A ministra Braverman foi demitida pelo primeiro-ministro Sunak | Foto: Reprodução

O primeiro-ministro conservador do Reino Unido, Rishi Sunak, demitiu na segunda-feira (13) a ministra do Interior, Suella Braverman, após o país viver a maior manifestação da história em apoio aos palestinos e contra o genocídio em Gaza, com 800 mil pessoas, apesar da tentativa da ministra de insuflar uma turba de fascistas e tentar impedir sua realização.

O que só não se tornou um desastre, no dia em que é comemorado o Armistício de 1918, o fim da I Guerra Mundial em 11 de novembro, por causa da serenidade dos participantes da manifestação pelo cessar-fogo e de seus organizadores, e ainda da recusa da polícia londrina a fazer o jogo da extrema-direita.

Em artigo na semana passada no tradicional jornal Times, Braverman havia chamado os protestos contra o genocídio em Gaza de “manifestações de ódio e anti-semitismo”, chegando até mesmo a acusar a polícia londrina de favorecimento de manifestantes pró-palestinos, de ativistas antirracismo e pessoas em geral de esquerda, em comparação com o tratamento, segundo ela, dado aos protestos da direita radical e aos opositores do confinamento durante a pandemia de covid-19.

Nos últimos meses, Braverman havia assumido o papel de porta-voz da ala mais radical do Partido Conservador, sempre contando com o apoio de Sunak. Com o episódio do 12 de novembro, sua situação tornou-se politicamente insustentável para o primeiro-ministro, que resistiu a demiti-la até ao último segundo.

Filha de imigrantes do sul asiático que chegaram ao Reino Unido nos 1960, vindos do Quênia, recém liberto da condição colonial, Braverman vinha ensaiando ser uma Trump de saias, responsabilizando “a imigração descontrolada” e o “dogma falacioso do multiculturalismo” pela crise da decadência imperial britânica e atacando em seus discursos a “esquerda radical”.

PROVOCAÇÃO FINAL

Como registrou o Guardian, a “provocação final de Braverman – atacar a polícia como sendo politicamente tendenciosa por se recusar a proibir um protesto organizado legalmente – significava que seu futuro dependia de ter razão: ela precisava que as ‘marchas do ódio’ pró-palestinas se tornassem violentas. ‘Orem para que eles não acabem com um motim no Cenotáfio’, esparramou o Daily Mail, claramente ansiando por caos para vingá-la.”

Ainda segundo o Guardian, o comissário da polícia metropolitana, Mark Rowley, merece “uma medalha por se manter firme pelo direito de protestar, com grande risco para sua reputação”. Todos esperavam – acrescenta a articulista Polly Toynbee – para ver se “um motim provaria que ela estava certa e ele errado. Politicamente, ela precisava de problemas”.

Para o Guardian, ela conseguiu, mas não dos manifestantes pró-palestinos. “Em vez disso, o problema veio da tropa de choque de arruaceiros que foram encorajados por suas acusações vergonhosas de favoritismo policial a manifestantes de esquerda e do Black Lives Matter”.

A correçao do comissário Rowley foi reconhecida pelo jornal progressista inglês Morning Star, que disse que ele “protegeu com sucesso a ordem pública e permitiu que a enorme marcha de solidariedade à Palestina prosseguisse sem provocação”.

O Morning Star observou que o premiê Sunak havia tentado “estabelecer uma narrativa para sugerir que a manifestação de cessar-fogo em Gaza e o abertamente antecipado ataque fascista eram igualmente propensos a se tornarem violentos”.

“Em vez disso, 800.000 manifestantes, excepcionalmente bem organizados, pedindo um armistício em Gaza, prosseguiram pacificamente, enquanto os esquadrões fascistas – cujo objetivo era sequestrar a cerimônia do Cenotáfio [o Dia do Armistício] e atacar a manifestação palestina – entraram em choque com a polícia.”

O que – acrescentou o Morning Star – “significou o colapso da narrativa de Sunak”.

O editorial do Morning Star acabou sendo profético. “Do jeito que está, a ministra do Interior, nominalmente responsável perante o Parlamento pela ordem pública, agora não consegue conciliar sua leitura farsesca da situação com a verdade transparente de que sua recém-adquirida comitiva fascista foi a fonte do único ódio e violência que ameaçaram o Cenotáfio neste fim de semana. Se o primeiro-ministro não a demitir, a sua autoridade política fica ainda mais corroída.”

Nesse quadro, que segue a pesquisas e eleições locais muito desfavoráveis para o Partido Conservador, Sunak demitiu Braverman, que foi substituída por James Cleverly. Aproveitou para fazer uma recauchutagem no seu ministério e até trouxe de volta o ex-primeiro-ministro David Cameron, agora como ministro das Relações Exteriores.

DEPORTADORA DE IMIGRANTES

Ao ser demitida, Braverman deixa como principal “realização” como ministra do Interior o polêmico plano de envio de requerentes de asilo para Ruanda, país africano localizado a mais de seis mil quilômetros do território britânico – uma imitação piorada da tática de Trump de forçar os requerentes de asilo a aguardar no vizinho México.

Braverman chegou a dizer que era “um sonho e uma obsessão” ver o primeiro avião com deportados a aterrar em Ruanda. Em junho, o plano foi bloqueado pelo Tribunal de Recursos da Inglaterra e do País de Gales, que reverteu uma decisão anterior, do Tribunal Superior.

Na próxima quarta-feira, o destino do xenófobo plano de Braverman poderá ser selado na última instância judicial britânica.

 ARMISTÍCIO

“O próprio Dia do Armistício está carregado de contradições. Inaugurado para lembrar os mortos da grande guerra de 1914-18 por uma nação horrorizada com o massacre sem sentido, seu significado renovado para o povo britânico e nossos aliados na guerra de meados do século contra o fascismo colocou-o no centro de nossa consciência nacional”, registrou o Morning Star que antes chamara a atenção para a manifestação em Londres que “marchou pelo armistício em Gaza”.

Ao mesmo tempo, assinalou o Star, o Estado imperial britânico procurou imbuir o evento anual com um sentido de que “recordamos tanto os mortos quanto os veteranos de todas as guerras em que nossos militares e mulheres morreram sem entender que alguns morreram na defesa de nosso país da invasão, outros na luta contra o fascismo, mas muitos em guerras de opressão colonial e pilhagem imperialista”.

“A nação, e especialmente a classe trabalhadora, chora seus mortos – mas aqueles movidos pela dupla tragédia dos trabalhadores que morrem em guerras imperiais verão mais claramente que, quando fascistas são mobilizados por um ministro de Estado, qualquer autoridade moral residual é retirada do governo”.

De maneiras diferentes, acrescentou o jornal, tanto Sunak quanto Braverman interferiram no movimento por um cessar-fogo em Gaza.

“O equilíbrio de forças está visivelmente mudando e o terreno em que eles e Starmer [líder trabalhista] colocam sua oposição a um cessar-fogo está diminuindo.” O governo, e o ministro do Interior em particular, “fizeram tudo o que podiam para desviar o movimento, mas falharam por causa do tamanho e da força do movimento”.

O Morning Star voltou a saudar que o comando da Polícia Metropolitana haja mantido “a coragem e a percepção de que os reais interesses do Estado estavam em manter a política do momento dentro dos limites da lei”.

O que – acrescentou – “não deve nos cegar para o perigo representado por uma direita conservadora que, a partir de cargos ministeriais, incitou a violência fascista em nossas ruas para obter vantagens políticas”.

Fonte: Papiro