Bateria nuclear chinesa é menor que uma moeda | Foto: Reprodução

Uma empresa chinesa, a Betavolt Technology, anunciou a criação de uma “bateria atômica”, menor do que uma moeda, capaz de gerar 100 microwatts e uma voltagem de 3 V, em fase de testes, para uso em dispositivos comerciais, como celulares, computadores e drones, e que terá uma vida útil de 50 anos.

O produto, denominado pela Betavolt de BV100, tem a forma de um pequeno retângulo, medindo 15 x 15 x 5 mm, o que é menor que uma moeda convencional.

Por ter uma estrutura modular, é possível ampliar a potência fornecida. Até 2025, a proposta é aumentar a energia fornecida por cada módulo para 1 watt.

A “bateria atômica” gera energia através do chamado decaimento β, em que um nêutron do núcleo instável de um isótopo radioativo se decompõe em um próton (que continua no núcleo) e libera um elétron (e um neutrino), o que nessa transmutação para um núcleo estável propicia a energia.

Quando um átomo emite uma partícula beta, ele se transforma em um novo elemento com o mesmo número de massa (porque o nêutron que havia antes foi “substituído” pelo próton), mas o seu número atômico (Z = prótons no núcleo) aumenta uma unidade, enquanto o número de massa se mantém. Num núcleo estável, o nêutron não decai.

O isótopo instável usado no BV100 é o níquel-63 (de número atômico Z=28 e massa atômica 63) que se transmuta em cobre estável, com número atômico Z=29, indicando que passou a ter mais um próton no núcleo. A pequena diminuição da massa atômica no decaimento é novamente a fonte de energia cinética das partículas emitidas.

O desenvolvimento agora obtido pela Betavolt permite que a bateria opere de forma estável entre -60 e 120º C. A estrutura da bateria é feita por camadas de níquel-63, que têm espessura de 2 mícrons, e do material semicondutor, com espessura de 10 mícrons, para transformar a energia atômica em corrente elétrica.

A garantia de funcionamento por 50 anos decorre de que a meia-vida [tempo que leva para reduzir à metade a quantidade inicial de núcleos instáveis de um elemento radioativo] do níquel-63 é de 100 anos, o que garante a essa matéria-prima uma atividade de intensidade suficiente durante os 50 primeiros anos de sua utilização.

As partículas beta de baixa energia – elétrons e, possivelmente, neutrinos – emitidas pelo elemento radioativo ionizam os átomos do semicondutor, criando o mesmo desequilíbrio de cargas visto nas baterias químicas. Na presença do campo estático de uma estrutura p-n (positivo-negativo), a mesma estrutura semicondutora usada para fazer diodos e transistores – as cargas fluem numa mesma direção, resultando em uma corrente elétrica.

A Betavolt assevera que a tecnologia é segura em termos de saúde, o que terá que ser demonstrado formalmente para a produção em massa. O que é previsível, dado a dosagem muito baixa do isótopo radioativo utilizado.

O dispositivo é ainda mais importante, dada a transição energética devido à crise climática, em que a utilização da energia elétrica é primordial. Uma vantagem sobre as baterias de lítio é que a “bateria atômica” não se degrada em termos de capacidade e vida útil ao longo dos ciclos de carregamento. A outra é eliminar o uso de carregadores.

RUSSOS

Em 2018 – até virou questão de vestibular no ano seguinte – uma equipe de pesquisa russa havia proposto um dispositivo de geração de energia baseado nesse princípio e fazendo uso de semicondutor de diamante, e trabalhos nesse sentido vinham sendo feitos em muitos laboratórios do mundo, mas foi a equipe russa que saiu na frente em termos de eficiência energética.

O protótipo russo também usava o níquel-63 como fonte de radiação e diodos de barreira Schottky feitos de diamante para a conversão de energia. Tinha 200 conversores de diamante intercalados com camadas de níquel-63 e camadas de isótopos estáveis de níquel.

A quantidade de energia gerada depende da espessura da folha de níquel e do próprio conversor, porque ambos afetam quantas partículas beta são absorvidas. O protótipo russo alcançou uma potência de saída de cerca de 1 microwatt, enquanto a densidade de potência por centímetro cúbico foi de 10 microwatts, o que é suficiente para alimentar um marca-passo artificial. Tensão de circuito aberto de 1,02 volt. Potência máxima de saída de 0,93 microwatt, fornecida a 0,92 volt.

O que correspondia a 3.300 miliwatts-hora por grama, o que é dez vezes mais do que as pilhas e baterias químicas disponíveis comercialmente.

