Jornalista Roshdi Sarraj, agora falecido, quando reportava a devastação em Gaza | Foto: Democracy Now

Roshdi Sarraj está agora entre os pelo menos 23 jornalistas mortos desde 7 de Outubro, quando tentava proteger a sua mulher e filha de um ataque aéreo israelense próximo à sua casa. O ataque aéreo sobre o bairro Tel Al-Hawa, no domingo (22), na cidade de Gaza, lhe foi fatal.

Segundo a agência de notícias palestina WAFA, o bombardeio de Tel al-Hawa foi um dos muitos ataques realizados em várias áreas da Faixa de Gaza, matando pelo menos 32 palestinos.

O apartamento de Roshdi foi danificado na primeira semana da guerra e, juntamente com a sua esposa Shorouq e a filha Dania, de um ano, mudou-se para a casa da família no bairro de Tel al-Hawa.

“Os israelenses bombardeavam a nossa área sem trégua”, disse Yahya al-Sarraj, pai de Roshdi e prefeito municipal da Cidade de Gaza. “Roshdi tentou proteger sua esposa e filha quando o ataque aéreo israelense ocorreu”.

A casa da família foi gravemente danificada, mas os 10 familiares que ali residiam sobreviveram, exceto Roshdi, que foi atingido por estilhaços do ataque israelense.

Ele foi transportado para o hospital e declarado “mártir” antes de seu enterro.

O pai, Al-Sarraj, elogiou a coragem e bravura de seu filho. “Roshdi considerou que o trabalho da sua vida era transmitir a realidade do que está acontecendo em Gaza, que ele amava intensamente apesar das políticas sufocantes da ocupação israelense no território.

“Ele iria ao Catar para uma viagem de trabalho depois de realizar peregrinação a Meca”, disse al-Sarraj. “Mas quando a agressão israelense começou, ele cancelou imediatamente e voltou para Gaza”.

Roshdi recusou-se a deixar a Cidade de Gaza e ir para o sul, acrescentou o seu pai, inflexível em “permanecer onde estava, dizendo que não seria deslocado e escrevendo nas suas contas nas redes sociais que a única forma de deixar Gaza seria ir para o céu”.

“Ele se importava com a verdade”, continuou al-Sarraj. “Desde o início da guerra, ele estava envolvido em retirar pessoas dos escombros com as próprias mãos, incluindo duas meninas com deficiência física”.

Roshdi começou sua carreira como jornalista por volta de 2012, disse seu amigo e colega jornalista Hosam Salem à Al Jazeera. Originalmente um repórter fotográfico, ele co-fundou a Ain Media, uma empresa privada de mídia na Palestina, naquele ano juntamente com Yaser Murtaja.

Murtaja foi morto a tiros por um atirador israelense há cinco anos, enquanto cobria os protestos da Grande Marcha do Retorno de 2018 na Faixa de Gaza, vestindo todo o seu equipamento de imprensa.

Roshdi trabalhou anteriormente como fotógrafo para a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina (UNRWA), foi intermediário em Gaza para várias agências de notícias internacionais, incluindo a Rádio França, e produziu um curta-metragem com a Anistia Internacional.

HOMENAGENS

A morte de Roshdi perturbou a comunidade local e internacional, gerando uma série de homenagens de luto nas redes sociais que o elogiaram como amigo e como profissional.

Ain Media divulgou um comunicado, chamando-o de “brilhante fotojornalista e cineasta”.

“Gaza é vida”, disse a Ain Media em um post no X. “Roshdi e Yaser são vida: eles deram voz ao povo de Gaza, aos seus sorrisos, às histórias trancadas no medo, às esperanças acalentadas secretamente sob a opressão da ocupação israelense”.

O conhecido fotojornalista internacional Wissam Nassar lamentou seu amigo no Instagram: “Meu grande amigo, Rushdi Sarraj, foi morto no bombardeio israelense em sua casa. Ele era um fotojornalista e diretor talentoso que contava de forma criativa as histórias dos habitantes de Gaza sob guerra e cerco. Que você descanse em paz.”

Seu colega Hosam Salem também prestou homenagem ao seu amigo com um emocionante carrossel de imagens no Instagram, escrevendo: “Meu melhor amigo acabou de ser morto em um ataque aéreo israelense em Gaza. Que Deus tenha misericórdia e o aceite”.

A Radio France Internationale (RFI), a rede estatal de notícias de rádio internacional da França, publicou uma declaração prestando homenagem ao “importante papel” de Roshdi na rede, com vários correspondentes do canal também elogiando sua amizade e legado.

“Aqueles que conheceram Roshdi Sarraj e trabalharam com ele saúdam um jornalista notável”, dizia o comunicado.

A secretária-geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, também prestou homenagem a Roshdi e ao seu trabalho para a Anistia em um post no X, dizendo que ele “foi assassinado hoje em um ataque aéreo israelense”.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) informou que até 22 de outubro, 23 jornalistas foram mortos, incluindo 19 palestinos, três israelenses e um libanês. Cerca de oito ficaram feridos e três estão desaparecidos.

Em 7 de outubro, primeiro dia da guerra, Ibrahim Mohammad Lafi, fotógrafo da Ain Media, de Roshdi, foi baleado e morto pela ocupação na passagem da Faixa de Gaza para Israel, conhecida como Beit Hanoon para os palestinos e como Passagem de Erez para os israelenses. Ele foi um dos três jornalistas palestinos visados já naquele primeiro dia.

