Israel proíbe a entrada de Martin Griffiths da ONU no país | Foto: AFP

Em represália ao sabidamente muito moderado secretário-geral da ONU ter lembrado que “56 anos de ocupação sufocante” precederam o ataque do Hamas do dia 7, o embaixador de Israel, Gilad Erdan, anunciou na quarta-feira (25) que irá recusar vistos a funcionários das Nações Unidas, depois de, na véspera, ter exigido a “demissão” de Guterres.

“Devido às suas observações [de Guterres], recusaremos a emissão de vistos para representantes da ONU”, disse Erdan à Rádio do Exército. “Já recusamos um visto ao subsecretário-geral para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths. Chegou a hora de lhes ensinar uma lição”, disse o embaixador, ao dar sua contribuição para aprofundar a condição de Estado pária de Israel.

“ISRAEL USA FOME COMO ARMA”, DIZ A OXFAM

Proibir o visto ao subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários Griffiths, em meio à carnificina cometida pelo exército israelense em Gaza, com quase 6 mil palestinos mortos, a metade, crianças, hospitais em colapso ou bombardeados, e com a organização humanitária católica Oxfam denunciando que Israel está “usando a fome como arma”, beira a psicopatia.

Aliás, nesse mesmo discurso, Guterres havia advertido que “ninguém está acima da lei internacional”. Já o Ministério das Relações Externas palestino descreveu o apelo pela demissão de Guterres como uma “extensão” do “desrespeito e falta de compromisso” de Israel para com a ONU, a sua carta e as resoluções relativas à Palestina nunca acatadas por Israel.

Por sua vez, Guterres voltou a reiterar um apelo por um “cessar-fogo humanitário imediato” em Gaza para “aliviar o sofrimento épico, tornar a entrega de ajuda mais fácil e segura e facilitar a libertação de reféns”, como vem sendo pedido pela maior parte da comunidade internacional, inclusive o Brasil.

O secretário-geral se disse “chocado” com a “deturpação” das suas observações por parte de autoridades israelenses. Entidades de direitos humanos pediram a ONU que resista as manobras de “intimidação” de Israel. Na semana anterior, a organização israelense B’Tselem, a Anistia Internacional e grupos norte-americanos liderados por judeus, Se Não Agora e Voz Judia pela Paz, pediram um cessar-fogo imediato em Gaza.

Segundo a Al Jazeera muitos países saudaram a “abordagem muito equilibrada” de Guterres, enquanto o embaixador Erdan via “compreensão pelo terrorismo e assassinato”. Mas Guterres havia sido explicito: “as queixas do povo palestiniano não podem justificar os horríveis ataques do Hamas. Esses ataques horrendos não podem justificar a punição coletiva do povo palestino”.

Na reunião dessa quarta-feira (25) do Conselho de Segurança da ONU a resolução proposta pelos EUA, basicamente para dar luz verde ao massacre de civis em curso, sob o pretexto de “direito de defesa” de Israel e anódina alusão ao “cumprimento da lei internacional” sem declaração de cessar-fogo, acabou vetada por Rússia e China.

“Estamos surpresos com novas tentativas de adotar uma resolução que não inclua qualquer pedido de cessar-fogo para evitar uma maior deterioração da situação que possa levar a região a uma conjuntura perigosa”, pronunciou-se o ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry.

Antes, proposta russa que pedia um “cessar-fogo humanitário” e o cancelamento imediato, por Israel, da ordem de retirada dos palestinos do norte de Gaza, apresentada junto com os Emirados Árabes, não passou. “Ideias ideológicas e interesses políticos” impediram a aprovação, disse o representante russo na ONU, Vasily Nebenzya.

Sobre a proposta dos EUA, o diplomata russo observou ser “cheia de provisões dúbias e politizadas”, querendo garantir a situação política do país na região e não diminuindo as tensões, sem chamar a um cessar-fogo e sem condenar “ataques arbitrários contra alvos civis em Gaza”.

O chanceler jordaniano,  Ayman Safady, cobrou do Conselho de Segurança “uma posição clara para tranquilizar dois bilhões de árabes e muçulmanos de que o direito internacional será aplicado”.

Nesta quinta-feira (26), a Assembleia-Geral da ONU se reúne para debater o conflito no Oriente Médio e uma resolução de iniciativa dos 57 países de maioria muçulmana (integrantes da Liga Árabe e Organização para a Cooperação Islâmica) poderá ser votada na sexta-feira (27).

Para aprovação, são necessários dois terços dos votos e não há poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança. A minuta submetida pelos países muçulmanos acompanha, em grande medida, a proposta apresentada pelo Brasil na semana passada, chegou a ser aprovada, mas foi vetada por Washington.

Não fala em “direito de autodefesa” de Israel, pede um “cessar-fogo imediato” e pede que as ordens de evacuação dos palestinos do norte de Gaza sejam encerradas. O documento chama, ainda, a “prevenir maior desestabilização e escalada da violência na região” e as partes a “exercitar máxima contenção”. Embora sem caráter de cumprimento obrigatório, do ponto de vista político a aprovação terá peso relevante.

Fonte: Papiro