Crianças de famílias deslocadas pelas bombas de Israel aguardam comida na cidade de Rafah em Gaza | Foto: Reuters/Saleh Salem

No momento em que a ONU adverte que um quarto da população de Gaza já enfrenta uma “fome catastrófica”, o governo Biden anunciou no sábado (27) o corte de sua contribuição de US$ 332 milhões para a agência da ONU que presta assistência aos refugiados palestinos, a UNRWA, sob o pretexto de que “12 funcionários” da agência teriam participado do ataque do Hamas de 7 de outubro, de acordo com o governo genocida de Netanyahu.

A UNRWA tem 13 mil funcionários em Gaza e 136 foram mortos nos ataques israelenses às suas escolas e abrigos. Esta semana, uma organização humanitária, a Actionaid, advertiu sobre a gravidade da fome, revelando que famílias em desespero estão usando ração animal para improvisar farinha.

Reino Unido, Alemanha, Itália e França aderiram à mais recente manifestação de cumplicidade de Biden com o genocídio, que já lhe valeu, nas ruas dos EUA, a alcunha de “Genocide Joe”. Noruega e Irlanda anunciaram que manterão suas contribuições à UNRWA.

A Organização pela Libertação da Palestina (OLP) exortou os países que cortaram o dinheiro para a compra de alimentos, remédios, combustível e outras necessidades básicas e para a manutenção da própria UNRWA a reverterem imediatamente a medida.

PUNIÇÃO COLETIVA

A Relatora especial da ONU para a Palestina, Francesca Albanese, denunciou que “um dia depois que o Tribunal Penal Internacional (CIJ) concluiu que Israel está plausivelmente cometendo genocídio em Gaza, alguns Estados decidiram desfinanciar a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA), punindo coletivamente milhões de palestinos no momento mais crítico e, muito provavelmente, violando suas obrigações sob a Convenção sobre Genocídio”.

No mesmo sentido, o historiador e ex-embaixador britânico, Craig Murray, afirmou que cortar o financiamento da agência da ONU é semelhante a acelerar “o genocídio por punição coletiva, cortando a ajuda humanitária desesperadamente necessária”.

Chris Doyle, diretor do Conselho para o Entendimento Árabe-Britânico, disse à Sky News que a decisão de vários países de cortar o financiamento para a UNRWA “com base em alegações, não alegações comprovadas”, foi “uma vergonha”. “O resto do mundo está olhando para isso – eles estão horrorizados francamente”, ele acrescentou.

“Como os EUA reagiram a essas alegações contra a UNRWA? Suspendeu o financiamento. Como os EUA reagiram à decisão da Corte Internacional de Justiça de que há motivos plausíveis de que Israel está cometendo genocídio? Nada. Os EUA disseram que suspenderiam a venda de armas, as bombas maciças que foram usadas na Faixa de Gaza para destruir a infraestrutura civil, como parte do que poderia constituir genocídio? Nem um pouco. Continua? Sim.”

“EM TRÊS SEGUNDOS”

“[O secretário de Estado dos EUA] Antony Blinken levou cerca de três segundos para suspender a ajuda da UNRWA com base em meras alegações de que 12 funcionários [estavam] ligados ao ataque do Hamas, mas apesar das evidências concretas de que as Forças de Defesa de Israel massacraram indiscriminada e deliberadamente dezenas de milhares de palestinos – plausivelmente um genocídio, disse a CIJ – ZERO suspensão da ajuda militar de Israel”, denunciou Sarah Leah Whitson, diretora executiva da Democracy for the Arab World Now.

Analistas viram na decisão do governo Biden uma retaliação à decisão da Corte Internacional de Justiça da ONU que decidiu levar em frente o processo contra Israel, por genocídio e incitação ao genocídio em Gaza, apresentado pela África do Sul, nação que é símbolo da vitória sobre o apartheid e o racismo.

A decisão preliminar da Corte implica em que os Estados signatários têm a obrigação de tomar medidas para impedir o genocídio e a incitação ao genocídio em Gaza, sendo que Biden já enviou 10 mil toneladas de armas e bombas a Israel nos últimos quatro meses, por meio de uma ponte aérea operando dia e noite, que seguramente foi muito útil para matar e ferir quase 90 mil palestinos, a grande maioria, mulheres e crianças, expulsar de suas casas 90% da população de Gaza, e destruir escolas, hospitais, mesquitas, universidades e padarias.

RESPOSTA À NAKBA

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) foi criada em 1949, como uma resposta internacional ao deslocamento forçado da população palestina de seus lares, a Nakba, para imensos campos de refugiados.

Coordena a assistência humanitária, mantendo em Gaza 183 escolas, 22 clínicas médicas, sete centros para mulheres e abrigos. Além de Gaza, também atua em outros países da região em que há grandes contingentes de refugiados palestinos.

DIVERSIONISMO

O fato da acusação israelense – que não foi provada – contra a UNRWA ter sido apresentada em paralelo à decisão da Corte de Haia revela a intenção deliberada de desviar a discussão sobre o genocídio em curso em Gaza. A UNRWA anunciou na sexta-feira (26) a demissão dos 12 funcionários e a abertura de uma investigação.

26 mil palestinos mortos não são uma razão suficiente para o governo Biden e seus acólitos considerarem que têm de suspender o financiamento a Israel e a remessa de bombas e armas, mas uma acusação – não provada -, alegada por Israel, talvez arrancada sob tortura, como é prática comum, basta para apertar o nó do garrote vil com que o regime Netanyahu tenta avançar em sua proposta de uma “Nakba de Gaza” e aniquilar sob bombas, ou por fome, a população palestina.

“NÃO TOTALMENTE CLARO”, ADMITE NYT

O próprio The New York Times, ao promover com estardalhaço a questão dos “12 funcionários”, disse não estar “totalmente claro” quais são as alegações precisas de Israel, como os funcionários estavam supostamente envolvidos no ataque ao sul de Israel ou “que tipo de trabalho eles fizeram ou quão seniores eles eram” na UNRWA.

Como observou Doyle, do Conselho para o Entendimento Árabe-Britânico, “a Unrwa tem 13.000 funcionários trabalhando em 350 instalações em Gaza que atendem 1,7 milhão de refugiados palestinos. Atualmente está abrigando 1 milhão [de deslocados]”. Os 12 funcionários foram demitidos “com base em alegações”.

“Como se pode esperar que uma agência tão grande que opera em uma zona de guerra, em uma área sob ocupação israelense, policie 24 horas, sete dias por semana?”, ele acrescentou.

FIM DA UNWRA, CLAMA KATZ

O ministro das Relações Exteriores do regime Netanyahu, Israel Katz, disse no sábado que o governo israelense buscaria impedir a UNRWA de operar em Gaza após a guerra, acusando-a de “perpetuar a questão dos refugiados”. “Vamos trabalhar para angariar apoio bipartidário nos EUA, na União Europeia e em outras nações globalmente para esta política destinada a interromper as atividades da UNRWA em Gaza”, acrescentou o entusiasta da “Nakba de Gaza” em pleno século 21.

Fonte: Papiro