Sob Bolsonaro, recursos destinados aos Yanomami foram os menores em 10 anos
Levantamento produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Transparência Brasil constata, mais uma vez, o descaso e omissão com os quais o governo de Jair Bolsonaro tratou o povo Yanomami. Isso se reflete no menor volume de recursos empenhados e liquidados na última década, além de uma série de indícios de irregularidades.
Analisando o período 2019 a 2022, o material — intitulado “Orçamento do DSEI-Y foi estrangulado na gestão Bolsonaro” e publicano neste mês — aponta que naquele primeiro ano, apenas 79% dos recursos reservados para o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) se converteram de fato em bens e serviços.
E mais: o material revela que mesmo antes de Bolsonaro assumir, em 2018, cerca de 2,5 mil crianças com menos de cinco anos apresentavam peso baixo ou muito baixo e outras mil sequer eram monitoradas. “A malária se alastrava: 10 mil indígenas diagnosticados, alta de 26% em relação ao ano anterior. Ao menos 119 bebês morreram antes de completar o primeiro ano”, salienta.
Diante deste quadro, que explicita a urgência de atender os indígenas, o governo bolsonarista, ao invés de ampliar a atenção, reduziu. “Considerando a correção inflacionária pelo IPCA, houve um corte de 36% nas liquidações em relação ao ano anterior e de 48% se comparado a 2016. Em 2019, os casos de malária dobraram. Os dados oficiais apontam, incluindo todas as causas, a morte de 190 crianças e jovens com menos de 20 anos – 14% superio
Mas, não para por aí. No ano seguinte, o descaso continuou. Conforme dados do estudo, os casos de malária explodiram, com 22 mil infectados, o que corresponde a 79% daquela população, dentre os quais estavam 2,3 mil bebês com menos de dois anos. “Sem políticas públicas eficazes, a Covid-19 e a desnutrição avançaram sobre as terras indígenas. Morreram 162 crianças com menos de 5 anos por causas evitáveis, ou seja: que poderiam ter sido salvas caso houvesse atendimento em Saúde adequado. A Taxa de Mortalidade Infantil no DSEI Yanomami era a pior de todos os DSEIs, e superior à da África Subsaariana”, revela.
Considerando os quatro anos, o governo empenhou apenas R$ 1,3 milhão em investimentos no DSEI-Y (R$ 1,4 milhão com correção inflacionária), sendo 96% na metade final de seu mandato. “O maior empenho individual foi para a aquisição de 30 botes de alumínio no padrão ‘embarcação patrulha’, com capacidade para transportar de 8 a 12 homens armados, e com ‘padronização de pintura do Exército brasileiro’, ao custo de R$ 367 mil”, mostra o documento.
O relatório destaca, ainda que “aliada a ações permissivas à degradação ambiental, garimpo ilegal e gestores do DSEI-Y indicados por critérios políticos e não técnicos (conforme a Transparência Brasil expôs em relatório), a redução orçamentária da saúde indígena yanomami desembocou na tragédia humanitária que se tornou mundialmente conhecida no começo de 2023”.
Indícios de irregularidades
Além disso, o levantamento aponta diversos indícios de irregularidades. Um deles mostra que entre 2019 e 2022, foram liquidados R$ 118,4 milhões em serviços de táxi aéreo, necessário para alguns atendimentos. O valor corresponde a 62% de todas as liquidações do DSEI-Y no período e os contratos tiveram dispensa de licitação, tendo sido realizados em caráter emergencial.
“O uso recorrente dessa modalidade de contratação – não só mais ineficiente economicamente, como também mais vulnerável à malversação dos recursos públicos – indica, no mínimo, falhas de planejamento do DSEI-Y, já que a necessidade desse tipo de serviço no território é pública e notória”, diz o material.
Pressionado pelo Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde iniciou em março de 2022 o “Plano Setorial de Reestruturação do DSEI-Y”. E foram constatadas irregularidades como falta de planejamento para o uso dos aviões, falha na fiscalização dos contratos e falta de regulação.
No que diz respeito a outras terceirizações, o plano aponta ao menos 33 fragilidades e 83 procedimentos necessários no Distrito. Entre elas, “falha na gestão e controle dos pagamentos das notas fiscais” e “falta de controle dos contratos administrativos e seus atos”.
Além disso, o estudo aponta convênios com indícios de irregularidades, entre os quais estão atendimentos em saúde feitos pela ONG Missão Evangélica Caiuá. Segundo o estudo, “entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, a Missão Evangélica Caiuá recebeu R$ 155,98 milhões do governo federal. Para efeito de comparação, no mesmo período o DSEI-Y liquidou R$ 190,95 milhões”.
Outro aspecto relatado é que os gastos com a ONG “não são computados no DSEI-Y, pois a fonte pagadora é a Diretoria Executiva do Fundo Nacional de Saúde. Auditoria realizada pelo Ministério da Saúde em 2022 concluiu que ‘existem falhas na celebração, no acompanhamento da execução e no monitoramento dos resultados gerados pelo convênio’”.
Novos rumos
Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, o quadro foi se modificando e ações emergenciais foram feitas para estancar o quadro de doença e miséria dos yanomami já nos primeiros dias de governo. “No primeiro semestre de 2023, o DSEI-Y teve R$ 85,4 milhões empenhados, mais que o dobro do montante no mesmo período de 2022 e quase o triplo de 2020, já considerando as correções inflacionárias”, diz a análise.
O estudo completa explicando que “o empenho não significa que o serviço foi executado ou o produto, entregue (o que ocorre na fase de liquidação). Entretanto, o maior volume de recursos empenhados representa uma maior disponibilidade orçamentária do DSEI-Y em relação aos anos anteriores”.
Como recomendações para corrigir falhas, a Transparência Brasil lista, entre outras, que haja transparência ativa no Plano Setorial de Reestruturação do DSEI-Y e na disponibilização de informações por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI); que as licitações para transporte aéreo sejam realizadas com antecedência necessária e que sejam criados mecanismos para impedir redução abrupta da disponibilidade orçamentária dos DSEIs.
A análise envolveu a checagem de dados por meio de quatro fontes distintas: Portal da Transparência do governo federal, Siga Brasil (Senado Federal), Tesouro Nacional e o próprio Ministério da Saúde, via Lei de Acesso à Informação (LAI). O estudo é parte do projeto Achados e Perdidos e teve financiamento da Fundação Ford.
Para acessar a íntegra do estudo, clique aqui.