Dois fotógrafos palestinos também foram dados como desaparecidos em 7 de outubro: Nidal Al-Wahidi, que trabalhava para o canal Al-Najah, e Haitham Abdelwahid, que também trabalhava para a Ain Media de Roshdi.

A família de Al-Wahidi informou aos meios de comunicação que o jornalista tinha sido detido pelo exército israelense.

“Roshdi era responsável por vários funcionários [da Ain Media]. O nosso colega Ibrahim foi martirizado, Nidal e Haitham desapareceram. Ele não tolerou a notícia, então cancelou a viagem e voou de volta para Gaza”, disse seu colega Salem.

“Os jornalistas ainda perseveram… Somos todos assim, todos os jornalistas em Gaza trabalham sob imensa pressão”, enfatizou Salem: “seu legado continuará vivo”.

“Ele era amado por todos. Agora ele está com seu amigo Yaser Murtaja”, disse o pai de Roshdi, em um último adeus.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) informou que até 22 de outubro, 23 jornalistas foram mortos, incluindo 19 palestinos (uma média de mais de um por dia), três israelenses e um libanês. Cerca de oito ficaram feridos e três estão desaparecidos ou detidos.

ORGANIZAÇÕES COMUNITÁRIAS CONDENAM

Para a organização humanitária ActrionAid trata-se de mais uma grave violação ao direito internacional.

“Os jornalistas palestinos documentaram corajosamente o bombardeio de Gaza nas últimas duas semanas, com grande risco pessoal, para que o mundo pudesse testemunhar a devastação causada à população civil no local”, esclareceu a ActionAid.

A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) acrescentou que com a prática de assassinar, ferir, devastar locais de produção e cortar conexões com a internet, Israel tem armado barreiras para a difusão de conteúdo.

Arriscando constantemente as suas vidas, pelo menos 50 jornalistas – estima a RSF – tiveram de abandonar às pressas as suas casas em Gaza, como resultado das ordens de evacuação. No decurso desta deslocação forçada tiveram de abandonar equipamento de gravação, documentos e até equipamentos de proteção.

“Ontem à noite deixei a minha casa na Cidade de Gaza”, disse o correspondente da RSF, quando finalmente conseguiu falar depois de passar mais de seis horas sem ligação à Internet em 14 de outubro, uma semana após o início dos bombardeios. “Tenho problemas em falar contigo. Quase não temos internet aqui e não podemos carregar nossos telefones. Faço tudo o que posso para coletar informações. Vivemos com medo, é insuportável. Não é a primeira guerra que cobri Gaza, mas nunca vi nada parecido”, relatou.

Como Israel vetou a entrada de comunicadores estrangeiros na área considerada a maior prisão a céu aberto do mundo, é a dedicação destes profissionais o que tem permitido lançar luzes e informar sobre a brutalidade do terrorismo de Estado praticado pelos israelenses.

De acordo com a ActionAid, estes comunicadores mantêm seu trabalho com honra e dedicação, “apesar de se enfrentarem com as mesmas ameaças e dificuldades que os demais 2,2 milhões habitantes de Gaza”. Segundo o direito internacional humanitário, os jornalistas encontram-se protegidos, como os civis, de ataques deliberados e diretos, acrescentou.

O coordenador de Advocacia e Comunicações da ActionAid Palestina, Riham Jafari, assinalou que, apesar de colocarem suas vidas em risco, os jornalistas palestinos em Gaza continuam a sua cobertura, enfrentando “os contínuos ataques aéreos israelenses, a falta de proteção e segurança, a interrupção das comunicações e os cortes de eletricidade”.

O Comitê de Liberdades do Sindicato dos Jornalistas Palestinos informou que foram atacadas cinquenta sedes de instituições do setor, incluindo os escritórios da estação de televisão catariana Al Jazeera, da Palestina TV, das agências de notícias Maan e Khabar, bem como dos jornais Al Quds e Al Ayyam.

“Para que o mundo exterior receba uma cobertura livre e confiável da situação, os jornalistas devem ser capazes de trabalhar. Mas a reportagem está se tornando mais perigosa a cada dia. Há quase duas semanas que as forças armadas israelenses têm feito todo o possível para impedir a divulgação de imagens. Condenamos o bloqueio midiático que Israel está tentando impor. O jornalismo é o antídoto para a desinformação que se espalha com força especial nesta região”, conclui a matéria do Repórteres Sem Fronteiras.

As informações apontam que nas últimas horas um jornalista foi detido pelas forças de ocupação israelenses na Cisjordânia pela cobertura da guerra. Em Jerusalém, o correspondente da TV Al Araby, Ahmad Darwasha, foi ameaçado e insultado por um policial durante uma transmissão ao vivo.

Enquanto isso, três jornalistas da BBC foram retirados de seu veículo identificado como “TV”, empurrados contra uma parede e revistados sob a mira de uma arma pela polícia israelense em Tel Aviv.

Um porta-voz da BBC disse que “os jornalistas devem poder reportas sobre conflito Israel-Gaza em liberdade”

Os jornalistas Tutunji e Abudiab se identificaram com suas carteiras de imprensa da BBC. Quando Tutunij tentou registrar a agressiva revista, teve seu celular atirado ao chão por um policial israelense e quando se abaixou para pegar seu fone, foi golpeado no pescoço.

Fonte: Papiro