“Os resultados até agora já são bastante notáveis e podem ser aplicados na medicina e na tecnologia espacial, mas estamos planejando fazer mais. Nos últimos anos, nosso instituto teve bastante sucesso na síntese de diamantes dopados de alta qualidade, particularmente aqueles com condutividade do tipo n [negativo]. Isso nos permitirá fazer a transição das barreiras Schottky para estruturas p-i-n [positivo-intrínseco-negativo] e, assim, alcançar uma potência da bateria três vezes maior,” disse o professor Vladimir Blank, coordenador da equipe.

O uso de diamante nos semicondutores também é uma enorme vantagem quando se trata de uso no espaço sideral, já é um dos mais resistentes à radiação e aos rigores de temperatura.

BATERIAS QUÍMICAS

As baterias químicas comuns, como as pilhas e as baterias de lítio dos celulares, também conhecidas como células galvânicas, usam a energia das reações químicas de redução-oxidação, ou redox. Nessas reações, os elétrons são transferidos de um eletrodo para outro através de um eletrólito, dando origem a uma diferença de potencial entre os eletrodos.

Essas baterias químicas são caracterizadas por uma alta densidade de potência – a relação entre a potência da corrente gerada e o volume da bateria. No entanto, elas descarregam em um tempo relativamente curto (pilhas comuns) ou precisam ser recarregadas (baterias recarregáveis).

As “baterias atômicas” tipo o protótipo russo ou a chinesa BV100 – também conhecidas como betavoltaicas – não devem ser confundidas com os geradores termoelétricos de radioisótopos, usados em sondas espaciais soviéticas e norte-americanas desde os anos 1970.

Esse tipo de gerador nuclear converte o calor liberado pelo decaimento radioativo em eletricidade usando termopares, mas com uma eficiência de poucos pontos percentuais.

Seu uso prático é limitado na Terra devido ao combustível radioativo, tipicamente o plutônio-238, que impõe riscos à saúde, é difícil de reciclar e pode vazar para o ambiente.

IPEN PESQUISA GERADOR RADIOISOTÓPICO

No Brasil, cientistas do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN) desenvolveram a primeira bateria nuclear nacional, a partir de um isótopo em decomposição de amerício (amerício-241). Sem precisar de uma recarga extra, ela pode fornecer energia para aparelhos por mais de 200 anos.

A pesquisa brasileira desenvolveu uma bateria nuclear termoelétrica, também conhecida como gerador termoelétrico radioisotópico (RTG). A produção de eletricidade é feita a partir do calor e não envolve fissão nuclear. 

Ao portal Canaltech, a pesquisadora do IPEN e coordenadora do projeto Maria Alice Morato Ribeiro, explicou que o amerício é um metal radioativo, relativamente maleável e de coloração prateada, um emissor de partículas alfa e gama, com atividade de partículas alfa aproximadamente três vezes maior que a do rádio. Possui 10 isótopos conhecidos pela ciência.

“Na bateria nuclear, o calor de decaimento natural do radioisótopo é que vai gerar energia elétrica. Como parte do processo, esse calor precisa passar através de pastilhas termoelétricas geradoras de energia elétrica (TEGs)”. 

Por enquanto – ela acrescentou -, a tensão de saída nas pastilhas termoelétricas é de 20 milivolts (mV). Isso é resultado da diferença de temperatura nas pastilhas termoelétricas entre a fonte de Amerício (lado quente) e a parte externa (lado frio). 

É essa tensão que alimenta um circuito coletor que acumula energia suficiente e assim fornece pequenas cargas, periodicamente. No entanto, como o atual modelo possui uma capacidade muito baixa de geração de energia, é necessária uma fonte com atividade maior apenas para acender um LED.

O que é impressionante na bateria é o tempo de duração, estimado em 200 anos, devido à meia-vida do amerício ser de 432,6 anos. No entanto, “ainda enfrentamos desafios técnicos relacionados à confiabilidade das pastilhas termoelétricas, as quais precisam operar por um período equivalente”, destacou a cientista.

Essa primeira bateria – ela apontou – foi desenvolvida para validar o conceito. O próximo passo é construir uma versão melhorada, com potência de 100 mW. 

Hoje, as baterias nucleares já são usadas em locais de difícil acesso. São os casos de faróis em ilhas desertas e dispositivos enviados para o espaço, como satélites e os rovers da NASA. No caso da bateria brasileira, a ideia é usá-la para em dispositivos instalados em locais remotos. Quanto às preocupações com riscos à saúde humana e ao meio ambiente, pode ser resolvido com “o uso de blindagens eficientes”. Além disso, “o radioisótopo está contido em fonte selada, não havendo perigo de dispersão do material”, acrescentou.

Fonte: Papiro