O premiê Narendra Modi da Índia durante a plenária da reunião do G20 | Foto: Ludovic Marin/AFP

Washington e seus acólitos, que já haviam fracassado no intento de forçar a Índia a convidar o chefe do regime de Kiev, Volodymyr Zelensky, para a 18ª Cúpula do G20, de Nova Delhi, aberta neste sábado (9), também saíram de mãos abanando na declaração final. Que, quanto à “Guerra na Ucrânia” – este o termo usado -, saúda “todas as iniciativas relevantes e construtivas que apoiam uma abordagem abrangente e uma paz justa e duradoura na Ucrânia”, pede respeito à Carta da ONU e expressa “profunda preocupação com o imenso sofrimento humano e o impacto adverso das guerras e conflitos em todo o mundo”.

Todos os demais pontos da declaração de 76 itens já estavam aprovados em Nova Delhi, quando finalmente o anfitrião da cúpula, o primeiro-ministro indiano Narenda Modi, confirmou que se chegara a uma resolução sobre o conflito na Ucrânia. Esforço de mediação em que a Índia foi ajudada particularmente pelo Brasil e pela África do Sul. No domingo (10), no encerramento da reunião do G20, o Brasil será empossado presidente do grupo, com mandato que se inicia em dezembro de 2023 e vai até novembro de 2024.

Criado em 1999, em plena tirania da ordem mundial unipolar dos EUA, em resposta à crise financeira asiática e suas consequências internacionais, o G20 reunia então ministros de finanças e presidentes de bancos centrais, como uma espécie de correia de transmissão do Fed e de Wall Street. Em 2008, quando o sistema financeiro norte-americano quebra, fragiliza os EUA e espalha a crise pelo mundo inteiro, o G20 é chamado a cumprir um novo papel, passando a ser em nível de chefes de Estado e de governo.

Integram o G20: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, União Europeia e, desde essa sessão do G20, a União Africana (UA).

Em junho, a Índia havia apresentado a proposta de membro pleno para a União Africana. “É uma honra receber a União Africana como membro permanente da família do G20. Isto fortalecerá o G20 e também fortalecerá a voz do Sul Global”, registrou Modi. Ao chamar a UA, representada pelo presidente Azali Assoumani, a ocupar seu lugar à mesa dos líderes do G20, Modi o recepcionou com um acalorado abraço.

Em sua presidência do G20, a Índia sublinhou haver um “apelo coletivo para impulsionar o multilateralismo através da reforma das instituições globais” e se propôs a desempenhar “um papel catalisador nestas mudanças”. Mudança de mentalidade, acrescentou, especialmente “no contexto da integração das aspirações negligenciadas dos países em desenvolvimento, do Sul Global e da África”.

Em mensagem divulgada às vésperas da cúpula, Modi destacara a “Vasudhaiva Kutumbakam”, a concepção indiana  de que “o mundo é uma família” e de um progresso “centrado no ser humano”. “Como Uma Terra, nos unimos para proteger nosso planeta. Como Uma Família, apoiamo-nos uns aos outros na nossa busca pelo crescimento e avançamos juntos em direção a um futuro partilhado – Um Futuro – o que é uma verdade inegável nestes tempos interligados”.

O G20 responde por mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, por 75% do comércio global e 60% da população do planeta. Como convidados da presidência indiana, participam da cúpula os líderes de Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Maurício, Nigéria, Omã, Países Baixos e Singapura. Os presidentes Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia) não estão presentes na cúpula de Nova Delhi, sendo representados, respectivamente, pelo primeiro-ministro Li Qiang e pelo ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov.

O fiasco da pressão de Washington para arrancar uma condenação expressa a Rússia na declaração de Nova Delhi foi reiterado pela emissora alemã estatal Deutsche Welle, que classificou o documento de “brando”. “O tom de condenação”, confirmou a emissora, “era defendido pelos Estados Unidos, o G7 e a União Europeia”.

