Acordo Brasil e EUA é avanço histórico para o movimento sindical
Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos Estados Unidos, Joe Biden, fizeram história nesta quarta-feira (20), em Nova York (EUA), ao assinarem a Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras. Eixos como o trabalho decente, o combate à precarização e a sustentabilidade estão devidamente contemplados no acordo. Mas a valorização das negociações coletivas e dos sindicatos é seu feito maior.
Desde a grande crise capitalista de 2007/2008, a maioria dos países promoveu mudanças na legislação que, por regra, cortaram direitos e enfraqueceram o movimento sindical. Em estudo para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), os pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano contabilizaram reformas trabalhistas em nada menos que 110 países entre 2008 a 2014.
No Brasil, a reforma de 2017, sob o governo Michel Temer (MDB), retirou atribuições dos sindicatos, fragilizou as negociações coletivas e atacou a sustentação administrativo-financeira das entidades, com o fim do imposto sindical compulsório. A Justiça do Trabalho também foi alvo da ofensiva liberal. A chegada da extrema-direita ao poder, com Jair Bolsonaro, inviabilizou a reconstrução desses pilares do sindicalismo.
Para piorar, o discurso populista de Bolsonaro, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos com Donald Trump, seduziu diversos segmentos da classe trabalhadora – dos uberizados aos profissionais liberais. O índice de trabalhadores sindicalizados caiu de 16,1% em 2012 para 9,2% em 2022, conforme indicou, na semana passada, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE.
Nos Estados Unidos, a taxa de associação a sindicatos é parecida – em 2022, estava em 10%, segundo a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas. Mas, se o rendimento médio dos trabalhadores é maior lá, em contrapartida as convenções e os acordos coletivos só valem, hoje, para um a cada dez trabalhadores.
“O trabalhador (norte-americano) precisa negociar diretamente com o patrão suas férias e dias de licença médica, que com frequência são a mesma coisa e não superam os 15 dias anuais. Licença-maternidade também não é assegurada nacionalmente e depende da política do empregador e de alguma cobertura do governo local para existir”, registrou Mariana Sanches na BBC News. “Não há qualquer tipo de FGTS. O funcionário dispensado nada tem a receber pela rescisão do contrato, que não precisa ser justificada.”
Tampouco há unicidade sindical nos Estados Unidos. Uma mesma empresa ou categoria pode ter várias entidades representativas, e esse modelo tem se revelado uma benção para os patrões. A verdade é que o sindicalismo norte-americano não se recuperou até hoje da nefasta Lei Taft-Hartley, de 1947, que praticamente criminalizou o sindicalismo classista e dificultou a realização de greves.
Lula e Biden são de campos ideológicos diferentes, mas o interesse comum numa agenda pró-sindicatos os une em boa hora. No Brasil, grupos de trabalho debatem temas como a revisão da lei trabalhista e a regulamentação do trabalho por plataformas. O STF (Supremo Tribunal Federal) acaba de validar uma modalidade de financiamento aos sindicatos, a contribuição assistencial, e um dos GTs avança na formulação de outra fonte, a contribuição (ou taxa) negocial.
Nos Estados Unidos, o movimento sindical promove a maior onda de greves dos últimos 40 anos. Uma das mais recentes é a paralisação conjunta – e sem precedentes – de 13.200 operários da GM (no Missouri), Ford (em Michigan) e Stellantis (em Ohio). Iniciada em 15 de setembro e convocada pelo UAW (United Auto Workers, o Sindicato dos Trabalhadores Automotivos), a greve reivindica novos acordos coletivos (os últimos venceram no dia 14) e garantias contra demissões.
Outra causa em jogo é a sindicalização de metalúrgicos envolvidos na fabricação de veículos elétricos. Leis recentes deixaram parte desses trabalhadores mais desprotegidos, e o governo Biden pode ajudar especialmente nessa questão – a Casa Branca nomeou dois gestores para participar das negociações. De resto, o movimento sindical antevê riscos. A produção de carros elétricos requer apenas 60% da mão de obra usada na produção de veículos automotores.
“Esta é, de certa forma, uma batalha de vida e morte para o sindicato”, resumiu o analista Rana Foroohar no Financial Times. Mas também pode ser “vida e morte” para Biden, que buscará a reeleição em 2024. “A adesão aos sindicatos caiu muito nos EUA nas últimas décadas, mas ainda representa uma parte importante da coligação eleitoral democrata. Uma das razões pelas quais Donald Trump foi eleito em 2016 foi porque os sindicatos em estados indecisos, como a Pensilvânia, votaram nele.”
Ao assinar a Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras, Lula reforçou que os dois lados têm a ganhar, desde que o movimento sindical saia efetivamente fortalecido. “Não há democracia sem sindicato forte. Porque o sindicato é efetivamente quem fala pelo trabalhador para tentar defender os seus direitos”, disse Lula.
A cerimônia contou com a participação de Gilbert F. Houngbo, diretor da OIT (Organização Internacional do Trabalho), e de presidentes de centrais sindicais brasileiras, como Adilson Araújo, da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). “A depreciação do trabalho imposta pela agenda neoliberal produziu crises e ressuscitou o nazifascismo”, lembrou Adilson. “O mundo tem de mudar de rumo.”