Presidente sérvio, Aleksandar Vucic | Foto: Sputnik

Numa repetição da já conhecida técnica trumpista de alegar ‘fraude eleitoral’ a cada eleição, a oposição pró-Otan, a assim-chamada “Sérvia Contra a Violência” (SPN), se recusou a aceitar o resultado das eleições de 17 de dezembro, em que saiu vencedor o partido liderado pelo presidente Aleksandr Vucic, o Partido Progressista Sérvio (SNS), e chamou seguidores a invadirem a Comissão Eleitoral da República da Sérvia e a prefeitura e a assembleia de Belgrado, o que culminou no domingo (24) com uma “tentativa de revolução colorida”, que se frustrou.

O presidente Vucic falou no domingo por três vezes à nação, chamando a manter a calma, dizendo que os desordeiros não iriam prevalecer e afirmando que a liberdade, a independência e a soberania da Sérvia, “os valores mais altos”, seriam preservados, apesar das ameaças.

Ele garantiu que “o Estado tem força suficiente para defender a democracia, a vontade dos cidadãos, da Sérvia e de Belgrado” e ressaltou que “a revolução colorida não terá sucesso”.

Vucic também advertiu que só haveria novas eleições em Belgrado caso o partido vencedor, como manda a lei, não consiga formar uma coligação capaz de governar.

Os oposicionistas tentaram invadir a Prefeitura da capital sérvia, mas não obtiveram êxito, apesar de terem quebrado uma porta e janelas e do uso de pedras e fogos.

Desde o dia seguinte das eleições, os oposicionistas vinham tentando tomar o prédio da Comissão Eleitoral, enquanto lá dentro as líderes da “Sérvia Contra a Violência” encenavam uma “greve de fome” por novas eleições em Belgrado. Na segunda-feira da semana passada, oposicionistas chegaram a espancar funcionários da Comissão Eleitoral.

A terceira vez que Vucic se dirigiu à nação foi perto da meia-noite, após reunião do Conselho de Segurança Nacional. “Hoje houve uma tentativa de apreensão forçada de instituições estatais na Sérvia. Tudo foi planejado com antecedência, temos provas sólidas disso. A reação do estado seguirá, as prisões continuarão.” O grosso da ‘infantaria’ dos protestos foi estimada em dois-três mil pessoas.

A primeira-ministra, Ana Brnabic, afirmou que “não haverá nenhum novo Maidan na Sérvia”, em referência ao golpe de 2014 em Kiev que instalou no poder na Ucrânia o regime neonazista. Brbabic agradeceu publicamente à Rússia por ter fornecido informações sobre os planos de golpe em curso em Belgrado.

Segundo tais planos, seriam bloqueados os prédios do Ministério da Administração Estatal e do Ministério das Relações Exteriores, bem como o governo local. ‘Ativistas’ de Novi Sad, a segunda maior do país, iriam se juntar aos ‘manifestantes’. Antes que alguém pergunte, não foi informado se a senha era “festa da Selma”.

Em Moscou, na manhã de segunda-feira (25), a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, afirmou que “as tentativas do Ocidente coletivo de abalar a situação [na Sérvia] usando as técnicas dos golpes de Maidan são óbvias.” Ela chamou a “aderir à letra e ao espírito da Constituição do país e respeitar a escolha do povo sérvio, que votou pelos interesses nacionais de seu país”. 

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que não há nada que sugira irregularidades nas eleições sérvias, apontando que os observadores “não registraram quaisquer violações que pudessem lançar dúvidas” sobre a sua legitimidade.

“Evidentemente, há processos e tentativas de forças terceiras, inclusive do exterior, de provocar essa agitação em Belgrado. É o que estamos vendo. Não temos dúvidas de que a liderança da república manterá o Estado de Direito no país”, acrescentou.

“Tudo o que acontece no país é assunto interno da Sérvia. Nunca interferimos nos assuntos internos de outros países e não pretendemos fazê-lo”, disse Peskov.

As observações de Peskov têm a ver com declarações do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, de que o processo eleitoral na Sérvia requer “melhorias tangíveis e novas reformas” e do Departamento de Estado chamando o governo sérvio a “cooperar com a OSCE para investigar possíveis irregularidades eleitorais”.

Uma tática típica das “revoluções coloridas” tem sido não aceitar o resultado da eleição, quando o lado pró-americano perde, alegando fraude, até romper a constitucionalidade e impor uma eleição em que o resultado seja “certo”. Como dizia Kissinger, ao reclamar em 1970, da “irresponsabilidade do povo chileno” em eleger Allende.

No ano que está se encerrando, a Sérvia esteve sob enorme pressão de Washington, Bruxelas e Berlim para se dobrar na questão da ‘independência’ de Kosovo, a província sérvia sob ocupação da Otan, e para se sujeitar às sanções contra a Rússia, o que o governo Vucic vem se recusando até aqui. E com o ‘governo’ de Pristina fazendo enormes provocações contra os sérvios do norte do Kosovo.

Em maio, essa oposição pró-Otan, que já chegou em 2000 a derrubar Slobodan Milosevic e a entregá-lo à Otan para ser julgado por resistir à desintegração da Iugoslávia, manipulou a indignação gerada por dois episódios da “doença americana” na Sérvia – com dois tiroteios em escolas que mataram crianças -, para formalizar uma assim-chamada coalizão “Sérvia Contra a Violência”, que passou a exigir a renúncia de Vucic por supostamente “não deter” a violência.

Nesses protestos, também exigiam a antecipação das eleições, e agora, quando a antecipação veio, aí é o resultado que não satisfaz. O partido de Vucic, que defende também o ingresso na União Europeia, para onde tende a ir a maioria das ex-repúblicas iugoslavas, obteve na eleição 47% a 23% (da oposição pró-Otan). Os socialistas, que participam da coalizão governamental com o SNS, tiveram 6,5%.

Em Belgrado, o resultado foi mais apertado, 37,5% a 34,4% – apertado, mas muito distante, por exemplo, dos resultados de eleições em estados dos EUA em 2020, alguns com diferença de uns poucos milhares de votos ou menos. Ou do resultado do Brasil.

Como observou o correspondente do portal balcânico Kirill Borshchov, as eleições de 17 de dezembro decorreram de forma relativamente calma. “Nem a própria oposição no dia da votação, nem os observadores ocidentais, dos quais eram cerca de 400, registraram quaisquer violações graves”, disse ele ao Izvestia. O que não impediu a “Sérvia contra a Violência” de passar a acusar o SNS de ter levado 40 mil eleitores de outras cidades sérvias, ou da vizinha república sérvio-bósnia, para votar em Belgrado, mas sem ter apresentado qualquer prova.

Fonte: Papiro