Vladimir Putin e Kim Jong-un se encontram em Vladivostok | Foto: AFP

Durante o encontro, que durou mais de quatro horas, Kim Jong-un manifestou o apoio norte-coreano à Rússia na “luta sagrada” contra a guerra por procuração da expansionista Otan na Ucrânia. O encontro acontece em meio à realização do VIII Fórum Econômico do Extremo Leste, em Vladivostok, de 10 a 13, que visa desenvolver e integrar essa região da Eurásia.

“Estou muito feliz em vê-lo. Especialmente depois que tais eventos ocorreram: 75 anos desde a formação da República [Popular Democrática] [da Coreia (RPDC)], o 70º aniversário da vitória na Grande Guerra de Libertação da Pátria e 75 anos desde o estabelecimento das relações diplomáticas [Rússia-Coreia do Norte]”, disse o chefe de Estado russo.

“Obrigado por nos convidar, apesar do seu calendário apertado”, retribuiu o líder norte-coreano a Putin, ao iniciarem a visita à instalação de lançamento espacial antes das negociações.

Kim sublinhou que a Rússia “se levantou para uma luta sagrada para proteger a sua soberania nacional e segurança contra as forças hegemônicas” e que os coreanos “sempre apoiarão a Rússia contra o imperialismo”.

Putin, por sua vez, observou que o Cosmódromo de Vostochny era um local incomum para seu encontro com Kim. “Estamos orgulhosos do desenvolvimento da nossa indústria espacial e esta instalação é nova para nós. Espero que você e os seus colegas estejam interessados ​​nela”, disse o presidente russo.

CONVERSAS PRODUTIVAS

Falando à mídia russa após as negociações, Putin disse que houve uma troca aberta de pontos de vista sobre a situação na região do Extremo Oriente. “É um bom começo, [e] muito produtivo. Houve uma troca de pontos de vista muito franca sobre a situação na região e sobre as relações bilaterais”, enfatizou Putin, acrescentando que ele e Kim também discutiram o desenvolvimento de relações bilaterais no domínio da agricultura.

“O camarada Putin e eu acabamos de discutir em profundidade a situação militar e política na Península Coreana e na Europa e [chegamos] a um consenso satisfatório sobre o reforço adicional da cooperação estratégica e táctica, apoiando a solidariedade na luta pela proteção do direito soberano de segurança, para criar garantias de paz duradoura na região”, disse Kim.

“Para concluir, gostaria de expressar a minha confiança de que a atual visita da nossa delegação servirá como um momento importante no futuro desenvolvimento e transformação dos tradicionais laços de amizade entre a Rússia e a RPDC em relações inquebrantáveis ​​de cooperação estratégica”, enfatizou o líder norte-coreano. Anteriormente, a Coreia Popular reconheceu a Crimeia, que se reintegrou por referendo em 2014, como território russo.

A mídia afiliada à Otan preferiu apresentar o encontro como uma demonstração de que a Rússia precisa do socorro da Coreia do Norte, para obter antigas armas soviéticas. O que seria, segundo eles, expressão do suposto sufoco que os exércitos russos estariam vivendo no Donbass, frente aos neonazis tirados dos esgotos pela CIA no golpe de 2014.

A “expectativa é de que Putin use a reunião para tentar obter armamentos para usar na guerra na Ucrânia”, segundo fontes do governo norte-americano “ouvidas pela agência de notícias Associated Press”.

A altivez da Coreia Popular – e a primeira derrota imposta aos EUA em uma guerra, entre 1950-53, em solo coreano – jamais foi engolida por Washington e seus sequazes.

O que se intensificou quando o governo de W. Bush incluiu o país no “eixo do mal”, ao lado de Irã e Cuba, ameaçando com o uso de armas nucleares, o que obrigou Pyongyang a empreender uma dura marcha pela criação da capacidade de dissuasão nuclear.

