Exército Zapatista de Libertação Nacional celebra 40 anos de resistência em Chiapas
Por Juan Popoca, em Aguascalientes
Hoje marca o 40º aniversário da fundação do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), um marco na história contemporânea do México. Fundado em 17 de novembro de 1983 por seis guerrilheiros, três deles mestiços (Caxlanes) e três indígenas, o EZLN emergiu das Forças de Libertação Nacional (FLN) como um braço armado dedicado a promover mudanças sociais e políticas em nível nacional.
O poder era exercido no Estado por agricultores abusivos que exploravam selvagemente a mão de obra indígena e exerciam a grilagem, praticavam a pecuária predatória extensiva e derrubavam florestas e selvas. Para sua proteção e subjugação dos descontentes, contavam com guardas brancos e serviços do Exército. Esta era a realidade a ser enfrentada pelo EZLN.
Os três líderes mestiços, Germán, Rodrigo e Elisa, comandantes da FLN, junto a três guerrilheiros indígenas, Jorge, Javier e Frank, fundaram em 17 de novembro de 1983 o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), um marco que se revelaria como uma resistência duradoura e significativa. Um período que coincide com o avanço das revoluções na Nicarágua, El Salvador e Guatemala.
Como comparou o Subcomandante Marcos, na celebração de 20 anos, em 2003, dos primeiros 6 insurgentes, três eram mestiços e três eram indígenas. “A proporção de 50% de mestiços e 50% de indígenas não se repetiu nos 20 anos do EZLN, nem a proporção de mulheres (menos de 20% naqueles primeiros tempos). Atualmente, vinte anos depois daquele 17 de novembro, o percentual deve ser de 98,9% de indígenas e 1% de mestiços. A proporção de mulheres está agora perto de 45%”.
Por Víctor Mendiola em Guadalupe Tepeyac
Dignidade nativa
O acampamento inaugural, denominado La Garrapata, localizado na comunidade de Chuncerro, município de Ocosingo, Chiapas, foi o ponto de partida para uma jornada de quatro décadas de resistência. A FLN, comandada por três líderes notáveis – Comandante Germán (César Germán Yáñez Muñoz), Comandante Rodrigo (Federico Ramírez), e Comandante Elisa (Gloria Benavides) –, estabeleceu o EZLN para operar em várias frentes de ação, planejando uma revolução nacional.
O que o EZLN encontrou em Chiapas foram centenas de comunidades politizadas e coesas, uma multidão de líderes indígenas autênticos (muitos formados pela igreja), e organizações sociais com cada vez menos capacidade de gestão. Além da repressão selvagem. Apesar dos seus feitos organizacionais, da sua formação e das suas lutas, a discriminação, os maus-tratos e a humilhação persistiram. Os zapatistas deram às comunidades o que o governo lhes havia negado: a satisfação do desejo de saber, a reconstituição como povos, o orgulho de serem quem eram, a dignidade rebelde. O surgimento do EZLN provocou uma mudança na percepção social do que são os povos indígenas. Isso abalou a consciência social.
Ao longo desses 40 anos, o EZLN transcendeu seu papel militar inicial, alcançando influência em diversas esferas da vida pública, incluindo política, ideológica e, especialmente, entre os povos indígenas. Reconhecimento e apoio internacional foram conquistados, destacando o EZLN como um dos grupos armados mexicanos mais notórios globalmente.
A ascensão do EZLN após o levante armado de 1994 é notável, tendo o Subcomandante Marcos desempenhado um papel crucial. Recrutado pela FLN em 1979, Marcos tornou-se líder militar da frente sudeste, desempenhando um papel significativo no levante de 1994. Desde então, o EZLN tem estado em constante evolução, enfrentando desafios como a violência causada pelo narcotráfico em Chiapas.
A história do EZLN é marcada por eventos-chave, incluindo confrontos militares, sua transição para a vida pública e a formação de estruturas governamentais autônomas. A mudança geracional de liderança também está em andamento. Enquanto o EZLN se reafirma como um exército beligerante, sua influência se estende às comunidades autônomas locais, substituindo as Juntas de Bom Governo e Municípios Autônomos.
40 anos após a sua fundação, o EZLN encontra-se numa fase de redefinição como exército beligerante, como é oficialmente desde 1994; também nas estruturas governamentais autônomas que começaram a ser adotadas pelos povos indígenas a partir de dezembro de 1994; e eventualmente na mudança geracional dos seus líderes. Sem deixar de lado a realidade que vive Chiapas com as quadrilhas do narcotráfico disputando o território e a violência que também produzem no território sob o controle do EZLN, o que levou à substituição das Juntas de Bom Governo e Municípios Autônomos por Governos Autônomos Locais (GAL).
A fundação do EZLN foi o resultado de décadas de preparação político-militar discreta pela FLN, que enfrentou adversidades desde 1969. O EZLN foi concebido como resposta à necessidade de um exército guerrilheiro em Chiapas, encontrando terreno fértil após a retirada de grupos maoístas da região. O Sub Marcos conta que as tarefas de sobrevivência, incluíam conhecimento de caça, pesca e coleta de frutas e plantas silvestres. Mas também conhecimento do terreno, ou seja, orientação, caminhada, topografia. “Nessa época estudamos estratégias e táticas militares nos manuais do exército federal norte-americano e mexicano, e o uso e cuidado de diversas armas de fogo, bem como as chamadas ‘artes marciais’. Também estudamos história mexicana e, aliás, levamos uma vida cultural muito intensa”.