Ainda de acordo com a Deutsche Welle, a Russia “só foi citada” na declaração “no contexto do acordo para exportação de grãos, suspenso em julho deste ano”, mas que “nem nesse ponto os russos foram condenados, com o texto apelando apenas para a implementação plena, rápida e eficaz de novo acordo ‘para garantir as entregas imediatas e desimpedidas de cereais, produtos alimentares e fertilizantes/insumos provenientes da Federação Russa e da Ucrânia. Isto é necessário para satisfazer a procura nos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, especialmente nos países de África’”.

Segundo a DW, Rússia e China ameaçavam vetar qualquer documento final que apresentasse condenações contra o Kremlin, o que deixaria, pela primeira vez, uma Cúpula do G20 sem uma declaração final.

Atendendo a uma demanda da China, o G20 reafirmou na declaração que a cúpula é um fórum de natureza econômica, e não geopolítica. “Reafirmando que o G20 é o principal fórum para a cooperação econômica internacional e reconhecendo que, embora o G20 não seja a plataforma para resolver questões geopolíticas e de segurança, reconhecemos que estas questões podem ter consequências significativas para a economia global”, diz um trecho.

A recusa do G20 a servir de palco para Zelensky estava bem estabelecida desde agosto, quando o secretário especial da presidência indiana do G20, Miktesh Pardeshi, disse que a Ucrânia não estava incluída na lista de países convidados para a cimeira. Mais tarde, o ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, Subrahmanyam Jaishankar, apontando que o G20 é uma plataforma para discutir o crescimento global, afirmou que o grupo “deveria fazer aquilo para que foi criado e esta é a razão da nossa decisão”.

Em seu pronunciamento, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, apelou aos países do G20 para que persistam na solidariedade e cooperação e reforcem a coordenação das políticas macroeconômicas para proporcionar confiança e impulso ao crescimento econômico.

O destino da humanidade – ele observou – é interdependente e os países devem respeitar-se uns aos outros, procurar pontos comuns enquanto arquivam as diferenças e viver juntos em paz. “Estamos dispostos a unir esforços com todas as partes para fazer maiores esforços e contribuições para a nossa Terra comum, casa comum e para o futuro comum da humanidade”, disse ele.

DÍVIDA DO AQUECIMENTO GLOBAL

O presidente Lula cobrou na abertura do G20 os países ricos a cumprirem suas promessas e investirem “em financiamento climático novo e adicional aos países em desenvolvimento”, ao invés de deixar a defesa do meio ambiente apenas nos discursos. Ele advertiu que são “os mais pobres, mulheres, indígenas, idosos, crianças, jovens e migrantes, os mais impactados”.

Lula denunciou que os países ricos não investem os US$ 100 bilhões por ano em ações ambientalistas que prometeram em 2009, na Cúpula do Clima da ONU (COP). “Quem mais contribuiu historicamente para o aquecimento global deve arcar com os maiores custos de combatê-la. Esta é uma dívida acumulada ao longo de dois séculos”, disse.

As responsabilidades – condenou – “continuam sendo transferidas para o Sul Global”, enfatizando que “recursos não faltam”. “Ano passado, o mundo gastou 2,24 trilhões de dólares em armas. Essa montanha de dinheiro poderia estar sendo canalizada para o desenvolvimento sustentável e a ação climática”, disse Lula.

“As energias renováveis, os biocombustíveis, a socio-bio-economia, a indústria verde e a agricultura de baixo carbono devem gerar empregos e renda, inclusive para as comunidades locais e tradicionais”, apontou o líder brasileiro, anunciando que o Brasil, a frente do G20, realizará “uma Força Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima”.

“Queremos chegar na COP-30, em 2025, com uma agenda climática equilibrada entre mitigação, adaptação, perdas e danos e financiamento, assegurando a sustentabilidade do planeta e a dignidade das pessoas”, disse Lula. A COP-30 será realizada em Belém, no Pará. “Esperamos contar com o engajamento de todos. Para que a beleza da Terra não seja apenas uma fotografia vista do espaço”, convocou, lembrando Yuri Gagarin, sua icônica “A Terra e Azul” e o pouso no pólo sul da Lua da nave indiana Chandrayaan-3 sete décadas depois.

Fonte: Papiro