Protesto por justiça para Mari Ferrer no Palácio da Justiça de SC | Foto: Reprodução

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou a jornalista Schirlei Alves, repórter do The Intercept Brasil, a um ano de prisão em regime aberto pelo crime de difamação, que teria sido cometido em sua série de reportagens veiculadas em 2020 por esse veículo, denunciando as humilhações sofridas pela influencer Mariana Ferrer durante o julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprá-la.

Na decisão, a juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal da Comarca determinou uma multa de R$ 400 mil de reparação individual, divididos igualmente entre o juiz Rudson Marcos e o promotor Thiago Carriço, que atuaram no caso e que deverá ser paga por Schirlei.

Para a juíza, Schirlei cometeu o crime de difamação, previsto no Código Penal, contra funcionário público, em razão de suas funções, por meio que facilitou a divulgação do crime.

Aranha, filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, foi absolvido das acusações em setembro de 2020, apesar das provas apresentadas por Mariana de que o empresário a teria drogado e estuprado. Em novembro daquele ano, vídeos da degradante audiência de instrução e julgamento, ocorrida em julho, foram divulgados pelo Intercept Brasil, na reportagem de Schirlei Alves.

Entre denúncias de humilhações praticadas pelo advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho contra Mariana, estavam fotos sensuais da jovem feitas antes do crime e apresentadas por ele na ocasião como argumento de que a relação foi consensual. O portal noticiou que Aranha teria sido absolvido pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, sob o pretexto de “estupro culposo”, o que motivou a decisão de Andrea Cristina.

O termo, porém, não é citado na sentença, nos autos ou nas alegações finais do Ministério Público (MP). Na reportagem, a jornalista explica que a expressão foi usada para resumir o entendimento do juiz sobre o caso, que disse que “a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar”.

Segundo o Intercept Brasil, o juiz, advogado e promotor de justiça “transformaram a vida da repórter que revelou tudo isso em um inferno”. O veículo informa que Schirlei precisou mudar a sua rotina, teve seu trabalho prejudicado e foi forçada a fechar seus perfis em redes sociais devido ao “assédio sexista incessante e sua segurança física foi colocada em risco”.

A presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Katia Brembatti, repudiou a decisão e disse à Folha que criminalizar a jornalista “é uma decisão desproporcional e fere a liberdade de imprensa”. “Punir uma repórter por tornar público algo que interessa a toda a sociedade é mais que um contrassenso, abre um caminho perigoso”, alertou. “Espero que a instância superior corrija o erro e afaste qualquer condenação criminal à jornalista”, defendeu.

“Estou sendo punida por ter feito o meu trabalho como jornalista, por ter revelado ao público um absurdo de poder cometido pelo Judiciário, diz Schirlei. “Essa decisão”, prossegue ela, “me parece uma tentativa de intimidação, de silenciamento”, avalia, “não só da minha pessoa, mas de outros jornalistas que cobrem o Judiciário”.

O advogado da jornalista e do Intercept Brasil, Rafael Fagundes, criticou a decisão e afirmou que a sentença “ignorou a realidade dos fatos e a prova dos autos, resultando em uma decisão flagrantemente arbitrária e ilegal”. “[A sentença] cometeu uma série de erros jurídicos primários, agravando artificialmente a condenação e contrariando toda a jurisprudência brasileira sobre o tema”. “Incapaz”, segundo Fagundes, “de esconder preocupações corporativistas” e que “essa sentença pode servir como uma ameaça contra aqueles que ousam denunciar os abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário”. A defesa já recorreu da decisão.

A denúncia feita pela jornalista teve repercussão nacional e levou à aprovação da Lei Mari Ferrer, que tem o objetivo de impedir que julgamentos desse tipo se repitam em outros tribunais.

O julgamento aconteceu no dia 9 de setembro de 2020 e o crime teria ocorrido em 2018 em um clube de luxo em Florianópolis. Ao absolver o acusado, o promotor Thiago Carriço de Oliveira afirmou que não havia como ele saber, durante o ato sexual, que a vítima não estava em condições de consentir a relação, não existindo, portanto, a intenção de estuprar. Mari Ferrer sustenta ter sido dopada e, posteriormente, violentada sexualmente por Aranha.

Após dois meses, o Intercept divulgou a reportagem que revela a gravação da audiência de instrução, durante a qual Mari Ferrer foi humilhada e constrangida várias vezes pela defesa do empresário.

“Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados, nem os assassinos são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, suplica Mariana. Por sua vez, Rudson Marcos pediu apenas a Gastão que mantivesse o “bom nível”. Na terça-feira (14), O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aplicou uma pena de advertência ao juiz Rudson Marcos pelo caso Mariana Ferrer. A medida é a mais leve prevista na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e é aplicada ao magistrado por comportamento negligente em relação ao cumprimento dos deveres do cargo, em processos administrativos disciplinares.

Fonte: Página 8