Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Os mais recentes dados do Censo 2022 a respeito da prevalência, pela primeira vez desde 1991, da população que se autodeclara parda (45,3% do total) e do crescimento dos que se veem como pretos (10,2%) revela muito sobre a luta desses segmentos por respeito, reconhecimento e igualdade. 

Ao mesmo tempo, explicita o acerto dos servidores públicos que trabalharam na pesquisa, enfrentando as adversidades impostas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), e insistiram na necessidade de visitar as periferias do país para trazer o retrato mais fiel possível do povo brasileiro.

Ao caminharmos pelas ruas das mais diversas cidades do país, é possível perceber que a população brasileira é composta majoritariamente por pardos e pretos — que, juntos, formam a população negra, segundo os critérios adotados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável pelo Censo. No entanto, levantamentos anteriores mostravam uma maioria de brancos. 

Conforme os dados do Censo 2022, cerca de 92,1 milhões de pessoas se declararam pardas, o equivalente a 45,3% da população do país; a população branca era de 88,2 milhões (43,5% do total); 20,6 milhões se declaram pretas (10,2%), enquanto 1,7 milhões se declararam indígenas (0,8%) e 850,1 mil se declaram amarelas (0,4%).

Em 1991, os pardos eram 42,5%; os brancos, 51,6%; os pretos, 5%; os amarelos 0,4% e os indígenas, 0,2%. Já no Censo de 2010, a população preta aumentou 42,3% e sua proporção em relação ao total da população subiu de 7,6% para 10,2%. A população parda cresceu 11,9% e sua proporção na população subiu de 43,1% para 45,3%. Houve, ainda, aumento de 89% da população indígena, com sua participação subindo de 0,5% para 0,8%.

No caso da população branca, houve recuo de 47,7% em 2010 para 43,5% em 2022. Já a população amarela teve uma forte redução (-59,2%) e sua participação recuou de 1,1% para 0,4%, retornando a patamares de 1991 e 2000.

O aumento da população preta também merece destaque. Recuando ao ano de 1872, esse segmento equivalia a 19,7% dos habitantes do país. O índice apresentou seguidas perdas de participação até 1991, quando chegou à menor marca, 5%. Desde então, mais que dobrou até o Censo 2022, quando alcançou 10,2%. 

Autorreconhecimento

Para além das mudanças demográficas resultantes de fatores como mortes, nascimentos e migrações, o que os novos dados podem nos dizer é que o centenário processo de luta dos negros brasileiros contra o racismo, o preconceito e a desigualdade foram mudando a percepção que muitos têm de si mesmo. Se antes parte desse segmento poderia estar mais suscetível aos efeitos do preconceito, hoje boa parte tem orgulho de suas origens e não receia assumir sua identidade racial. 

“É uma vitória termos um Brasil que se reconhece como negro — e nunca é demais lembrar que pardos e pretos compõem a população negra do Brasil. Que o passado onde imperava a vergonha e o disfarce da negritude seja cada vez mais distante em nossa história!”, disse, pelas redes sociais, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, após a divulgação dos resultados, ocorrida na sexta-feira (22), em Salvador, capital do estado mais preto do país. 

Para Marta Antunes, coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, “há uma variedade de critérios demográficos e de pertencimento étnico-racial, que podem explicar esse comportamento diferenciado dos grupos populacionais. Ou seja, a gente pode ter mais migração, mais ou menos fecundidade, mais mortalidade… são dados que vamos poder explorar em próximas divulgações. Mas os critérios do pertencimento étnico-racial acionados pela população variam de acordo com o contexto social e de relações interraciais, e de acordo com a forma como as pessoas se percebem”. 

A avaliação do pesquisador Leonardo Athias, do IBGE, vai no mesmo sentido. “Essas variações têm a ver com a percepção. Cor ou raça é uma percepção que as pessoas têm de si mesmas. É um processo relacional, tem a ver com contexto socioeconômicos, contextos das relações interraciais. É sempre importante a gente frisar a multidimensionalidade do fenômeno”, disse à Agência Brasil. 

Resistência e luta

Durante o lançamento dos dados, a titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, Ângela Guimarães, atribuiu a mudança do perfil demográfico à luta das mais variadas manifestações dos movimentos negros e antirracistas. “Devemos isso a todas as expressões negras que se apresentaram na cena pública, fazendo uma disputa de narrativa quando a regra ainda era a inferiorização da população negra, a nossa subestimação”. 

Ela destacou, ainda, que a apuração dos dados, de maneira científica, marca “o compromisso do Estado brasileiro com políticas públicas de superação do racismo, de reconhecer que ele não pode continuar sendo, como no passado, um Estado gerido apenas para 30% ou 20% da população. Ele precisa ser um Estado amplo, desenvolvimentista, agregador, superador da pobreza e das desigualdades”. E acrescentou: “Não cansamos de afirmar que a maioria negra não é problema para o desenvolvimento da nação, é, sim, a chave, a saída e a solução”. 

Márcio Pochmann, presidente do IBGE, lembrou, em sua fala durante o lançamento, dos entraves enfrentados para que o Censo fosse realizado. “O que estamos fazendo hoje é revelar, do ponto de vista científico e técnico, com as melhores metodologias existentes no mundo, o que é a população brasileira. E só foi possível ser realizado com o esforço de todos os ibgeanos e ibgeanas, a despeito das dificuldades”, afirmou Pochmann.

Além da transferência da realização do Censo devido à pandemia, em 2020, o governo Bolsonaro fez um profundo corte nos recursos, de 96%, em 2021, o que resultou em um novo adiamento. Até que em maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a realização da pesquisa em 2022.

Somente a partir daí, o Censo aconteceu, ainda assim com muitos obstáculos. Para superar alguns deles — como negativas de moradores de bairros ricos de receberem os recenseadores e das dificuldades destes acessarem determinados territórios, entre outros — foram feitos mutirões no início deste ano. E finalmente, os dados do Censo começaram a ser divulgados em junho.

Detalhamento

Além do aumento geral da população parda e preta, os dados do Censo 2022 recém-divulgados mostram que:

– A região Norte tinha o maior percentual de pardos (67,2%), a região Sul mostrou a maior proporção de brancos (72,6%) e o Nordeste registrou o maior percentual de pretos na sua população (13%). Em 2022, 35,7% dos pardos e 48,0% dos brancos do país estavam no Sudeste.

– Entre os estados, o maior percentual de pardos foi do Pará (69,9%), a maior proporção de brancos foi do Rio Grande do Sul (78,4%) e o maior percentual de pretos foi da Bahia (22,4%).

– A população parda era maioria em 3.245 municípios do país (ou 58,3% do total), enquanto a população indígena era majoritária em 33 municípios e a população preta, em nove. 

– Entre 2010 e 2022, as populações preta, indígena e parda ganharam participação em todos os recortes etários, enquanto as populações branca e amarela perderam participação.

– Em 2022, havia predomínio da população parda até os 44 anos de idade; a partir dos 45 anos, a população branca passa a mostrar o maior percentual. População amarela tem a idade mediana mais elevada em 2022 (44 anos), seguida da população branca (37 anos), preta (36 anos), parda (32 anos) e indígena (25 anos).

– A população preta apresentou a maior razão de sexo (103,9 homens para cada 100 mulheres) e foi a única em que número de homens superou o de mulheres. A população amarela tinha a menor razão de sexo entre os cinco grupos de cor ou raça: 89,2 homens para cada cem mulheres.

Com informações da Agência IBGE e Agência Brasil