Marcos lembra com humor do segundo aniversario, comemorado em 1985. “Se a matemática não me falhar, éramos quatro naquele acampamento. Comemoramos com torradas, café, pinole com açúcar e uma cojola que matamos pela manhã. Havia canções e poemas. Um cantava ou declamava e os outros três aplaudiam com um tédio digno de uma causa melhor. Por minha vez, com um discurso solene disse-lhes, sem outros argumentos além dos mosquitos e da solidão que nos cercava, que um dia seríamos milhares e que a nossa palavra daria a volta ao mundo. Os outros três concordaram que a torrada provavelmente estava estragada, que provavelmente tinha me machucado e por isso eu estava delirando. Lembro que choveu naquela noite”. No décimo aniversário, em 1993, já podiam contar milhares.
Os três comandantes fundadores, cada um com uma história marcante de sobrevivência e resistência, lideraram a jornada até a Selva Lacandona, onde estabeleceram o primeiro acampamento. A transição para o EZLN foi, no entanto, pontuada por confrontos, como o ocorrido em Corralchén em 1993, que marcou o fim da clandestinidade.
Na madrugada de 1º de janeiro, o fotógrafo Antonio Turok encontrou os zapatistas e a tomada de um município em San Cristóbal de las Casas. Tomaram os principais municípios da cidade e da selva, e o mais importante de todos foi San Cristóbal. Essa foto já é um ícone.
Depoimentos e documentos
A história do EZLN foi recentemente documentada no quarto volume de “Dignificar a História”, intitulado “Tomada dos Povos”. Este volume, publicado pela La Casa de Todos y de Todos, destaca a importância dos testemunhos diretos dos fundadores, como Frank e Jeremías, além de apresentar documentos do arquivo da FLN que descrevem a fundação do EZLN há quatro décadas.
A FLN, criada em 6 de agosto de 1969 por César Germán Yáñez Muñoz, conhecido como Pedro, já trazia consigo a semente do zapatismo. Inicialmente, a FLN buscava criar um núcleo guerrilheiro em Chiapas desde 1969, mas só em 1983 efetivamente viu seu objetivo realizado ao fundar o EZLN como seu braço armado. Segundo relatos do Comandante Germán, a FLN determinou em 1980: “vamos criar um exército que se chamará Exército Zapatista de Libertação Nacional, que se dedicará às operações de guerrilha, onde podemos encontrar um caminho?”. “Sabíamos que era em Chiapas”, segundo o que o Comandante Germán.
A FLN estabeleceu-se em Chiapas após a saída de um grupo maoísta, liderado por Adolfo Orive, que fracassou em suas tentativas de transgredir as estruturas das comunidades locais. A diocese de San Cristóbal de Las Casas, liderada por Dom Samuel Ruiz García, testemunhou as diferentes abordagens de grupos, incluindo os maoístas e a FLN, em suas tentativas de conquistar um espaço entre os povos indígenas.
Os três Comandantes da FLN, Germán, Rodrigo e Elisa, que mais tarde se tornariam os pilares do EZLN, tiveram trajetórias marcadas por sobrevivência e resistência. Germán, o cérebro militar da FLN, sobreviveu ao confronto inicial em 1971 e participou ativamente na reconstrução da organização. Rodrigo, recrutado em 1973, foi estrategista político e elaborou o Regulamento Insurgente do EZLN em 1985; ele foi o responsável por alcançar a solidariedade internacional que o zapatismo tinha antes do levante. Elisa, sobrevivente de um ataque em 1974, foi designada pelo governo em 1995 como parte da liderança zapatista.
A fundação do EZLN, em 17 de novembro de 1983, não foi automática. Os fundadores, seis guerrilheiros liderados por três Comandantes da FLN, tiveram um processo preparatório de três anos. Em 1982, liderados por Germán, Rodrigo e Elisa, começaram a se deslocar novamente para Chiapas, agora como o Zapatista Exército de Libertação Nacional.
O EZLN viveu na clandestinidade até maio de 1993, quando o Exército Mexicano confrontou o movimento nas montanhas de Corralchén, destruindo o acampamento rebelde chamado Las Calabazas. O primeiro confronto, em maio de 1993, foi o preâmbulo para o levante armado em janeiro de 1994, quando o EZLN declarou guerra, coincidindo com a entrada em vigor do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
O legado do EZLN perdura, resistindo ao tempo e desafios, com o Subcomandante Marcos, nomeado capitão pelos Comandantes Germán e Rodrigo em 1983, continuando a liderar o movimento como chefe militar até os dias atuais. Quatro décadas depois, o EZLN é mais do que uma lembrança histórica; é uma voz contínua de resistência e busca por justiça social.
À medida que o EZLN atinge esse marco significativo, sua luta continua a inspirar movimentos sociais em todo o mundo, consolidando seu lugar na história como um ícone de resistência e busca por justiça social. O aniversário de 40 anos não apenas celebra o passado, mas também destaca o compromisso contínuo do EZLN em moldar o futuro.
(por Cezar Xavier)