Guterres, secretário-geral da ONU: "A população civil deve ser poupada de danos maiores" | Foto: AFP

Com mais de 16 mil palestinos mortos e 43 mil feridos, 80% da população deslocada, 70% das casas destruídas e hospitais em colapso, em dois meses de inominável genocídio e limpeza étnica perpetrados por Israel na Faixa de Gaza, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, exigiu na quarta-feira (6) uma ação imediata do Conselho de Segurança da ONU.

“Exorto os membros do Conselho de Segurança a pressionarem para evitar uma catástrofe humanitária”, escreveu. “Reitero meu apelo para que seja declarado um cessar-fogo humanitário. Isso é urgente. A população civil deve ser poupada de danos maiores.”

Foi a primeira vez desde que se tornou secretário-geral, há quase sete anos, que Guterres invocou o Artigo 99, uma seção raramente usada da Carta da ONU que o habilita a levar ao conhecimento do conselho “qualquer assunto que, em sua opinião, possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais”.

O porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, disse que Guterres estava invocando o Artigo 99 “dada a escala da perda de vidas humanas em Gaza e Israel, em tão pouco tempo”.

“Acho que é sem dúvida a invocação mais importante”, disse Dujarric a repórteres na sede da ONU, “na minha opinião, a ferramenta mais poderosa que ele tem”.

“A comunidade internacional tem a responsabilidade de usar toda a sua influência para evitar uma nova escalada e acabar com esta crise.”

Guterres escreveu a José Javier De la Gasca López Domínguez, presidente equatoriano do Conselho de Segurança, que “mais de oito semanas de hostilidades em Gaza e Israel criaram terrível sofrimento humano, destruição física e trauma coletivo em Israel e no território palestino ocupado”.

Ele enfatizou que “os civis em toda a Gaza enfrentam grave perigo”, com os ataques aéreos e ataques israelenses danificando mais da metade de todas as casas e deslocando cerca de 80% dos 2,3 milhões de habitantes. Mais de um milhão deles buscaram abrigo em instalações da ONU, “criando condições superlotadas, indignas e anti-higiênicas”, enquanto outros “se encontram na rua”.

“O sistema de saúde em Gaza está em colapso”, observou, apontando que apenas 14 dos 36 hospitais estão funcionando. “Espero que a ordem pública entre em colapso completo em breve devido às condições desesperadas, impossibilitando até mesmo uma assistência humanitária limitada. Uma situação ainda pior pode se desenrolar, incluindo doenças epidêmicas e aumento da pressão por deslocamento em massa para países vizinhos.”

As condições em Gaza já estão tornando “impossível a realização de operações humanitárias significativas”, acrescentou Guterres. “A capacidade das Nações Unidas e de seus parceiros humanitários foi dizimada pela escassez de suprimentos, falta de combustível, comunicações interrompidas e crescente insegurança.”

“A situação está se deteriorando rapidamente para uma catástrofe com implicações potencialmente irreversíveis para os palestinos como um todo e para a paz e a segurança na região. Tal resultado deve ser evitado a todo custo”, alertou o líder da ONU. “A comunidade internacional tem a responsabilidade de usar toda a sua influência para evitar uma nova escalada e acabar com esta crise.”

Ele também reafirmou sua condenação ao ataque de 7 de outubro liderado pelo Hamas contra Israel – no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e mais de 200 outras foram capturadas – e enfatizou que os reféns restantes “devem ser imediata e incondicionalmente libertados”.

Com os EUA e o Reino Unido bloqueando no Conselho de Segurança da ONU qualquer proposta de cessar-fogo e só admitindo, no máximo, “pausas humanitárias” para a entrega de ajuda e sustentando que matar 7 mil crianças e 4 mil mulheres seria Tel Aviv exercendo “seu direito à autodefesa”, o máximo a que o CS chegou, em meados de outubro, foi uma resolução pedindo “pausas humanitárias” e condenando a violência contra civis em Israel e Gaza.

Nos dois últimos dias, várias organizações ligadas à ONU sucessivamente advertiram que não há mais tempo a perder para deter a catástrofe em curso, decorrente da guerra de Israel contra a população, os hospitais e as escolas, a expulsão de 80% dos palestinos de suas casas e a chacina de mulheres e crianças.

Diante da escalada das atrocidades, o representante da Organização Mundial da Saúde (OMS) nos territórios palestinos ocupados, Richard Peeperkorn, advertiu em Genebra que Gaza “está perto da hora mais sombria da humanidade”.

“Os bombardeios estão a intensificar-se em todo o lado, mesmo nas zonas do sul”, ele acrescentou. Muitas pessoas estão desesperadas e “quase em estado de choque permanente”.

Pelo terceiro dia consecutivo, Rafah foi a única província de Gaza onde ocorreram distribuições limitadas de ajuda, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).

 “Os palestinos em Gaza estão vivendo um horror total e profundo”, afirmou o chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, na quarta-feira, ao pedir também um cessar-fogo imediato.

“Os civis em Gaza continuam a ser implacavelmente bombardeados por Israel e punidos coletivamente – sofrendo morte, cerco, destruição e privação das necessidades humanas mais essenciais, como alimentos, água, suprimentos médicos que salvam vidas e outros itens essenciais em grande escala”, disse ele em entrevista coletiva.

Ele disse que 1,9 milhão dos 2,2 milhões de habitantes do enclave palestino foram deslocados e estão sendo empurrados para “lugares cada vez menores e extremamente superlotados no sul de Gaza, em condições insalubres”.

A agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA) ecoou suas palavras, alertando que a situação em Gaza está “piorando a cada minuto”.

“Outra onda de deslocamentos está em andamento em Gaza”, disse a UNRWA em um post no X, classificando o enclave como “um dos lugares mais perigosos do mundo”. Cinco escolas da ONU foram bombardeadas por Israel em 24 horas, disse o Observatório Euro-Mediterrânico dos Direitos Humanos, que condenou nos “termos mais fortes” a escalada.

O coordenador de ajuda de emergência da ONU, Martin Griffiths, afirmou que a escalada israelense privou os trabalhadores humanitários de meios substanciais para ajudar os 2,3 milhões de pessoas em Gaza.

 “O que estamos dizendo hoje é basta, isso tem de parar”, ele disse ao jornal britânico The Guardian, a invasão israelense por terra virtualmente parou com toda a ajuda humanitária.

“Não é mais uma operação estatisticamente significativa, é um pouco um remendo em uma ferida e seria uma ilusão para o mundo pensar que as pessoas em Gaza podem ser ajudadas pela operação humanitária nessas condições”, ele acrescentou.

“Esta é uma situação apocalíptica agora porque esses são os resquícios de uma nação sendo empurrada para um bolsão no sul”, concluiu Griffiths.

Fonte: Papiro