FE Brasil: Aliança eleitoreira ou programática? Desafios a serem enfrentados e superados
Resgate histórico
As mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, com a Emenda Constitucional 97/2017, marcaram uma inflexão no sistema político-eleitoral. Entre outros pontos, essa medida extinguiu as coligações proporcionais e instituiu a chamada cláusula de barreira progressiva, exigindo dos partidos um percentual mínimo de votos ou um número mínimo de eleitos para manter acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita.
Para o PCdoB, esse novo cenário trouxe enormes desafios. Em 2018, não alcançamos o percentual mínimo, o que colocou em risco nossa existência enquanto Partido legalizado e autônomo. A unificação com o PPL em 2019 foi decisiva para superar esse obstáculo, garantindo a manutenção da representação parlamentar e dos instrumentos de funcionamento partidário.
Outro marco foi a criação das federações partidárias em 2021, fruto de uma articulação na qual o PCdoB teve papel decisivo, inclusive com a histórica iniciativa de Haroldo Lima na elaboração da proposta, e com a atuação do Partido na derrubada do veto presidencial à proposta. Esse mecanismo os permitiu superar, de forma mais estável, as barreiras legais, ao mesmo tempo em que abriu novas possibilidades de reorganização do sistema partidário brasileiro.
Federações para além do período eleitoral
Desde então, temos defendido as federações como instrumento mais amplo do que uma simples aliança de ocasião. Elas podem e devem ser vistas como frentes políticas duradouras, articuladas em torno de programas comuns, capazes de reorganizar o sistema político brasileiro em bases mais sólidas e representativas. Movimentos sociais, candidaturas coletivas e novas formas de organização encontram nesse espaço uma oportunidade para se projetar.
A Federação não deve ser apenas uma aliança eleitoral, mas sim um espaço de elaboração, coordenação e implementação de estratégias políticas que apontem para a transformação estrutural do país, com foco no combate às desigualdades, na defesa da soberania nacional, na valorização do trabalho e na promoção de uma democracia participativa e inclusiva.
Nesse sentido, o papel do PCdoB é de grande relevância. O partido tem tradição de formulação programática, de inserção em movimentos sociais e de presença no debate público nacional. Contudo, para que essa contribuição seja ampliada dentro da Federação Brasil da Esperança, é imprescindível ousar mais nas estratégias partidárias, sobretudo no campo eleitoral. A manutenção das cadeiras parlamentares e da participação institucional atual é fundamental, mas não suficiente.
A experiência acumulada até aqui revela contradições. Se, por um lado, a Federação Brasil da Esperança foi decisiva para a vitória do atual governo e para conquistas eleitorais relevantes para o Partido, por outro, a política de concentração de candidaturas, embora tenha garantido uma base de representação, limita o crescimento orgânico do partido e reduz a capacidade de ampliar sua influência política dentro e fora da Federação. Essa limitação impacta também na possibilidade de o PCdoB contribuir de maneira mais robusta na definição dos rumos da FE Brasil.
É preciso, portanto, buscar um equilíbrio entre preservação das posições conquistadas e uma ação ousada, que permita ao partido apresentar candidaturas competitivas em diferentes Estados e Municípios, dialogar com setores sociais mais amplos e se enraizar de forma mais consistente em bases locais.
A ampliação da presença institucional do PCdoB, seja no Parlamento, seja nos espaços executivos e nas instâncias da sociedade civil, fortalece não apenas o partido em si, mas também a própria Federação, que ganha maior densidade política e social.
Ao diversificar sua representação e ampliar sua voz nos espaços de poder, o PCdoB se torna mais capaz de defender o projeto comum da Federação, disputar a hegemonia política com mais solidez e contribuir para a construção de um Brasil que avance na direção do desenvolvimento soberano, democrático e socialmente justo.
Assim, a combinação entre unidade federativa e ousadia partidária é chave. O PCdoB precisa investir em novas lideranças, apostar em candidaturas estratégicas, reforçar sua comunicação política e expandir seus laços com a sociedade. Somente dessa forma poderá ampliar sua influência interna na FE Brasil e contribuir de maneira mais decisiva para que a Federação se afirme como alternativa programática de longo prazo para o desenvolvimento do país.
O papel do PCdoB no fortalecimento da Federação
É justamente aqui que se coloca um dos maiores desafios: transformar a Federação Brasil da Esperança em um espaço de elaboração política comum, que vá além da lógica meramente eleitoral. Não basta somar votos para superar barreiras legais; é necessário construir bases programáticas partilhadas, formular propostas unitárias de governo e se apresentar à sociedade como um bloco político que tem rumo, estratégia e identidade.
Nesse processo, o PCdoB tem uma responsabilidade particular. Nossa história de coerência ideológica, de compromisso com a democracia e de ligação com os movimentos sociais nos coloca em posição de contribuir de forma decisiva para dar densidade e rumo à Federação. Mas, para que essa contribuição seja efetiva, precisamos ampliar nossa influência interna e externa, o que reforça a necessidade de ousadia nas estratégias eleitorais e políticas.
A manutenção das cadeiras atuais é vital, mas não podemos nos limitar a uma postura defensiva. Uma política de concentração excessiva de candidaturas, embora pragmática a curto prazo, restringe a possibilidade de crescimento partidário e a formação de novas lideranças. Essa lógica, se mantida, compromete o futuro do PCdoB e reduz a capacidade de intervenção do Partido dentro da Federação como projeto coletivo.
Portanto, é necessário encontrar um equilíbrio entre preservação e expansão: defender os mandatos já conquistados e, ao mesmo tempo, lançar novas candidaturas competitivas em diferentes Estados e Municípios, tanto majoritárias quanto proporcionais. Esse movimento, aliado à valorização das organizações de base, ao fortalecimento da militância e à construção de pontes com setores sociais mais amplos, permitirá ao PCdoB se firmar como um pilar de sustentação da Federação.
Além disso, a ação programática unificada deve ser prioridade. A Federação Brasil da Esperança precisa ser capaz de formular um Projeto Nacional de Desenvolvimento comum, baseado em soberania, democracia, justiça social, combate às desigualdades e sustentabilidade. Esse projeto, se assumido coletivamente, terá muito mais força política do que a soma de programas isolados de cada partido.
Conclusão
O futuro da Federação Brasil da Esperança depende de sua capacidade de se afirmar como um espaço de construção programática coletiva. Somente assim será possível oferecer ao povo brasileiro um Projeto Nacional de Desenvolvimento baseado na soberania, na justiça social, na democracia participativa e na sustentabilidade.
O PCdoB, por sua trajetória e experiência, tem condições de ser protagonista desse processo. Mas, para isso, é necessário ousar mais, ampliar nossa influência e superar os limites da política de mera concentração eleitoral. Ao mesmo tempo em que defendemos a Federação como instrumento indispensável à sobrevivência e ao fortalecimento do campo progressista, devemos trabalhar para que ela se consolide como alternativa estratégica de longo prazo.
Trata-se, portanto, de uma reflexão que exige coragem e ação prática: transformar a Federação em projeto, e não apenas em arranjo.
*Médico cardiologista; Presidente Municipal PCdoB Gravataí/RS; Secretario Municipal de Organização PCdoB Gravataí/RS.