Zelensky teme perda de apoio com guerra prolongada na Palestina
A Ucrânia ora por Israel. Foi o que disse Hennadiy Druzenko, diretor de uma Ong que presta assistência médica aos militares ucranianos, em uma postagem no Facebook. A postagem não é apenas mais um dos lugares comuns das redes sociais hegemonizadas pelos EUA, mas um reflexo da encruzilhada em que se encontra o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky com o despontar de um conflito no Oriente Médio tão desafiador quanto o seu no norte da Europa, e o desvio de recursos de seu país para Israel.
O cenário internacional atual apresenta um complexo desafio para a Ucrânia, que luta não apenas contra a Rússia em seu território, mas também contra a diluição do apoio global devido à guerra prolongada em Gaza. A análise das últimas movimentações geopolíticas revela uma série de preocupações e estratégias adotadas pelo governo ucraniano e seus aliados, eclipsados que estão com as repercussões dramáticas com efeitos profundos que podem afetar todo o Oriente Médio.
Segundo a analista internacional Flávia Loss, da Faculdade Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), mais que recursos, o pior é perder a atenção da mídia internacional. “O reflexo mais imediato é que o conflito entre Israel e a Palestina desloca a atenção da mídia internacional. Consequentemente, a opinião pública dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, já exaustas do assunto, perdem ainda mais o interesse em discutir a questão ucraniana”, disse ela.
A Ucrânia está a um ano e sete meses em guerra, demandando enormes recursos financeiros e militares de seus aliados. Por enquanto, a pesquisa mais recente do Eurobarômetro (julho de 2023) mostra que 88% dos entrevistados apoiam que a União Europeia continue enviando recursos para a Ucrânia contra a Rússia, mas, a professora de Relações Internacionais salienta que a opinião pública é volátil e podem ocorrer mudanças rapidamente. “Daí surge a principal preocupação do presidente ucraniano: dividir as atenções de seus aliados com outros conflitos pode diminuir o aporte de recursos também”.
“Todo o ambiente geopolítico tornou-se mais diversificado, mais confuso”, disse Pavlo Klimkin, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano numa entrevista. “Outra guerra”, disse ele, significa “menos tempo [dos EUA] para nós”.
Em primeiro lugar, a Ucrânia enfrenta uma situação onde a atenção dos principais aliados está dividida entre os conflitos em curso, especialmente a guerra em Gaza, e questões internas, como a luta política nos Estados Unidos e as eleições em países europeus como a Polônia e a Eslováquia. Esta divisão de atenção representa uma ameaça real para a Ucrânia, que depende do apoio internacional para sua defesa contra a Rússia. Ao mesmo tempo, já ficou claro, e exaustivo, para todos, que a guerra na Ucrânia será prolongada e sem atalhos possíveis.
As dificuldades eleitorais de governos aliados também preocupam Zelensky. Flávia observa que “a polarização que as democracias têm enfrentado nos últimos anos com a ascensão da extrema direita a nível internacional” é outra questão muito atual. “Partidos com bandeiras nacionalistas e xenófobas tem aproveitado o cansaço da sociedade civil com a guerra do Ucrânia, como vimos na recente campanha das eleições na Polônia”, diz ela. Uma pesquisa da Pew Research Center feita em junho entre a população polonesa mostrou diminuição de apoio aos ucranianos, o que pode se aprofundar com o resultado eleitoral de ascensão da centro-esquerda.
Além disso, a lentidão no progresso militar e as falhas no fornecimento de apoio dos aliados aumentam a pressão sobre a Ucrânia. Muito do que foi prometido não foi enviado, e o que foi enviado ficou envolto em suspeitas, acusações e confirmações de corrupção aberta no governo de Zelensky, o que afetou sua própria popularidade entre os ucranianos. A falta de avanços significativos no campo de batalha mina a capacidade do país de apresentar resultados tangíveis aos seus apoiadores internacionais. O avanço de apenas 20 quilômetros em meses indica uma guerra prolongada e desafiadora, exigindo uma reavaliação das estratégias militares e políticas. Enquanto isso, a Rússia não é afetada de forma relevante em seu território (gigantesco), e tem surpreendido organismos internacionais pelo crescimento econômico que demonstra, apesar da guerra.
