Valter Campanato | Foto: Agência Brasil

A Defensoria Pública do Pará entrou com ações na Justiça contra empresas que venderam créditos de carbono ilegalmente no Pará. De acordo com reportagem do G1, cinco empresas brasileiras e três estrangeiras (uma americana, uma canadense e uma britânica) usaram terras públicas na Amazônia para lucrar com a fraude.

Entre as oito empresas processadas na esfera cível pela Defensoria, cinco estão ligadas ao empresário americano Michael Greene, que vive nos Estados Unidos. Ele é sócio e administrador de quatro delas. A quinta está em nome de sua mulher, Evelise da Cruz Pires Greene. Greene é apontado nas três ações como o suposto proprietário de áreas usadas pelos projetos. Ele teria adquirido dezenas de imóveis rurais do brasileiro Jonas Morioka — também alvo da ação da Defensoria por ser apontado como proprietário de algumas terras.

O americano também é sócio e administrador da Brazil Agfor, com sede em Manaus e em Michigan, nos Estados Unidos, responsável pelo projeto de crédito de carbono Rio Anapu-Pacajá.

Perguntado sobre o projeto, Greene disse que recebeu as terras em pagamento. Ele alegou que foi contratado em 2012 por um “proprietário de terras particulares para prestar um serviço de consultoria e desenvolvimento” do projeto Rio Anapu-Pacajá. Ele não especificou quem foi o contratante, mas que ele teria pago o serviço com terras.

“Sobre as empresas, Brazil Agfor e Agfor Empreendimentos, como supostos proprietários das terras, informo que um particular possuía uma dívida gerada por serviços por mim prestados a ele que, após não serem pagos os valores devidos, gerou uma ação judicial e, de boa-fé, recebi em dação em pagamento imóveis que à época eram propriedades particulares em dação em pagamento, através de um acordo homologado em um processo judicial”, disse ele o G1.

Em nota, a prefeitura Portel desmentiu o “empresário”. “Anulamos os decretos tendo em vista que somente após a edição dos mesmos e, após a audiência pública do dia 24 de janeiro do corrente ano em Portel, provocada pelo Ministério Público agrário, é que viemos a ter conhecimento que quase a totalidade do projeto se assenta em terras ‘ditas’ do Sr. Jonas Akila Morioka, cujas propriedades há décadas são objetos de questionamentos judiciais na justiça do Estado do Pará e do STF, sendo que a maioria das matrículas de ditas propriedades foram suspensas ou canceladas por decisão do Conselho Nacional de Justiça”, diz a prefeitura.

A grande maioria das matrículas imobiliárias foi cancelada pelos cartórios de Portel e de Breves, devido a irregularidades. Muitos dos cancelamentos administrativos ocorreram após uma determinação de 2010 da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. O cancelamento significa que a matrícula deixa de ter validade jurídica.

A fraude também contou com a emissão de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), usados pelos projetos de forma ilegal. Os golpistas usaram terras públicas como se fossem privadas para gerar os créditos de carbono. Eles conseguiram certificar os créditos falsos na certificadora Verra, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos. Nos documentos submetidos à Verra, as empresas afirmam que os projetos estão localizados em áreas privadas.

A Defensoria Pública do Estado do Pará, no entanto, identificou que foram canceladas 45 das 50 matrículas imobiliárias usadas na documentação dos projetos — as outras cinco estão fora das áreas dos assentamentos estaduais. “Essas [45] matrículas integram a prática ilícita da grilagem de terras públicas realizada nos registros dos Cartórios de Breves e Portel, abrangendo áreas multiplicadas apenas em papéis, que não possuem validade jurídica”, dizem as ações.

“Trata-se de uma prática ilícita realizada pelos requeridos […] para se beneficiarem de área de floresta pública de posse das comunidades tradicionais”, dizem as ações. O projeto Pacajaí informa que comercializa créditos desde pelo menos 2015 e foi proposto por uma empresa identificada pela sigla ADPML — esta, por sua vez, é controlada por um fundo com sede na ilha britânica Guernsey, no canal da Mancha. Em 2021, quase 1,4 milhão de créditos do projeto Pacajaí, por exemplo, foram usados por empresas para compensar emissões.

