Soldados da invasão a Gaza circulam pela devastação que produziram | Foto: Reprodução

O veterano jornalista norte-americano Patrick Lawrence, ex-correspondente no exterior do International Herald Tribune e atualmente um precioso contribuinte para o ScheerPost e o Consortium News, dois redutos nos EUA do jornalismo honrado, reagiu, como ele relatou, “com o mais profundo nojo” a um vídeo, enviado por seu editor, sob o assunto “Tendência perturbadora em Israel”.

Um vídeo – ele descreveu – que supera “tudo”. “Apresenta uma série de cenas em que os israelenses se registram sadicamente ridicularizando os palestinos da maneira mais cruel. Eles imitam crianças palestinas morrendo ou passando fome. Eles aplicam maquiagem racialmente ofensiva. Eles riem e dançam enquanto acendem e apagam luzes e enquanto bebem ostensivamente água das torneiras – esta última para zombar dos habitantes de Gaza, já que Israel os priva de energia, água potável, comida e muito mais.”

“E estou descrevendo as crianças nesses vídeos, variando em idade de, talvez, 6 ou 7 anos até algum lugar em sua adolescência, ou início de vinte anos. As mães ficam atrás delas, sorrindo com aprovação e prazer. Aqui está o vídeo postado pela Al Jazeera English na semana passada.”

Lawrence observa que para os estudiosos do direito internacional, relatores especiais [da ONU] e afins, “o que testemunhamos diariamente agora é, por todas as definições aceitáveis, um genocídio”. Se Israel está ou não cometendo crimes de guerra a cada hora – ele acrescenta -, “nem vale a pena debater.”

RACISMO

“Sinto-me tomado pelo espetáculo de seres humanos que se deixaram destruir em nome de uma ideologia que se revela tão racista como foi quando, em 1975, a Assembleia Geral da ONU declarou que o sionismo era assim.” A Resolução 3379 – ele acrescenta – foi revogada em 1991; não deveria ter sido.

Lawrence se referiu ao estudo que fez da conduta do Exército Imperial Japonês na China e na Coreia antes e durante a Segunda Guerra Mundial e o longo histórico da Kempeitai, a ‘Polícia do Pensamento’ do Japão Imperial. “Vitimizadores, cheguei a concluir com convicção, também são vítimas”, ele concluiu. O que vale para as pessoas desses vídeos e para todos os israelenses que usam um uniforme das IDF.

Para o jornalista norte-americano, “eles foram despojados de toda a decência comum pelos ideólogos radicais do ‘Estado judeu’. Eles podem rir, zombar ou puxar todos os gatilhos que quiserem: suas vidas também foram destruídas”. Veja os vídeos, ele convoca: “A prova disso está em todos os quadros.”

CULTURA DE XENOFOBIA E ÓDIO

Esses vídeos – destaca Lawrence – não foram gravados isoladamente. “Refletem uma cultura de racismo, xenofobia, ódio e — vemos isso agora — sadismo que se orgulha de si próprio há muitos anos. Esses sentimentos são instrumentos do Estado, cuidadosamente cultivados.”

Ele relembra dos vídeos gravados na época da crise de Al Aqsa, há dois anos. “Jovens israelenses com uniformes escolares cintilantes ou roupas elegantes pulavam para cima e para baixo em uma espécie de frenesi nas ruas de Jerusalém, enquanto gritavam: ‘morte a todos os árabes’”.

“Li aquelas imagens olhando para trás e para frente: eram as flores do século de doutrinação oficial do Estado israelense e um prelúdio para os vídeos que saem agora”, registra Lawrence.

Ele cita o grande historiador Arnold Toynbee, que argumentou, nos 12 volumes de ‘A Study of History’, que as civilizações surgem quando as elites criativas respondem a novas circunstâncias com imaginação e coragem, enquanto declinam, por sua vez, não em consequência de fatores externos, mas devido a colapsos espirituais internos.

“Este é o Israel de Bibi Netanyahu, o Israel cujo plano, sabemos por meio de um documento oficial vazado no fim de semana, é limpar etnicamente Gaza e incorporá-la ao Estado judeu. Seus líderes são brutos e – como mostram os vídeos que me refiro – destruíram o espírito humano de Israel.”

Um contratado do Pentágono que visitou Israel dezenas de vezes ao longo de muitos anos – registra Lawrence – relatou em uma entrevista exibida recentemente o declínio constante em qualquer crença em uma solução pacífica da crise Israel-Palestina que ele detectou desde 2007.

“Uma manchete nas edições de segunda-feira do Times, registrando essas mudanças de desejos e expectativas: ‘Eu não tenho essa empatia. Não sou mais eu.’ Esta é a voz de uma nação que se demoliu em suas tentativas de destruir os outros”, destaca o jornalista.

