Candidatos à Presidência da Argentina no primeiro debate | Foto: AFP

Com a Argentina sob jugo do FMI, inflação descontrolada e desvalorização cambial, o país presenciou no domingo (1) o primeiro embate entre os cinco candidatos a presidente nas eleições deste ano, cujo primeiro turno será no dia 22. O debate, obrigatório por uma lei de 2016, foi dividido entre três temas, Economia, Educação e Direitos Humanos e Coexistência Democrática e ocorreu na província de Santiago del Estero.

O debate manteve, em grande medida, a polarização que vem existindo entre o fascista Javier Milei (“La Libertad Avanza) e o atual ministro da Economia, o peronista Sergio Massa (União pela Pátria), apesar dos esforços da macrista Patrícia Bullricht, da candidata da Frente de Esquerda Myriam Bregman e do governador de Córdoba, Juan Schiaretti.

Para o debate, Milei deixou em casa a motosserra, símbolo da sua campanha e do que ele pretende fazer com o país, e, segundo os jornais argentinos, conseguiu evitar os rompantes e xingamentos que o tornaram notório e, inclusive, com certa fama de doido.

Aos argentinos ele prometeu que, se o deixarem cometer todos os desvarios que propõe – da privatização da educação e saúde à dolarização da economia, passando pela venda de órgãos humanos –, em “35 anos” a Argentina vai virar “os Estados Unidos”. Para virar uma “Alemanha”, nem precisa tanto, só 20 anos.

“Propomos reformar o Estado, reduzir drasticamente os gastos públicos, reduzir os impostos, desregulamentar completamente a economia, realizar privatizações para se livrar das desastrosas empresas estatais, abrir a economia e fechar o Banco Central (BCRA)”.

“IGUAL ZIMBÁBUE, EQUADOR E EL SALVADOR”

O que fez Massa retrucar que, no lugar dos países citados por Milei, a Argentina ia ficar igual aos países que abriram mão da própria moeda para adotar o dólar “como Zimbábue, Equador e El Salvador”. Obviamente – assinalou – “se sai de uma crise com equilíbrio fiscal e acumulação de reservas, mas não rifando nossa moeda e colocando outra bandeira no Banco Central”.

Massa aproveitou para cobrar de Milei um pedido de desculpas ao papa Francisco, que é argentino, por xingá-lo de “comunista” e “representante do maligno na Terra”, mas o fascista asseverou que já tinha se desculpado, embora a Igreja negue.

Massa, por sua vez, na complexa situação em que é simultaneamente o ministro responsável por administrar o enfrentamento da mais grave crise econômica em uma década e o candidato do peronismo, lembrou que foi o governo Macri que levou o país ao FMI e endividou a Argentina, acordo que chamou de “criminoso e inflacionário”.

MUDANÇAS, CUSTE O QUE CUSTAR

Admitindo problemas no governo de Alberto Fernandez, Massa disse que “agora vem uma etapa nova, o meu governo, não este, e por isso acho que nossa responsabilidade é tentar, por todos os meios, consolidar um projeto de exportações, de desenvolvimento econômico e melhora na distribuição de renda na Argentina. Obviamente corrigindo os erros, mas também fazendo as mudanças que forem necessárias, custe o que custar”.

“Estou ciente que a inflação é um dos piores problemas da Argentina, e também tenho claro que os erros deste governo fizeram mal às pessoas. E por isso, embora eu ainda não fosse parte da equipe do governo na época, peço desculpas”, disse.

Ele prometeu ainda um sistema fiscal mais progressivo, redução do imposto sobre Valor Agregado (IVA) para os trabalhadores, projeto de regularização da evasão de capital com punição para sonegadores e uma moeda digital.

Em uma réplica, Massa destacou que Milei “propõe a volta da AFJP; a privatização da YPF; que cada filho de trabalhador pague a universidade e o ensino secundário e um modelo de dolarização que foi aplicado no Zimbábue, El Salvador e Equador”. As pequenas e medias empresas “estão condenadas se este homem governar a Argentina”, acrescentou.

O peronista também conclamou a uma ampla união nacional para tirar a Argentina da crise, dizendo que iria integrar em seu governo forças da oposição, como os radicais e setores do macrismo.

Sem surpresa, os adversários aproveitaram para questionar seu projeto, com Bullrich dizendo que Massa “já é presidente em exercício e sua administração é um desastre” e Milei o classificando de “contos de fadas”.