Os casos foram levados à Justiça pela própria Defensoria Pública do Pará, que entrou com três ações civis públicas na Vara Agrária de Castanhal contra os envolvidos nos três projetos de crédito de carbono, localizados na área rural de Portel.

Para o órgão, trata-se de grilagem de terras públicas, já que as empresas responsáveis pelos projetos se valeram de matrículas imobiliárias e de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) inválidos para alegar à maior certificadora internacional de crédito de carbono que as áreas eram de propriedade privada.

O crédito de carbono funciona com a compra de “créditos”, de quem polui, pelos que não poluem ou protegem o meio ambiente. As empresas que lançam na atmosfera gases do efeito estufa podem recorrer a projetos de preservação para compensar suas próprias emissões. Um crédito equivale a uma tonelada de gás carbônico. Uma empresa que emite 100 toneladas de gases do efeito estufa pode, por exemplo, comprar 100 créditos como compensação.

Os créditos, por sua vez, são gerados a partir de diferentes tipos de projetos, como de energia renovável, gestão de resíduos sólidos e, ainda, iniciativas relativas à floresta e ao uso do solo, como ações de reflorestamento ou de redução do desmatamento — esta última categoria é conhecida pela sigla REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).

O objetivo de projetos de crédito de carbono descritos na região onde ocorreu a fraude seria obter financiamento para a proteção da floresta, evitando o desmatamento. Não há evidências, porém, de que os projetos em Portel tenham, de fato, gerado proteção ambiental.

Entre as centenas de compradoras de créditos desses projetos, estão empresas mundialmente conhecidas, como Air France, Boeing, Braskem, Toshiba, Samsung UK, Kingston, Barilla, as farmacêuticas Bayer e Takeda, além do Liverpool, clube de futebol da Inglaterra.

Cada contrato de compra e venda de crédito de carbono é negociado de forma privada entre as partes. Assim, não é possível saber exatamente quanto os projetos lucraram com a venda dos créditos.

Grandes corporações e empresas vêm mantendo emissões de gases “compensados” com compra de crédito de carbono. Das 80 principais empresas que atuam no Brasil, 77% já divulgaram alguma meta de redução de emissões, segundo a consultoria McKinsey. Para compensar suas emissões, muitas empresas recorrem aos créditos de carbono. O valor de cada crédito depende do mercado no qual ele é negociado — regulado ou voluntário. Nos mercados regulados, os governos (nacional, regional ou estadual) determinam metas ou limites de emissões para empresas emissoras que devem ser cumpridos por lei.

Segundo o secretário adjunto de Recursos Hídricos e Clima do governo estadual, Raul Protázio Romão, as empresas estão fazendo propostas diretamente às comunidades e, se tratando de áreas públicas, isso não poderia ocorrer sem autorização do Estado. “O Estado nunca deu autorização.”

A Secretaria diz que está elaborando normas para disciplinar o mercado voluntário de crédito de carbono no Pará “com ampla participação social, incluindo principalmente populações indígenas, quilombolas e extrativistas, tendo realizado diversos encontros com essas populações ao longo deste ano”. As normas irão prever a distribuição de recursos para as comunidades, afirma a Semas: “Para a repartição de benefícios, o Estado adotará um padrão internacional de alta integridade e confiabilidade, prezando pela garantia de direitos, salvaguardas e princípios sociais e ambientais”.

“Apesar do mercado de carbono ser privado, o que está sendo negociado é um bem público, pela Constituição a floresta é um bem público”, afirma a promotora Ione Nakamura, da Promotoria de Justiça Agrária da 1ª Região – Castanhal do Ministério Público do Estado do Pará.

“A obrigação de proteção da floresta não é só da comunidade, é do Estado. Então esses contratos não envolverem a participação do Estado também causa uma certa estranheza”, explica ela.

“A impressão é que eles internalizam o lucro, enquanto a responsabilidade de manter a floresta continua sendo do Estado e das comunidades, pouco remuneradas para isso, porque essas relações não estão bem pactuadas e as comunidades não têm tido a assessoria técnica e jurídica necessária para verificar essas propostas e negociar de igual para igual com as empresas”, considerou.

Fonte: Página 8