A agência da ONU é uma das principais fontes para a sobrevivência dos palestinos em Gaza | Foto: UNRWA

Pouco mais de 24 horas depois da decisão da Corte Internacional de Justiça da ONU de prosseguir com o processo contra Israel por genocídio e incitação ao genocídio, o governo Biden anunciou o corte do financiamento à agência para os refugiados palestinos (UNRWA), criada em 1949 pela Assembleia Geral da ONU após a Nakba (expulsão pelo terror de quase um milhão de palestino em 1948.

O pretexto para a abjeta retaliação é que, segundo o regime de Netanyahu, “12 (doze)” de 13 mil (treze mil) funcionários da agência em Gaza teriam, supostamente, algum vínculo com o ataque do Hamas de 7 de outubro, o que ainda não está comprovado. 

Isso foi feito quando a ONU já advertira que pelo menos um quarto da população de Gaza enfrentava uma “fome catastrófica”. O endosso de Washington ao genocídio, agora através do apoio à execução pela fome, foi prontamente seguido por Londres, Berlim, Roma e Camberra.

O caráter de punição coletiva aos dois milhões de palestinos de Gaza foi prontamente denunciado pela Relatora especial da ONU para a Palestina, Francesca Albanese: “um dia depois que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) concluiu que Israel está plausivelmente cometendo genocídio em Gaza, alguns Estados decidiram desfinanciar a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA), punindo coletivamente milhões de palestinos no momento mais crítico e, muito provavelmente, violando suas obrigações sob a Convenção sobre Genocídio”.

“CHOCANTE”, DIZ LAZZARINI

O chefe da agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA), Phillipe Lazzarini, se disse “chocado” com a decisão de Washington de cortar os recursos para a assistência aos 2,3 milhões de palestinos “quando a fome se alastra em Gaza”, com o enclave palestino devastado por quase quatro meses de bombardeios israelenses implacáveis, que mataram ou feriram 90 mil palestinos e expulsaram 90% das famílias de suas casas.

A agência, com seus 13.000 funcionários em Gaza, é a principal organização que ajuda a população de Gaza em meio ao desastre humanitário, ele reiterou. Mais de dois milhões dos 2,3 milhões de habitantes do enclave sitiado dependem da UNRWA para “pura sobrevivência”, disse Lazzarini, alertando que esta tábua de salvação pode “entrar em colapso a qualquer momento”.

Lazzarini pediu aos países que suspenderam seu financiamento que reconsiderem suas decisões antes que a UNRWA seja forçada a suspender sua resposta humanitária. “A vida das pessoas em Gaza depende desse apoio e a estabilidade regional também”, advertiu.

Na segunda-feira (29), a UNRWA afirmou que não será capaz de continuar as operações em Gaza e em toda a região após o final de fevereiro se o financiamento não for retomado.

Também denunciando a “punição coletiva”, o secretário-geral Antonio Guterres pediu aos países doadores que garantissem a continuidade das operações da UNRWA.

“As necessidades terríveis das populações desesperadas devem ser atendidas”, ele enfatizou, pedindo ainda que “os milhares de homens e mulheres que trabalham para a UNRWA, muitos em algumas das situações mais perigosas para os trabalhadores humanitários, não sejam penalizados”.

NORUEGA REPELE “PUNIÇÃO COLETIVA”

Noruega, Espanha e Irlanda anunciaram que continuarão contribuindo para o financiamento da UNRWA que, aliás, já funciona em condições extremamente apertadas em matéria de recursos, com as doações no ano passado mal cobrindo 40% das necessidades.

“Não podemos punir coletivamente todas as pessoas que são refugiadas ou deslocadas internamente, lembre-se que essas pessoas não escolheram uma vida como refugiado”, disse o ministro das Relações Exteriores norueguês, Espen Barth Eide. Ele acrescentou que iria trabalhar com a UNRWA para apurar as denúncias de Netanyahu.

20 organizações de ajuda humanitária do mundo inteiro, entre elas, a Oxfam, Save the Children e o Conselho Norueguês para Refugiados, manifestaram sua “indignação” com a decisão dos EUA e Reino Unido de cortar o financiamento à agência da ONU.

“A suspensão do financiamento pelos Estados doadores afetará a assistência que salva vidas para mais de dois milhões de civis, mais da metade dos quais são crianças, que dependem da ajuda da UNRWA em Gaza”, diz o manifesto.

“Instamos os Estados doadores a reafirmarem o apoio ao trabalho vital que a UNRWA e seus parceiros fazem para ajudar os palestinos a sobreviver a uma das piores catástrofes humanitárias de nossos tempos”, chamando a revogar o corte do financiamento.

A Organização pela Libertação da Palestina (OLP), pediu a imediata reversão do corte dos recursos para a assistência ao martirizado povo palestino de Gaza. “Neste momento particular e à luz da contínua agressão contra o povo palestino, precisamos do máximo apoio a esta organização internacional e não parar de apoia-la e assisti-la”.