Ainda no tema economia, dirigindo-se “aos jovens”, Bullrich deu uma cotovelada em Milei: “prometeram dolarização para vocês, mas vocês sabem que sem dólares não dá para dolarizar”, diante da escassez de dólares no Banco Central. Ela acrescentou que somente países como a Micronésia, Tuvalu e Kiribati não possuem Banco Central. “Todos são paraísos fiscais”, disse.

Tentando se cacifar em relação à Massa, garantiu que “comigo, isso vai acabar”. “Vou apagar do mapa a inflação”. Candidata de Macri, Bullrich acusou o kirchnerismo de deixar a Argentina “arrasada” e “caótica”.

“GATINHO MIMOSO DO PODER ECONÔMICO”

Mas foi a candidata de esquerda, Bregman, quem deu a melhor estocada no fascista Milei, depois de denunciar o achaque do FMI. Valendo-se das caras e bocas que Milei adora fazer e ironizando o corte de cabelo do candidato de extrema direita, que gosta de se ver como um “leão”, ela fez uma declaração que virou meme nas redes sociais:

“Milei é um empregado dos grandes empresários, que ganharam milhões estes anos, e com quem esperam ganhar muito mais. (Milei) Não é um leão, é um gatinho mimoso do poder econômico”.

No segundo tema, educação, Massa anunciou que vai aumentar o percentual do PIB com a educação de 6 para 8 por cento. Bullrich prometeu “acabar com a doutrinação nas escolas”.

Já Milei discorreu sobre sua ideia fenomenal de acabar com os ministérios da Educação, da Saúde e do Trabalho, mais a pasta de Infância e Família, e dissolver tudo no “Ministério do Capital Humano”, que supostamente coordenará o corte dos gastos sociais e de direitos. Quem sabe, o fascista, perdão, “anarcocapitalista”, não esteja pensando em convocar uma especialista no ramo, do porte da nossa Damares, para assessorá-lo?

MILEI SAI EM DEFESA DA DITADURA

Mas foi no terceiro tema da noite, direitos humanos e coexistência democrática, que Milei se superou, em defesa da ditadura de Videla e seus crimes hediondos – assassinatos, tortura, rapto de bebês, voos da morte. Questionou os 30 mil mortos e desaparecidos dos anos de chumbo, que seriam só “8.753” – a vice dele, Victoria Villarruel, é de copa e cozinha dos gorilas argentinos -, e ainda atribuindo aos que resistiram a responsabilidade pela barbárie, ao lado de “excessos das forças do Estado”.

Para Miler, a ojeriza da sociedade argentina ao fascismo do período 1976-1983 seria “uma visão caolha da história”.

Bregman sintetizou o repúdio a essa tentativa de aliviar o fascismo na Argentina: “foram 30 mil e foi um genocídio”.

Por sua vez, para Bullrich o que atrapalha a “coexistência democrática” é que “todos os sindicatos e todos os piquetes, que respondem ao governo, estão agora todos calados, todos mudos, mas quando chega outro governo eles começam a luta”. Ex-ministra da Segurança do governo Macri, ela asseverou que iria enfatizar “segurança e defesa da convivência” e acabar com “a ocupação de terras”.

“O desafio há 40 anos é cuidar do legado da memória, da verdade e da justiça”, afirmou Massa, destacando o caminho “que iniciamos com o julgamento da junta e terminamos com a condenação dos repressores”.

Ele destacou que as políticas de direitos humanos colocaram a Argentina “em um lugar de referência para o mundo inteiro” – do julgamento dos esbirros da ditadura às reuniões (uma homenagem à UCR) ao processo de julgamento reaberto por Néstor Kirchner. E voltou a apelar a um governo de unidade nacional. “Ninguém ficará surpreso se eu adicionar radicais, liberais e profissionais ao meu governo.”

Ao concluir sua participação no debate, Massa conclamou: “Não vá às urnas com raiva ou medo, vá com esperança”.

Nas pesquisas, Milei está na frente, com 35%, com Massa em segundo, com 30%. O segundo debate será no domingo (8), na Faculdade de Direito de Buenos Aires, para tratar dos blocos de seguridade, trabalho e produção, desenvolvimento humano, moradia e proteção ambiental.

Caso o mais votado na eleição do dia 22 não ultrapassar 45% dos votos (sem nulos nem brancos), ou não atingir 40% do total de votos válidos, haverá um segundo turno no dia 19 de novembro.

Fonte: Papiro