Ministro da Justiça sul-africano e embaixador da África do Sul na Holanda na audiência em Haia | Foto: AFP

Evocando Nelson Mandela, a África do Sul apresentou nesta quinta-feira (11) à Corte Internacional de Justiça (CIJ) da ONU, em Haia, na Holanda, um contundente libelo contra o governo de Israel pelo genocídio em curso contra o povo palestino de Gaza e pediu ao tribunal que conceda, liminarmente, uma ordem para que cesse a agressão e seja protegida a população palestina.

Trata-se, como denunciou a premiada advogada irlandesa Blinne Ni Ghralaigh em nome da África do Sul, do “primeiro genocídio da história, em que as suas vítimas transmitem a sua própria destruição em tempo real”, enquanto esperam que o mundo faça alguma coisa. “A própria reputação do direito internacional está na balança”, ela advertiu.

A equipe de acusação da África do Sul exibiu, ainda, reprodução das mais altas autoridades israelenses incitando o genocídio – ou, em termos jurídicos, expressando “intenção genocida” -, bem como vídeos divulgados nas redes sociais por soldados integrantes da invasão em Gaza, onde se jactam de execuções e torturas.

Também as denúncias, de parte de vários organismos da ONU, sobre a situação catastrófica humanitária no enclave e de que Gaza se tornou “um cemitério de crianças”.

O consultor jurídico da África do Sul, John Dugard, lembrou as palavras do presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, ao anunciar a ação judicial, de que Gaza estava “transformada num campo de concentração, onde está ocorrendo genocídio”.

A acusação sul-africana citou o economista-chefe do Programa Alimentar Mundial, Arif Husain, que disse: “Na minha vida, nunca vi nada parecido com isto em termos de gravidade, em termos de escala e depois em termos de velocidade.”

O advogado britânico Vaughan Lowe assinalou que as evidências publicamente disponíveis demonstram que “o governo israelense, e não o povo judeu ou os cidadãos israelenses, tem a intenção de destruir os palestinos em Gaza como um grupo, e não está fazendo nada para punir as ações daqueles que apoiam isso”, tais procedimentos colocam o Estado de Israel incurso nas infrações previstas pela convenção de prevenção e punição dos crimes de genocídio.

Ele acrescentou que “não importa quão monstruoso ou terrível seja um ataque ou provocação sofridos, o genocídio nunca é uma resposta permitida”.

As evidências de intenção genocida dos mais altos escalões do governo israelense, destacou o advogado sul-africano Tembeka Ngcukaitobi, “não são apenas assustadoras, mas também esmagadoras e incontestáveis”.

“Há aqui um elemento extraordinário: o líder político, os comandantes militares e as autoridades de Israel declararam sistematicamente a sua intenção genocida”, intenção que está enraizada “na ideia de que o inimigo não é a ala militar do Hamas ou o Hamas em geral, mas está embutido no tecido da vida palestina em Gaza”.

A Corte Internacional de Justiça foi criada em 1945 após a vitória sobre o nazifascismo na II Guerra Mundial, enquanto a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio foi estabelecida em 1948, para evitar a repetição do massacre de milhões de civis pelo hitlerismo, como sofrido pelos judeus. De acordo com seu estatuto, apenas casos entre Estados são julgados. Israel e África do Sul são signatários.

A CIJ, composta por juízes de 15 países, ouvirá nessa sexta-feira (12) a argumentação de Israel, devendo deliberar até o final do mês se aceita o caso e se emite as medidas provisórias solicitadas por Pretória.

O caso propriamente dito pode levar anos, conforme procedimentos anteriores. Brasil, Jordânia, Turquia, Malásia, Namíbia, Paquistão, Colômbia, Bolívia e a Organização para Cooperação Islâmica, que representa 53 nações (OIC) endossaram a ação da África do Sul e seu pedido de uma medida liminar que proteja imediatamente os palestinos.

MANDELA

“Ao estender as mãos… ao povo da Palestina, fazemo-lo com plena consciência de que somos parte de uma humanidade. Estas foram as palavras do nosso presidente fundador Nelson Mandela, este é o espírito com que a África do Sul aderiu à convenção sobre a prevenção e punição do crime de genocídio em 1998”, afirmou em Haia o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola.

“É com este espírito que abordamos este tribunal como parte contratante na convenção. Este é um compromisso com todos, com o povo da Palestina e com os israelenses”, ele enfatizou, após lembrar que a violência e a destruição “não começaram em 7 de outubro. Os palestinos sofreram opressão nos últimos 75 anos”.

Agora em Gaza, conforme a denúncia à CIJ, “1% da população foi sistematicamente dizimada”, sendo que a maior parte dos 23 mil palestinos mortos e 56 mil feridos é constituída por crianças e mulheres. 15 relatores especiais da ONU e 21 membros de grupos de trabalho da ONU alertaram que o que está acontecendo em Gaza “reflete um genocídio em formação”. 80% da população mundial que passa fome crítica está localizada em Gaza, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU.

À Corte de Haia, o professor Max du Plessis afirmou que “os palestinos em Gaza, enquanto parte muito substancial e importante do grupo nacional, racial e étnico palestino, têm direito a existir”.

“O que está acontecendo agora em Gaza não é corretamente enquadrado como um simples conflito entre duas partes. Trata-se de atos destrutivos perpetrados por uma potência ocupante, Israel, que submeteu o povo palestino a uma violação opressiva e prolongada dos seus direitos à autodeterminação durante décadas”, acrescentou o jurista.

“Essas violações ocorrem em um mundo onde Israel, por anos, se considerou além e acima da lei”, disse Du Plessis. “A ação da África do Sul é motivada pela necessidade de proteger os palestinos em Gaza e seus direitos absolutos de não serem submetidos a atos genocidas”, disse ele.

“Os casos de genocídio, que são notoriamente difíceis de provar, podem levar anos para serem resolvidos, mas a África do Sul pede ao tribunal que implemente rapidamente “medidas provisórias” e “ordene que Israel pare de matar e causar sérios danos mentais e corporais ao povo palestino em Gaza”.

Fonte: Papiro