“SENTENÇA DE MORTE”

Palestinos ouvidos pela agência de notícias Reuters chamaram o corte de recursos para a principal agência de ajuda da ONU em Gaza de “sentença de morte”.

“Esta decisão significa matar-nos, matar o ser humano. Esta é uma sentença de morte. Esta é a única coisa da qual vivemos, e você quer cortá-la?”, disse Suhaila Nofal, uma deslocada, implorando misericórdia “para Gaza e seu povo”.

Outro palestino, Mohammad Al Khabbaz, relatou à Reuters seu infortúnio. “Vejam como vivemos – debaixo da chuva e no meio do fogo. Os nossos filhos estão doentes e nós estamos deslocados. Não temos vida”, disse ele. “Não há segurança nas escolas. Estão todas sujas e não há água. Sem contar as pessoas que perdemos”. “O que resta para as pessoas se interromperem a ajuda? As pessoas morrerão”, acrescentou.

Para Chris Gunness, ex-porta-voz da UNRWA, há um “ataque político coordenado” à agência da ONU para refugiados palestinos. “Os israelenses disseram que não podem vencer a guerra em Gaza a menos que a UNRWA seja dissolvida. Então, que sinal mais claro você quer?”, disse ele à Al Jazeera.

DIVERSIONISMO

O caráter de provocação das alegações do desacreditado regime de Netanyahu sobre doze funcionários supostamente ligados ao Hamas vem sendo apontado por analistas, que lembram, ainda, que, nos ataques israelenses, mais de 150 funcionários da UNRWA foram mortos. Eles também destacam o “timing” das acusações, bem em cima da decisão da Corte de Haia.

Bastou uma alegação de Netanyahu, divulgada no The New York Times, e o endosso de Biden, cortando o financiamento à agência da ONU instaurada por causa do Nakba de 1948, para a mídia imperial esconder a palavrinha que não quer calar, genocídio, e só falar nos “infiltrados do Hamas”.

Além disso, notícias sobre “confissões” obtidas de presos palestinos só fazem trazer mais descrédito a esse tipo de acusação.

No sábado, o ministro das Relações Exteriores de Israel, e notório entusiasta da “Nakba de Gaza”, acusou a UNRWA de “perpetuar a questão palestina”. Na segunda-feira, ele exigiu a “demissão de Lazzarini”. No domingo, 12 ministros de Netanyahu e outros fanáticos se reuniram em uma “conferência” em prol da limpeza étnica em Gaza e reinstalação ali de 15 colônias estabelecidas pelas gangues de colonos fanáticos.

Como registrou Lazzarini, a ONU e suas agências têm mecanismos próprios de investigação e apuração. Aliás, de acordo com o direito internacional existe a presunção de inocência na investigação e não a medieval presunção de culpa.

O chefe da UNRWA enfatizou que a agência compartilha a lista de todos os seus funcionários com os países anfitriões todos os anos, incluindo Israel, e “nunca recebeu nenhuma preocupação com funcionários específicos”.

Ele considerou “imensamente irresponsável sancionar uma Agência e toda uma comunidade que ela atende por causa de alegações de atos criminosos contra alguns indivíduos, especialmente em um momento de guerra, deslocamento e crises políticas na região”.

“Enquanto isso, uma investigação da OIOS sobre as alegações hediondas estabelecerá os fatos. Além disso, tal como anunciei em 17 de Janeiro, uma revisão independente por peritos externos ajudará a UNRWA a reforçar o seu quadro para a estrita adesão de todo o pessoal aos princípios humanitários.” Sob as pressões desencadeadas contra a ONU, a UNRWA demitiu imediatamente os investigados.

“MUNDO HORRORIZADO”

Chris Doyle, diretor do Conselho para o Entendimento Árabe-Britânico, disse à Sky News que a decisão de vários países de cortar o financiamento para a UNRWA “com base em alegações não comprovadas”, foi “uma vergonha”. “O resto do mundo está olhando para isso – eles estão horrorizados francamente”, ele acrescentou.

 “Como os EUA reagiram a essas alegações contra a UNRWA? Suspendeu o financiamento. Como os EUA reagiram à decisão da Corte Internacional de Justiça de que há motivos plausíveis de que Israel está cometendo genocídio? Nada. Os EUA disseram que suspenderiam a venda de armas, as bombas maciças que foram usadas na Faixa de Gaza para destruir a infraestrutura civil, como parte do que poderia constituir genocídio? Nem um pouco. Continua? Sim.”

“[O secretário de Estado dos EUA] Antony Blinken levou cerca de três segundos para suspender a ajuda da UNRWA com base em meras alegações de que 12 funcionários [estavam] ligados ao ataque do Hamas, mas apesar das evidências concretas de que as Forças de Defesa de Israel massacraram indiscriminada e deliberadamente dezenas de milhares de palestinos – plausivelmente um genocídio, disse a CIJ – ZERO suspensão da ajuda militar de Israel”, denunciou Sarah Leah Whitson, diretora executiva da Democracy for the Arab World Now.

Fonte: Papiro