Plebiscito chileno rejeitou a 2ª proposta de Constituição neste domingo (17) | Foto: AFP

O Chile rejeitou em plebiscito neste domingo (17) a proposta de constituição hegemonizada pela extrema-direita, com o ‘contra’ prevalecendo com 55,76% em comparação com 44,24% dos ‘a favor’, com 96,3% das mesas apuradas.

Em suma, o que estava em votação era simplesmente piorar a constituição imposta por Pinochet de 1980 e que foi parcialmente atenuada no período da restauração democrática no Chile. Segundo o PC chileno, “O texto aprofunda e piora os problemas da constituição de 1980. O remédio proposto é pior que a enfermidade”.

Nos locais de votação, que funcionaram até às 18h, os cidadãos receberam uma cédula com a pergunta: “Você é a favor ou contra o texto da Nova Constituição?”. O voto era obrigatório.

Há 15 meses, uma proposta de nova constituição de cunho sectário e identitário, com concessões ao neoliberalismo, como o “BC independente”, mas em cuja redação não houve zelo pela questão nacional nem pelo avanço com consenso por parte da assim chamada “esquerda chilena”, acabou derrotada em plebiscito anterior, por larga margem.

Isso depois de, em 2019, o Chile viver enormes manifestações, com grande participação da juventude e das mulheres, que isolaram o governo Piñera e levaram à convocação – por larga margem – de uma Assembleia constituinte e à eleição de Gabriel Boric.

Entre as questões que assumiram um grande papel nos protestos, estava a desigualdade e o péssimo estado dos serviços públicos, a situação dos idosos, depois de décadas da privatização da previdência, o ensino pago nas universidades, entre outras mazelas deixadas pela ditadura pinochetista e apenas parcialmente atenuadas na democracia.

Mas o ímpeto pelas mudanças foi estiolado por concepções estreitas no desenvolvimento da Constituinte, que se mostraram incapazes de coesionar uma frente com a amplitude necessária para enterrar o entulho pinochetista e que deram margem à demagogia e à recomposição da extrema-direita.

No processo seguinte, após a rejeição em plebiscito da primeira proposta de constituição, houve uma eleição para a formação de uma comissão de redação, em que a extrema-direita, mais a direita tradicional, obtiveram o controle.

Essa proposta, agora rechaçada, além de agravar o neoliberalismo e a desigualdade e manter os fundos privados de previdência, acrescentava mais obstáculos à imigração e ao aborto.

Javier Macaya, presidente da União Democrática Independente (UDI), de orientação pinochetista e um dos principais responsáveis ​​pelo projeto rechaçado nas urnas neste domingo, reconheceu a derrota.

O resultado do plebiscito “é um exemplo do cansaço constitucional do país, e a responsabilidade que temos como partido é ser consistente com os cidadãos”, disse ele.

“Esta questão está fechada; os chilenos estão fartos e o que aconteceu hoje é a melhor demonstração e reflexão; consideramos este problema encerrado”, ele acrescentou.

Ao apoiar a participação cidadã no plebiscito, o jornal El Siglo, ligado aos comunistas chilenos, havia convocado a “continuar o esforço para aprofundar a democracia, promover os direitos sociais, indígenas e das mulheres, proteger os recursos naturais e estratégicos, melhorar as condições de vida de milhões de chilenos, gerar condições para enfrentar o crime em todas as suas formas, para alcançar o bem vida da grande maioria”.

“Não é pouca coisa afirmar que o domingo define em grande parte o futuro democrático, econômico, social, cultural e soberano do Chile.”

Assim, – acrescentou a publicação – o apelo que se levanta “é defender o bom futuro do povo, exigir um projeto de país justo, democrático e equitativo.” E concluiu com uma previsão que acabou confirmada nas urnas: “o domingo não deveria ser um tempo de recuo, mas de progresso”.

Antes do plebiscito, o presidente Gabriel Boric disse que não pressionaria por uma terceira reformulação, mas poderia tentar emendar o texto atual.

PC CHAMOU A BARRAR O RETROCESSO

No dia 3 de novembro, o PC chileno chamou o povo a barrar esse retrocesso, como transcrevemos abaixo.

“O texto aprofunda e piora os problemas da constituição de 1980. O remédio proposto é pior que a enfermidade.

É uma constituição contra os trabalhadores e as trabalhadoras do Chile porque limita o direito de greve, a negociação coletiva, o que nem Pinochet se atreveu a colocar em sua constituição; impede constitucionalmente a negociação por ramo; e discrimina politicamente os dirigentes sindicais;

É uma constituição contra as mulheres; põe em risco a legislação de interrupção de gravidez em três causas; constitucionaliza a discriminação e nega a garantia de paridade na política;

É uma constituição contra os meninos, meninas e adolescentes, nega seus direitos e dificulta a proteção do Estado;

É uma constituição contra os povos indígenas; não especifica seus direitos nem garante sua representação política;

É a constituição das ISAPREs e AFPs [previdência privada]; com a redação proposta, se elas não existissem, teriam que ser inventadas;

É uma constituição contra a Educação Pública; se constitucionaliza o voucher, se estabelecem mais transferências de Fundos do Estado para privados, sem contrapartidas; limita-se o currículo nacional em benefício de colégios de elite; e não se consagra a gratuidade no ensino superior;

É a constituição da Impunidade: se consagram benefícios carcerários para os piores criminosos que o país conheceu, os presos de Punta Peuco; se põe em risco os informes Vallech e Rettig;

É um traje à medida da Direita; se reduz a representatividade do parlamento para beneficiar mais políticos de direita; não melhora as respostas do governo às demandas sociais; mantém normas da constituição de ’80 para perseguir adversários políticos;

É a constituição de um Estado ausente e que abandona: se consagra um Estado com mais limitações para intervir na economia, sem dentes para sancionar os abusos e com menos recursos, pois há uma reforma tributária encoberta que beneficia os mais ricos;

É uma constituição que em vez de proteger o meio ambiente, prioriza os negócios que têm permitido as zonas de sacrifício; nem sequer se reconhece a justiça ambiental;

Em definitivo, é uma constituição contra o povo do Chile, que beneficia os mesmos de sempre, aos poderosos e aos que abusam; evidentemente, um texto assim não encerrará a questão constitucional;
A proposta de constituição é de direita e mal feita. Confiamos que o povo do Chile dirá NÃO a esse retrocesso”.

Fonte: Papiro