VAULT 7, pacote de espionagem digital da CIA, foi revelado por Schulte | Foto: Wikileaks

O ex-funcionário da CIA Joshua Schulte foi condenado a 40 anos de prisão na quinta-feira passada, acusado de ser quem vazou os “Vault 7”, os documentos da CIA expostos em 2017 pelo WikILeaks ao mundo, que permitiram revelar a que ponto a central imperial de malfeitos havia levado a hackeagem e a sabotagem digital.

Condenado em 2022 por “espionagem e violação da segurança nacional”, Schulte, de 35 anos, teve seu primeiro julgamento invalidado em 2020. Ele mantém que é inocente, e analistas consideram que ele foi escolhido para ser um bode expiatório. 

Na audiência de sentença, os promotores argumentaram que Schulte deveria ser sentenciado à prisão perpétua, com base em disposições de “aprimoramento do terrorismo”.

Schulte já cumpriu mais de cinco anos em condições de barbárie, sob isolamento quase total em solitária e privação sensorial.

TORTURA

De acordo com a Inner City Press, na audiência de sentença Schulte disse que o governo federal dos EUA “me tortura com ruído branco 24 horas por dia, 7 dias por semana e confinamento solitário. A janela está escurecida. Quando me dão acesso à biblioteca de direito, tenho que urinar e defecar no chão. Fico lá por 9 horas.”

Ele acrescentou: “Fui trancado em minha gaiola de tortura com excrementos de roedores. O gelo se acumula perto da janela. Eu lavo minhas roupas no meu banheiro. Sou obrigado a comer com as próprias mãos como um animal. Eles olham para você como se você não fosse humano.”

CIA, A MAIOR FONTE DE MALWARE DO PLANETA

O “Vault 7” mostrou que a CIA era a maior fornecedora de malware do mundo, tendo desenvolvido vírus e ferramentas de hacking direcionados a praticamente todos os sistemas operacionais.

Também criou programas que permitiam hackear, para fins de espionagem, televisores inteligentes e outros dispositivos domésticos.

Ao invadir diretamente smartphones, a CIA tinha capacidade de bisbilhotar mensagens criptografadas.

Outro projeto visava assumir remotamente o controle dos sistemas de computador que rodam carros de modelos mais novos – sabotagem cujo único propósito plausível é causar acidentes.

Por último, mas não menos importante, a CIA desenvolveu capacidades para forjar “evidências” digitais para atribuir suas próprias operações a adversários e, assim, culpar outros países por ataques cibernéticos que ela própria comete.

Ou seja, tudo o que Washington vive acusando a Rússia, a China e outros países de fazer, é a CIA que faz, de forma muito mais extensa.

Registre-se que, desde as denúncias trazidas à luz por Edward Snowden sobre a NSA, se sabe a assombrosa extensão dos crimes e guerra cibernéticos perpetrados por Washington.

Ao divulgar ao mundo o Vault 7, o WikiLeaks assinalou que “a fonte detalha questões políticas que diz que precisam urgentemente ser debatidas em público, incluindo se as capacidades de hacking da CIA excedem seus poderes obrigatórios e o problema da supervisão pública da agência. A fonte deseja iniciar um debate público sobre a segurança, criação, uso, proliferação e controle democrático de armas cibernéticas.”

BODE EXPIATÓRIO

A divulgação do Vault 7, no governo Trump e com a CIA sob comando de Mike Pompeo, causou pasmo nas fileiras do establishment em Washington que, ensandecido, buscou encontrar um bode expiatório para a exposição das novas habilidades criminosas da CIA.

Schulte, visto com um ex-funcionário da CIA descontente e idiossincrático, quase de imediato foi identificado no rol dos suspeitos, depois que o WikiLeaks começou a publicar o material em março de 2017.

Pouco tempo depois, foi indiciado por posse de pornografia infantil, uma acusação que permite facilmente obter autorização judicial para captura de computadores, tablets e celulares, e fragiliza o acusado diante da sociedade.

Aqui há o paralelo da falsa acusação de estupro contra o editor do WikiLeaks, Julian Assange, usada para permitir sua perseguição macartista sob uma folha de parreira de “legalidade”.

Na avaliação dos analistas, a linha do tempo sugere fortemente que o FBI e o governo decidiram pela culpa de Schulte e trabalharam para trás a partir daí.

‘PEARL HARBOR DIGITAL’

Sob o governo Trump, o vazamento das novas capacidades da CIA na guerra digital foi apresentado por Washington como o equivalente digital de Pearl Harbor, um golpe sem precedentes na “segurança nacional”.

O WikiLeaks afirmou que o material que publicou sobre ferramentas de hacking da CIA estava circulando entre vários ex-funcionários do governo e contratados.

Um mês após o vazamento, em abril de 2017 Pompeo fez um discurso no qual denunciou Assange e a equipe do WikiLeaks como “demônios” e “inimigos” e declarou que eles seriam tratados como uma “agência de inteligência hostil não estatal”, sem a Primeira Emenda ou outros direitos democráticos.

YAHOO NEWS FLAGRA POMPEO

Uma investigação do Yahoo News de 2021 revelaria o que isso significava na prática. Com base nos comentários de mais de 30 autoridades norte-americanas, o portal confirmou que, em 2017, Pompeo, a CIA e outras figuras do governo Trump, incluindo o presidente, discutiram sequestrar Assange da embaixada do Equador em Londres, onde ele era um refugiado político, ou assassiná-lo.

Até que ponto a operação andou não se sabe, mas é fato que a empresa espanhola que fornecia segurança à embaixada e, portanto, em condição de espionar Assange, foi cooptada pela CIA.

Afinal, o caminho seguido por Trump foi fazer com que o governo fantoche do Equador retirasse de Assange a condição de refugiado e chamasse a polícia britânica para arrancá-lo da embaixada em Londres.

DELENDA ASSANGE

É aqui que o caso Schulte se cruza com a perseguição a Assange, que enfrenta acusações sob a lei de Espionagem dos EUA e 175 anos de cárcere, e cuja extradição depende apenas de uma última apelação, que ocorrerá nos dias 20 e 21 de janeiro.

Esse pedido de extradição feito por Trump e mantido por Biden não é abertamente relacionado à divulgação do Vault 7, mas das publicações, em 2010 e 2011, pelo WikiLeaks, dos arquivos da Guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, e das conspirações perpetradas pelo Departamento de Estado.

A condenação de Schulte serve, assim, como um recado direto a eventuais candidatos a exporem os crimes do imperialismo norte-americano, sobre o que os espera se puserem a nu os preparativos para a guerra de Washington, o genocídio em Gaza ou a repressão aos direitos democráticos.

É ainda, a sinalização – aí está a tortura que Schulte denunciou ao tribunal e foi ignorado – dos planos do governo Biden para Assange, sob ameaça iminente de extradição do Reino Unido para os EUA.

Fonte: Papiro