Vencedora do Oscar, Olivia Colman lidera carta | Foto: Kevin Winter/AFP

Carta assinada por mais de 1300 artistas, escritores e personalidades da cultura repudiou a ação de instituições culturais dos países ocidentais de “reprimir, silenciar e estigmatizar as vozes e perspectivas palestinas”, denúncia que se deve à atual onda macartista contra aqueles que se indignam com o genocídio em curso em Gaza, o que se traduziu em demissões, cancelamento de exibições e lançamentos e corte de patrocínio.

A carta lembra que as Nações Unidas e centenas de juristas pediram à comunidade internacional que “evite o genocídio” e reitera que “como artistas, não podemos nos calar diante de violações tão flagrantes do Direito Internacional Humanitário.”

“Membros do governo de extrema direita de Israel pedem abertamente a limpeza étnica. O uso da fome como arma de guerra, juntamente com a negação da água e da eletricidade, é cruel além das palavras”.

“A luta pela libertação do racismo para palestinos e judeus é de libertação coletiva. Recusamo-nos a colocar uma comunidade contra a outra e nos posicionamos firmemente contra todas as formas de racismo, incluindo a islamofobia e o antissemitismo.”

DE OLIVIA COLMAN A KEN LOACH

Entre os signatários, estão a vencedora do Oscar, Olivia Colman, as vencedoras do Olivier Harriet Walter e Juliet Stevenson, as vencedoras do BAFTA Aimee Lou Wood e Siobhán McSweeney, Paapa Essiedu (I May Destroy You), Susanne Wokoma (Enola Holmes), Youseff Kerkour (Napoleão), Nicola Coughlan (Derry Girls, Bridgerton), Amir El-Masry (The Crown) e Lolly Adefope (Ghosts).

Também os cineastas Emma Seligman (Bottoms), Hany Abu-Assad (Omar), Ken Loach (Eu, Daniel Blake), Aki Kaurismaki (Drifting Clouds), Sara Driver (Boom For Real: The Late Teenage Years of Jean Michel Baquiat), Sally El-Hosaini (The Swimmers), exortaram as organizações artísticas a juntarem-se aos apelos por um cessar-fogo permanente e a “defenderem os artistas e trabalhadores que expressam o seu apoio aos direitos palestinos”.

TENTATIVA DE SILENCIAR E ESTIGMATIZAR

A carta assinala que, “longe de apoiar os nossos apelos ao fim da violência, muitas instituições culturais nos países ocidentais estão sistematicamente a reprimir, silenciar e estigmatizar as vozes e perspectivas palestinas”.

Isso inclui – destaca a carta – “atacar e ameaçar os meios de subsistência de artistas e trabalhadores das artes que expressam solidariedade aos palestinos, bem como cancelar apresentações, exibições, palestras, exposições e lançamentos de livros”.

“Apesar dessa pressão, artistas aos milhares seguem sua consciência e continuam se manifestando. A liberdade de expressão, tal como consagrada na Lei dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é a espinha dorsal das nossas vidas criativas e fundamental para a democracia”.

“Como artistas e trabalhadores da cultura, nos solidarizamos com aqueles que enfrentam ameaças e intimidações no local de trabalho. O setor das artes deve alinhar urgentemente as suas ações com os seus valores declarados de justiça e inclusão, e recusar a desumanização do povo palestino”.

“Recordamos às organizações culturais e aos seus financiadores a sua obrigação de defender o direito à liberdade de expressão e de defender o seu compromisso com a luta contra a discriminação”.

CENSURA COVARDE

Uma censura ainda mais covarde ao tentar silenciar os artistas “ameaçando os meios de subsistência” daqueles que se manifestam contra a barbárie que o mundo vem presenciando.

A carta registra como exemplos de censura, o “adiamento” pela Lisson Gallery de uma exposição londrina de Ai Weiwei; o cancelamento de última hora da exposição Afrofuturismo da curadora Anais Duplan, do Museu Folkwang, em Essen, e o cancelamento de uma exposição individual da artista Candice Brietz, ambas na Alemanha; o anúncio dos produtores de Hollywood de que haviam retirado a atriz Melissa Barrera de Pânico VII.

Em novembro, o Arnolfini, o Centro Internacional de Artes Contemporâneas de Bristol, desistiu de sediar eventos de cinema e poesia falada com curadoria do Bristol Palestine Film Festival, alegando que os eventos poderiam “se desviar para a atividade política”.

O signatário da carta, Hassan Abulrazzak, cuja peça ‘And Here I Am’, baseada na vida de um ator palestino, foi cancelada em Paris em outubro, disse: “Essa censura é tão frustrante quanto equivocada. Agora é a hora de ouvir os palestinos, entender como são suas vidas”.

DUALIDADE DE CRITÉRIOS

Ken Loach e os outros diretores de cinema denunciaram a “dualidade de critérios”, assinalando que “as expressões de solidariedade prontamente oferecidas a outros povos que enfrentam uma opressão brutal não foram estendidas aos palestinos”.

O premiado compositor Jocelyn Pook, Robert del Naja, Robert Wyatt, David Sylvian e o compositor eletrônico Rrose, juntamente com os artistas visuais Vanessa Jackson, Sean Edwards, Larissa Sansour, Luke Fowler, Mariam Tafakory, John Smith, Rosalind Nashashibi, Paul Noble, Florence Peake, John Keane e P Staff, dizem que “se solidarizam com aqueles que enfrentam ameaças e intimidação no local de trabalho”.

