Ex-ícone do poderio industrial dos EUA, US Steel é comprada pela Nippon Steel japonesa
Faça o que eu digo, não faça o que eu faço parece ser a moral da história de senadores norte-americanos, tanto republicanos quanto democratas, chiando contra a desnacionalização da US Steel, cuja aquisição pela gigante japonesa Nippon Steel acaba de ser anunciada, por US$ 14,1 bilhões.
Como registrou a CNN, o acordo de venda marca “o último passo” no declínio da empresa, que já foi a maior do mundo e símbolo do poderio industrial norte-americano. A indústria siderúrgica norte-americana é uma sombra do que era, sem nenhuma empresa entre os 10 maiores produtores de aço do mundo.
Na terça-feira (19), em carta à secretária do Tesouro, Janet Yellen, os senadores republicanos JD Vance, Josh Hawley e Marco Rubio alertaram que o acordo tem “implicações terríveis para a base industrial dos Estados Unidos” e “não foi firmado com a segurança nacional dos EUA em mente”.
Por sua vez, o senador democrata John Fetterman, declarou ser “absolutamente ultrajante que a US Steel tenha concordado em se vender para uma empresa estrangeira”.
“O aço é sempre sobre segurança – tanto a nossa segurança nacional quanto a segurança econômica de nossas comunidades siderúrgicas. Estou empenhado em fazer tudo o que puder, usando a minha plataforma e a minha posição, para bloquear esta venda externa.”
Yellen preside o Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS), um painel interagências com poderes para analisar transações envolvendo investimento estrangeiro nos Estados Unidos para determinar o impacto na segurança nacional.
Os membros do CFIUS incluem os chefes do Departamento de Defesa, Estado, Segurança Interna e Justiça.
A CFIUS “pode e deve bloquear a aquisição da US Steel pela NSC, uma empresa cujas lealdades estão claramente com um Estado estrangeiro e cujo histórico nos Estados Unidos é profundamente falho”, disseram Vance, Hawley e Rubio.
Eles pediram ao órgão que faça uma revisão do acordo unilateral, já que a US Steel recebeu “ofertas competitivas de empresas americanas”.
Os legisladores observam que a produção doméstica de aço é “vital para a segurança nacional dos EUA” e citaram medidas tomadas por governos republicanos e democratas para fortalecer a indústria siderúrgica.
“Permitir que empresas estrangeiras comprem empresas americanas e desfrutem de nossas proteções comerciais subverte o próprio propósito para o qual essas proteções foram implementadas”, argumentaram os legisladores republicanos que normalmente, quando se trata de cartéis norte-americanos abocanhando empresas no Sul Global, acham uma maravilha.
Também o senador democrata Sherrod Brown se manifestou contrário à venda da US Steel para a Nippon Steel, operação que, ele denunciou, como feita “a portas fechadas”.
“A Nippon e a US Steel insultaram os metalúrgicos americanos ao se recusarem a dar-lhes um lugar à mesa e levantaram sérias preocupações sobre seu compromisso com o futuro da indústria siderúrgica americana”, ele acrescentou.
Para Brown, a US Steel deveria ser negociada para a Cleveland Cliffs, com sede em Ohio, proposta que não foi adiante no início do ano, apesar de endossada pelo sindicato United Steelworkers [Metalúrgicos].
Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos (USW), David McCall, o acordo “demonstra a mesma atitude gananciosa e míope que guiou a US Steel por muito tempo”.
“Permanecemos abertos durante todo este processo para trabalhar com a US Steel para manter esta icônica empresa americana de propriedade e operação doméstica, mas em vez disso, ela optou por deixar de lado as preocupações de sua força de trabalho dedicada e vender para uma empresa de propriedade estrangeira.”
O trio republicano asseverou que a Nippon Steel “não compartilha a conexão histórica da US Steel com os Estados Unidos e seus interesses financeiros estão ligados aos do Japão”. Lembraram, ainda, que a Nippon já foi considerada culpada de despejar ilegalmente produtos de aço laminados planos nos EUA.
Consultado pela CNN, um especialista em advocacia e segurança nacional, Michael Leiter, considerou “improvável” que a CFIUS bloqueie o acordo. “Isso nunca aconteceu antes para um comprador japonês de um negócio dos EUA – mesmo no auge das tensões comerciais EUA-Japão nas décadas de 1980 e 1990 – e parece bastante improvável que o faça aqui”.
A decisão final cabe ao presidente Biden, ele explicou, que depende dos “nossos aliados japoneses” em outras questões críticas, “como a China e as cadeias de produção e fornecimento de semicondutores”.
Mesmo nos EUA, a US Steel já não é a maior siderúrgica, tendo sido ultrapassada pela Nucor Steel. “Estamos confiantes de que esta combinação é realmente a melhor para todos”, disse o CEO da US Steel, David Burritt. Segundo os termos do acordo, as operações da US Steel manterão seu nome e continuarão a ter sede em Pittsburgh.
A US Steel foi criada em 1901 por meio de uma fusão quando um grupo liderado por J.P. Morgan e Charles Schwab, dois dos principais financiadores mundiais da época, comprou a empresa siderúrgica de propriedade de Andrew Carnegie e a combinou com suas participações na rival Federal Steel Company.
No início do século XX, a empresa produziu o aço que ajudou os Estados Unidos a se tornar uma superpotência econômica global, fornecendo aço não apenas para arranha-céus, pontes e barragens, mas também para automóveis, eletrodomésticos e outros produtos desejados pelos consumidores norte-americanos.
A US Steel era tão dominante que motivou a criação de leis antitruste do país, aprovadas numa tentativa de manter sob controle o poder estratégico e financeiro da empresa e da Standard Oil.
“Tem sido uma ladeira abaixo. O pico de produção da US Steel ocorreu na década de 1970, [e a empresa] não fez nada durante décadas”, disse o analista da indústria siderúrgica Charles Bradford. A oferta em dinheiro de segunda-feira representa um prêmio de 40% sobre o preço de fechamento das ações da US Steel na sexta-feira (15). As ações da empresa subiram 28% nas negociações de pré-mercado. As ações da Nippon caíram 1% nas negociações no Japão, que foram fechadas antes do anúncio do negócio.
Fonte: Papiro