‘POVO DA LUZ’

“Somos o povo da luz, eles são o povo das trevas”, disse Netanyahu em um discurso muito comentado à nação na semana passada, “e a luz triunfará sobre as trevas”. Esta é a declaração de um destruidor – de pessoas, de esperança – um homem que não consegue encontrar seu caminho para sair do Antigo Testamento e exige que vivamos nele com ele, um homem que simplesmente não deveria estar liderando nada no século 21, afirma Lawrence.

Ele acrescentou que “nós, americanos, somos instados diariamente a apoiar a depravação em que este homem conduz Israel cada vez mais profundamente. A depravação de Netanyahu, a de Israel, também deve ser nossa. Somos instados agora a apoiar abertamente os crimes de guerra e um genocídio”.

E assim – ele sublinha – também nós estamos, em consequência, “deixando que a campanha intencionalmente aterrorizante de um Estado de apartheid contra os palestinos acelere nossa nação nada resistente ao tipo de colapso interno que Toynbee descreveu como a dinâmica do declínio.”

VESTINDO A SELVAGERIA SISTÊMICA 

Por todo os Estados Unidos, assinala Lawrence, há confrontos “entre aqueles que argumentam em nome de suas consciências e aqueles que censuram, xingam, destroem ou tentam arruiná-los por não apoiarem assassinatos abertos e fechados”.

São exemplos disso a ameaça de doadores ricos na Universidade da Pensilvânia de reterem seu apoio se o governo não se manifestar a favor dessa selvageria. Da mesma forma, o Sindicato dos Roteiristas do Oeste está sob ataque por se abster.

Artforum, o cronista mensal da cena da galeria, demitiu seu editor por assinar uma carta aberta pedindo um cessar-fogo, enquanto colecionadores ameaçam “desanexar” as obras de artistas que também assinaram. Um menino palestino de 6 anos foi assassinado por um homem de 71 anos perto de Chicago e sua mãe ficou em estado crítico.

Lawrence denuncia que nos Estados Unidos muitos mergulharam “no argumento vergonhosamente cínico de que se opor à operação israelense em Gaza é antissemita.” Os chineses levantaram as mãos para contribuir para um cessar-fogo e negociações para um acordo duradouro de um ou outro tipo, mas a China é antissemita porque não condenou o ataque do Hamas.

DIREITO DE EXISTIR “EM RISCO”?

O jornalista destaca o caso de uma burocrata de museu chamada Sarah Lehat Blumenstein, que está perseguindo os artistas que se manifestaram a favor do cessar-fogo, e que disse em entrevista ao Times que essa sanha reflete “um medo de que o crescente antissemitismo esteja colocando em risco seu direito de existir”.

Declaração – observa Lawrence – que propõe uma equivalência patentemente ridícula, embora emblemática do clima pós-7 de outubro. “Se você se opõe à operação de genocídio dos israelenses e apenas pede um cessar-fogo, algum funcionário do museu está com medo de que sua vida esteja sob ameaça? Vejo isso como mais do que um uso indevido vulgar da história e um uso desdenhoso do cartão de vítima. Isso reflete uma nação que não sabe mais dar sentido a si mesma.”

Trata-se, assinala o jornalista, de propor “proibir o exercício da consciência”, proibir “condenar a violência fora de controle de uma nação abertamente racista”. Não, você não pode pensar isso. Não, não se pode dizer isso, ele acrescenta.

É preciso – convoca Lawrence – pensar e dizer isso, tornar públicas as histórias dos “bons e bem-intencionados companheiros que apoiam as atrocidades”.

“INSTADOS A APROVAR A LIMPEZA ÉTNICA”

O veterano jornalista aponta que a política externa dos EUA “não teve por muitas décadas muito a ver com os ideais da civilização ocidental como fomos ensinados a pensar neles”. Mas, agora, os americanos cujos impostos pagam pela política estão sendo instados “a aprovar crimes de guerra, violência contra não combatentes, limpeza étnica”.

“O que Israel está custando aos americanos?”, ele pergunta. E responde: “Nós mesmos e nosso auto-respeito, nossa coerência psicológica, nosso olhar para a história, nossa cultura, nossa humanidade.”

Lawrence enfatiza a recusa de Israel, dos EUA e do resto do Ocidente em reconhecer o gravíssimo erro de Al Nakba em 1948, quando começou a remoção forçada de palestinos de suas terras.

Ele volta a lembrar Toynbee: ninguém no poder tem criatividade, imaginação ou confiança para enfrentar o presente como consequência desse erro e começar a agir para corrigi-lo. Enquanto que Israel continuará “a puxar-nos mais na direção errada”. E conclui, dizendo que espera “não estar por perto no dia em que os americanos começarem com os vídeos sádicos.”

Fonte: Papiro