A liderança ucraniana, especialmente o presidente Zelensky, está ciente da necessidade de manter o apoio internacional e está adotando várias estratégias para enfrentar esses desafios. Uma abordagem notável é a tentativa de reorientar a atenção ocidental para o desenvolvimento militar-industrial da Ucrânia, aproveitando a guerra em Gaza como uma oportunidade para mostrar suas capacidades e potencialidades industriais no campo militar.
Desta forma, a esperança da Ucrânia é parte do mundo (Ucrânia, Israel e Taiwan) se torne uma grande trincheira de guerras para que o capital financeiro se interesse por investir na indústria de armas para todo canto. A guerra em Gaza poderia reorientar a atenção ocidental para o desenvolvimento militar-industrial que também beneficiaria a Ucrânia, disse Klimkin, o ex-ministro. Os recentes ataques bem-sucedidos com drones marítimos e a reivindicação de ataques ao quartel-general da frota russa do Mar Negro tentam demonstrar resiliência e inovação estratégica ucraniana.
A UkrOboronProm é uma das estatais de armas que mais cresce no mundo, de olho no financiamento ocidental e no risco de conflitos bélicos em diversas partes do mundo.
No entanto, há preocupações legítimas sobre a continuidade do apoio internacional, especialmente dos Estados Unidos, devido a desafios políticos internos, como a luta pela liderança no Congresso. A incerteza política nos Estados Unidos e a necessidade de equilibrar várias prioridades internacionais representam um obstáculo significativo para a Ucrânia.
“Existem vozes dentro dos EUA pedindo a diminuição do envolvimento do país no conflito. Atualmente os EUA são o principal financiador das forças ucranianas, mas o apoio tem diminuído em setores do partido Republicano e ameaçado o envio de recursos”, relata Flávia. Ela lembra que Zelensky tentou, inclusive, acompanhar Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, na atual visita a Israel para garantir espaço na mídia.
Apesar dessas dificuldades, a Ucrânia conta com alianças sólidas, especialmente com os Estados Unidos e os países europeus, que reconhecem o papel crucial do país na contenção da Rússia, que iniciou a agressão justamente porque a OTAN (o exército europeu e norte-americano) vinha cercando suas fronteiras com bases militares. Outra nova estratégia no campo das ideias é reforçar a narrativa de que a Rússia precisa ser combatida, pois tem sido aliada dos inimigos de Israel na região, como quando apoiou Bashar El-Assad na Síria no combate aos rebeldes ou mantém comércio de armas com o Irã. A continuidade do apoio internacional é vital para a Ucrânia, sem isso, sabe que o russo Vladimir Putin avança seguro com seu poderoso exército sobre seus objetivos.
“Se a atenção internacional se desviar da Ucrânia, de uma forma ou de outra, isso terá consequências”, disse Zelensky numa entrevista à televisão France 2, como parte desta narrativa de ameaça da Rússia ao resto da Europa. “A Rússia precisa de uma pausa na guerra na Ucrânia para se preparar melhor para uma nova e maior invasão e depois atacar os vizinhos da Ucrânia, que são membros da OTAN. Acredito que a Rússia tirará vantagem desta situação, desta tragédia.”
Na opinião da analista, o melhor cenário para os ucranianos é que a tensão entre israelenses e palestinos diminua o mais rapidamente possível, visto que não existe a possibilidade de resolução do conflito no curto ou médio prazos. “Porém, analisando os acontecimentos dos últimos dois dias, parece improvável que Israel desista de uma invasão terrestre a Faixa de Gaza ou que um cessar-fogo seja negociado”. Ela ainda citou o esforço do Brasil, aproveitando a sua posição na Presidência do Conselho de Segurança da ONU no mês de outubro, para costurar uma declaração conjunta do órgão sobre um pedido de cessar-fogo. “Mas ainda não sabemos se teremos sucesso nessa empreitada”.
Em suma, a Ucrânia enfrenta uma encruzilhada geopolítica complexa, onde a guerra prolongada em Gaza ameaça diluir o apoio global e desvia a atenção dos aliados. A capacidade do país de enfrentar essa situação dependerá não apenas de suas estratégias militares, mas também de sua habilidade em manter alianças sólidas, algo que Zelensky vinha demonstrando inabilidade ao criticar os aliados, superar desafios políticos internos e reorientar a atenção internacional para suas realizações e necessidades no campo militar.
(Por Cezar Xavier)