Eles alertaram que muitos artistas “estão se recusando a trabalhar com instituições que não cumprem [essas] obrigações básicas” de defender a liberdade de expressão e a antidiscriminação quando se trata de falar sobre a Palestina.

Dois mil poetas anunciaram um boicote à Poetry Foundation nos EUA depois que sua revista se recusou a publicar uma resenha de livro encomendada. Artistas e escritores internacionais declararam que não trabalharão mais com a revista Artforum, e a equipe editorial renunciou em resposta à demissão do editor David Velasco, que havia publicado uma carta, assinada por 8.000 artistas, que pedia um cessar-fogo e a “libertação palestina”.

ONU EXPRESSA “ALARME” DIANTE DA CENSURA

Na semana passada, o escritório da ONU em Genebra divulgou um comunicado intitulado “Falar sobre Gaza/Israel deve ser permitido”, em que expressou “alarme com a onda mundial de ataques, represálias, criminalização e sanções contra aqueles que expressam publicamente solidariedade com as vítimas do conflito em curso entre Israel e Palestina”.

“Artistas, acadêmicos, jornalistas, ativistas e atletas têm enfrentado consequências particularmente duras e represálias de Estados e atores privados por causa de seus papéis proeminentes e visibilidade”, sublinhou a ONU.

Gabriel Frankel, oficial jurídico do Reino Unido no Centro Europeu de Apoio Jurídico, que monitora incidentes de repressão contra defensores dos direitos palestinos, registrou que os trabalhadores das artes “têm permanecido firmes em seu compromisso com a justiça” e colocou o órgão à disposição daqueles que se sentirem ameaçados por essa censura.

A CARTA, NA ÍNTEGRA

“Ao Setor de Artes e Cultura, escrevemos a vocês como artistas e trabalhadores culturais unidos em nosso compromisso com a justiça, dignidade, liberdade e igualdade para todas as pessoas em Israel/Palestina. Consideramos cada vida preciosa e lamentamos cada morte.

A escala da violência que se desenrola em Gaza exige nossa atenção e ação coletivas.

Membros do governo de extrema direita de Israel pedem abertamente a limpeza étnica.

O uso da fome como arma de guerra, juntamente com a negação da água e da eletricidade, é cruel além das palavras.

A destruição generalizada de infraestruturas civis, o bombardeamento de hospitais, escolas, igrejas e mesquitas, a morte de 14.500 pessoas numa questão de semanas, equivalem a uma política de punição colectiva contra o povo palestiniano. As Nações Unidas e centenas de juristas pediram à comunidade internacional que evite o genocídio.

Como artistas, não podemos nos calar diante de violações tão flagrantes do Direito Internacional Humanitário.

Enquanto a catástrofe se desenrola, observamos uma ausência gritante de declarações de solidariedade com o povo palestino da maioria das organizações artísticas do Reino Unido.

Consideramos profundamente preocupante e, francamente, indicativo de um duplo padrão perturbador que as manifestações de solidariedade, que foram prontamente oferecidas a outros povos que enfrentam uma opressão brutal, não tenham sido alargadas aos palestinianos.

Tal discrepância levanta sérias questões sobre a parcialidade na resposta a graves violações de direitos humanos.

Longe de apoiar os nossos apelos ao fim da violência, muitas instituições culturais nos países ocidentais estão sistematicamente a reprimir, silenciar e estigmatizar as vozes e perspectivas palestinianas. Isso inclui atacar e ameaçar os meios de subsistência de artistas e trabalhadores das artes que expressam solidariedade aos palestinos, bem como cancelar apresentações, exibições, palestras, exposições e lançamentos de livros.

Apesar dessa pressão, artistas aos milhares seguem sua consciência e continuam se manifestando. A liberdade de expressão, tal como consagrada na Lei dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é a espinha dorsal das nossas vidas criativas e fundamental para a democracia. Recordamos às organizações culturais e aos seus financiadores a sua obrigação de defender o direito à liberdade de expressão e de defender o seu compromisso com a luta contra a discriminação.

Como artistas e trabalhadores da cultura, nos solidarizamos com aqueles que enfrentam ameaças e intimidações no local de trabalho. O sector das artes deve alinhar urgentemente as suas acções com os seus valores declarados de justiça e inclusão, e recusar a desumanização do povo palestiniano.

Apelamos ao setor das artes e da cultura para:

– Exigir publicamente um cessar-fogo permanente.

– Promover e amplificar as vozes de artistas, escritores e pensadores palestinos.

– Defender artistas e trabalhadores que expressam seu apoio aos direitos palestinos.

– Recusar colaborações com instituições ou organismos que sejam cúmplices de graves violações dos direitos humanos.

Ficar calado diante da injustiça em massa e do agravamento da crise humanitária seria uma revogação do dever moral. Silenciar ativamente os artistas e trabalhadores de princípio que cumprem esta responsabilidade é um incumprimento das obrigações legais em matéria de liberdade de expressão e de luta contra a discriminação. Muitos artistas estão se recusando a trabalhar com instituições que não cumprem essas obrigações básicas.

A luta pela libertação do racismo para palestinos e judeus é de libertação coletiva. Recusamo-nos a colocar uma comunidade contra a outra e nos posicionamos firmemente contra todas as formas de racismo, incluindo a islamofobia e o antissemitismo.

No espírito da justiça, da igualdade e dos valores compartilhados das artes, pedimos que você adote uma postura de princípios.”

Fonte: Papiro