O diplomata russo Vasily Nebenzya enfatizou que vetos dos EUA na ONU sustentam massacre em Gaza | Foto: TASS

Para evitar um terceiro veto dos EUA, o Conselho de Segurança da ONU teve de se contentar, na sexta-feira (22), com uma resolução pela “entrega imediata, segura e desimpedida de assistência humanitária em larga escala” a Gaza, através de “todas as rotas de acesso e circulação disponíveis em toda a Faixa de Gaza”, após reiteradas “torções de braço” por parte de Washington terem castrado pedidos de cessar-fogo e de fim das hostilidades.

O embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzia, denunciou que os EUA bancaram no texto “uma licença para que Israel pudesse matar civis palestinos em Gaza, sob o pretexto de ‘criar condições para o fim da violência’”, o que chamou de “jogo sem escrúpulos”.

Nebenzia ainda acusou os EUA de diluir o texto “para dar a Israel uma mão livre para mais bombardeios indiscriminados ilimitados e irrestritos da infraestrutura civil e da população civil de Gaza”.

A discussão do texto havia começado no domingo anterior (17). Até mesmo, no projeto de resolução original apresentado pelos Emirados Árabes Unidos, foi eliminado um parágrafo importante que condenava “todas as violações do direito humanitário internacional, incluindo todos os ataques indiscriminados a civis e bens civis”.

“Sabemos que apenas um cessar-fogo porá fim ao sofrimento”, disse a embaixadora dos Emirados, Lana Zaki Nusseibeh, que redigiu o texto. Mas “se não tomarmos medidas drásticas, haverá fome em Gaza”, e o texto “responde com ação à situação humanitária desesperada do povo palestino”, acrescentou ela antes da votação.

Após idas e vindas, a referência a uma “cessação urgente e duradoura das hostilidades” do texto de domingo desapareceu, assim como a demanda menos direta na próxima versão por uma “suspensão urgente das hostilidades”.

Proposta russa para reintroduzir a “suspensão urgente das hostilidades”, acabou vetada pelos EUA, depois de obter 10 votos favoráveis e de quatro abstenções.

Também foi retirado cláusula para que fosse a ONU que monitorasse a ajuda humanitária, substituída por uma “coordenação” junto com todos os “intervenientes”.

A resolução acabou aprovada por 13 votos a favor, zero contra, e as abstenções, por motivos opostos, de Rússia e EUA, depois de dias de postergações, em razão das pressões de Washington, e enquanto Israel seguia perpetrando, diante do mundo, genocídio e limpeza étnica contra os palestinos.

Segundo os vários organismos da ONU em Gaza, a população civil se encontra em uma situação desesperadora, com 85% expulsa de suas casas pelos ataques israelenses, mais de 70 mil mortos e feridos, a maior parte, mulheres e crianças, metade das casas e prédios destruídos, só nove de 36 hospitais seguem operando parcialmente, mais da metade da população passa fome, sob uma punição coletiva com o corte de água, comida, eletricidade, combustível e remédios. Um genocídio em pleno século 21, transmitido ao vivo para o mundo inteiro. Ou, como intitulou um ministro de Netanyahu, a “Nakba de Gaza”.

CESSAR-FOGO, INSISTE GUTERRES

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, insistiu em que “um cessar-fogo humanitário é a única maneira de começar a responder às necessidades desesperadas do povo de Gaza e acabar com seu pesadelo”.

Antes, Guterres dissera “esperar” mais do Conselho de Segurança, acrescentando que o “problema real” com a entrega de ajuda a Gaza é a “ofensiva” israelense.

O embaixador palestino na ONU considerou a resolução um “passo na direção certa”, embora o Conselho de Segurança tenha levado 75 dias “para finalmente pronunciar as palavras ‘cessação das hostilidades’”.

Já no terceiro mês seguido de massacre de civis em Gaza, esta é apenas a segunda vez que o Conselho de Segurança vota um texto. Sua resolução anterior, de 15 de novembro, pedia “pausas humanitárias”.

Outros cinco textos foram rejeitados em dois meses, dois deles devido a vetos dos EUA, o último em 8 de dezembro. Os Estados Unidos bloquearam então, apesar da pressão sem precedentes do secretário-geral da ONU, o pedido de um “cessar-fogo humanitário”, considerado inaceitável por Israel.

CHANTAGEM IMPIEDOSA

Para o embaixador russo na ONU, trata-se de um “momento trágico para o Conselho”. Não é um triunfo da diplomacia multilateral. Ele assinalou que Washington está chantageando impiedosamente outros países e ignora abertamente o sofrimento dos palestinos e as tentativas da comunidade internacional para pôr fim a isso.

Nebenzia enfatizou que, mais cedo ou mais tarde, o Conselho de Segurança exigirá o fim das ações militares na Faixa de Gaza, uma vez que, caso o contrário, será “impossível cumprir” as próprias decisões do conselho por conta do intenso bombardeio israelense.

“Independentemente dos resultados da votação desta sexta-feira [22], o apelo do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo continua sendo imperativo. Não importa o quanto os EUA resistam, o Conselho de Segurança voltará a essa questão e exigirá o fim das hostilidades”, concluiu o diplomata russo.

“VIRADA CRUCIAL”, DIZ LAVROV

Falando no Fórum de Cooperação Russo-Árabe em 20 de dezembro, no Marrocos, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que “a situação no Oriente Médio e o colapso na abordagem dessas crises entre a minoria ocidental e a maioria mundial indicam que o mundo está em um ponto de virada crucial”.

“Em essência, a questão é se será possível formar uma ordem mundial verdadeiramente justa e democrática, baseada no papel central das Nações Unidas, no princípio da Carta da igualdade soberana dos Estados e em um equilíbrio bem ajustado dos interesses de todos os países, ou se os Estados Unidos e um grupo de ex-metrópoles coloniais continuarão a impor suas chamadas regras à comunidade internacional.”

Ele reiterou seu apelo para a criação de um Estado palestino, dizendo que “apenas essa abordagem baseada no direito internacional” poderia levar a uma “paz duradoura”. “Junto com nossos aliados, estamos tentando aprovar uma resolução na ONU pedindo um cessar-fogo imediato”.

Fonte: Papiro