Ainda pelo lado coreano há a questão, urgente, de que os movimentos de Washington para uma “Otan do Pacífico”, a partir de um eixo EUA-Tóquio-Seul, embora tendo como alvo óbvio a China, constituem ameaça direta a Pyongyang e à causa da reunificação das duas partes da Coreia; um país e um povo artificialmente divididos pela ocupação norte-americana no sul, que já dura 70 anos.

Outro interesse fundamental do governo da Coreia Popular é obter apoio para a revogação das brutais sanções contra o norte e sua população, aprovadas por pressão dos EUA no Conselho de Segurança da ONU e que, por várias razões, Moscou e Pequim não vetaram. Desde então, a Casa Branca vem se recusando a qualquer alívio nas sanções.

O atual governo de Seul é também o mais submisso aos EUA em décadas e o mais hostil à causa da reunificação. Por sua vez, o governo Biden retrocedeu em quatro décadas a situação na península coreana, ao trazer de volta aos portos sul-coreanos submarinos nucleares dos EUA.

Como o regime de sanções brutal em vigor, acordos com a Rússia, para driblar essa agressão econômica aos norte-coreanos seriam de máximo interesse de Pyongyang, do fornecimento de trigo, a petróleo e insumos industriais.

Durante o encontro, Putin sinalizou a disposição da Rússia em ajudar a Coreia do Norte no desenvolvimento de satélites. As duas mais recentes tentativas de Pyongyang de colocar em órbita dois satélites – “de espionagem”, diz a desinteressada mídia – falharam.

MUITO A AVANÇAR

Como disse à Sputnik News o professor Artyom Lukin, da Universidade Federal de Vladivostok, devido às sanções da ONU o comércio bilateral entre a Coreia do Norte e a Rússia no momento é praticamente inexistente. “Portanto, teremos de reconstruir as nossas relações comerciais do zero”, acrescentou.

Ele lembrou que, durante o final da década de 2000, a Rússia investiu cerca de 300 milhões de dólares na reconstrução de uma ferrovia que ligava o porto norte-coreano de Rason à Ferrovia Transiberiana através da cidade russa de Khasan, lembrou Lukin.

“E esses US$ 300 milhões que investimos não estão sendo usados – a ferrovia permanece ociosa mesmo enquanto continuamos gastando dinheiro para mantê-la. Portanto, seria lógico que este projeto ‘Khasan-Rason’ entrasse em operação, para que a carga passasse a ser transportada por esta ferrovia”, afirmou.

O professor argumentou que a Rússia pode ajudar a Coreia do Norte nos esforços deste último para desenvolver o seu próprio veículo de lançamento espacial, numa linha semelhante à forma como a Rússia ajudou anteriormente a Coreia do Sul a lançar o seu próprio programa de foguetes espaciais.

“O primeiro foguete espacial lançado pela Coreia do Sul em 2012 foi construído com tecnologia russa – o primeiro estágio do foguete era basicamente russo. Então, se ajudamos a Coreia do Sul com seu programa de foguetes espaciais, por que não podemos fazer o mesmo favor à Coreia do Norte?”, refletiu, observando que, ao contrário de Seul, Pyongyang não impôs sanções econômicas contra a Rússia. “Portanto, acredito que temos o direito moral de ajudar a Coreia do Norte, que tem tentado, sem sucesso, desenvolver o seu próprio foguete transportador.”

“Foguetes transportadores civis não são mísseis balísticos. Portanto, acho que pode haver diferentes maneiras de interpretar essas sanções”, observou ele. “De qualquer forma, não ficaria surpreso se a Rússia começasse a ajudar a Coreia do Norte a construir foguetes civis de lançamento espacial. Como a Coreia do Norte já possui mísseis, não precisa de ajuda nessa área. E quando se trata de lançar satélites meteorológicos, vigilância e satélites de comunicação – por que não deveríamos ajudá-los?”.

Fonte: Papiro