “Lênin no Comboio”, de Catherine Merridale e “O Trem Selado”, de Robert Service, e o filme “O Trem de Lenin”, de Damiano Damiani.
Também tem inspirado estudos, artigos e reportagens que resgatam a história para o público de hoje. Uma delas, publicada pela BBC Brasil e assinada por Pablo Esparza, reconta essa aventura repleta de ideias inusitadas e articulações políticas fundamentais para que a travessia pudesse ser feita em meio à Primeira Guerra Mundial.
Já na partida, na plataforma de Zurique, “as vozes que cantavam a Internacional e os gritos de animação se misturavam com acusações de traição contra o líder bolchevique e seus companheiros por terem concordado em cruzar a Alemanha, que a Rússia enfrentava no conflito mundial”, conta a reportagem.
A questão é que naquele momento, segundo explicou à BBC Mundo o professor de história da Universidade de Valladolid, Ricardo Martín, “a Alemanha estava empenhada em fazer a Rússia sair da guerra, e Lênin era um dos principais porta-vozes daqueles que queriam encerrar a participação russa na guerra. Foi por ordem do próprio kaiser que chegaram as permissões para sua saída”.
Para garantir a segurança da travessia, foi colocada em prática a ideia do “trem selado”, que consistia num “vagão com um status de extraterritorialidade semelhante ao de uma embaixada estrangeira em que os exilados poderiam viajar pelo território inimigo sem contato com os alemães”. Segundo relatado, as portas eram literalmente seladas, de maneira que os passageiros só poderiam sair no final do trajeto.
Ao chegar a Berlim, algo até hoje considerado misterioso por historiadores teria acontecido. “A teoria marxista mais difundida entendia que países economicamente atrasados como a Rússia deveriam passar por um período de capitalismo ao estilo ocidental antes de entrar no socialismo. Mas na sua chegada a São Petersburgo, o líder bolchevique defendeu uma estratégia revolucionária que omitiu esse passo intermediário”.
De acordo com a reportagem, “nenhum historiador — soviético ou ocidental — foi capaz de dar uma explicação adequada sobre isso até hoje”, disse, à BBC, Robert Service.
Após várias paradas, finalmente Lenin chegaria a São Petesburgo. A notícia, lembra a reportagem, “correu como pólvora e as autoridades locais prepararam uma grande recepção. Milhares de pessoas com cartazes e símbolos revolucionários esperavam os exilados. Era noite e muitos carregavam lanternas e tochas. A imagem da chegada se tornaria um dos ícones da Revolução Russa e da arte soviética”.
Pouco depois, Lenin escreveu as Teses de Abril, espécie de roteiro para a Revolução de Outubro. Com essas teses, “ele rompe de alguma forma com outros líderes bolcheviques que não estavam de acordo com essa estratégia: assinatura imediata da paz, processo de coletivização, não colaboração, até mesmo luta, com o governo provisório e o famoso ‘todo o poder para os sovietes’”, explicou o professor Martin.
(PL)