Repúdio à exaltação da ditadura pela vice de Milei lotou as ruas de Buenos Aires | Foto: Aporrea

Com cartazes de “são 30 mil” – número reconhecido como o que dimensiona o extermínio de oposicionistas cometido pela sanguinária ditadura de Videla –, milhares de argentinos rechaçaram na terça-feira (5), diante da Assembleia Legislativa em Buenos Aires, o ato de apologia dos genocidas, como encabeça a candidata a vice do fascista Javier Milei, Victoria Villarruel. O protesto foi convocado pelas Avós da Praça de Maio, entidades populares, organizações de defesa dos direitos humanos e partidos democráticos.

A ditadura argentina foi aquela a quem o secretário de Estado Henry Kissinger orientou a “se apressarem” com a matança, como está fartamente documentado. O que incluiu os voos da morte, com gente sendo atirada de aviões, execuções e tortura a rodo, bebês roubados dos pais que foram assassinados e criados por militares sequestradores, dois milhões de exilados.

Em suma, uma provocação contra o povo argentino, com o cínico objetivo de reescrever a história, confundir e facilitar a votação no fascista Milei, cujo programa de desgoverno, aliás, só vai adiante na base da promessa de muita repressão.

“Não existiam ‘pais do coração’, houve apropriação de bebês; não houve guerra, mas um Estado terrorista que sequestrou, torturou, assassinou, desapareceu e jogou pessoas no rio. Existem as provas, as testemunhas, os julgamentos e existem as sentenças”, sublinhou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia argentina, a deputada peronista Victoria Montenegro. Apesar da condenação das entidades e partidos democráticos, o ato macabro de Villarruel foi mantido graças à conivência dos macristas.

A advogada e deputada nacional Myriam Bregman denunciou que a candidata Villaruel “diz que busca a memória completa, mas o que ela realmente quer é a impunidade para os genocidas”. Ela chamou o suposto ato de “homenagem” às vítimas do terrorismo “uma provocação” e por isso as organizações sociais “estão nas ruas repudiando”.

“Estamos aqui para lhes dizer que não aceitamos a provocação e que são eles que têm de dizer a verdade. Quem conhece o destino dos desaparecidos é o genocida que ela defende”, destacou.

A bancada da Frente de Todos afirmou que “é inaceitável que o legislativo seja um espaço onde se reivindica a ditadura”, advertindo “contra as provocações daqueles que afirmam ignorar quatro décadas de luta democrática que permitiram ao nosso povo julgar os responsáveis pelo genocídio mais atroz da nossa história”.

Também a bancada de senadores da Frente de Todos divulgou documento repudiando o ato da candidata a vice pelo partido La Libertad Avanza, mais conhecido nas rodas populares portenhas, ironicamente, como Liberty Advances. “Repudiamos enfaticamente a tentativa de avançar com uma campanha de negação do terrorismo de Estado e dos crimes contra a humanidade”, afirma o comunicado.

O documento acrescenta que “gera profundo desconforto e inquietação que, quarenta anos depois da recuperação da democracia na Argentina, seja promovido este tipo de ação política que busca instalar teorias alienadas para negar a responsabilidade pela repressão ilegal”.

“Desta bancada rejeitamos este tipo de provocação que procura limpar a imagem daqueles que tomaram o poder em violação da Constituição Nacional, atacaram brutalmente a população, se apropriaram de bebês, raptaram, torturaram, assassinaram e fizeram desaparecer 30 mil pessoas”.

A Secretaria de Direitos Humanos da CGT, liderada pelos magistrados Julio Piumato e Maia Volcovinsky, apontou em documento a necessidade de “todas as medidas serem adotadas para evitar essas provocações, que negam e falsificam a verdade histórica e ofendem a memória do povo”.

“Esses setores pretendem agora restabelecer a teoria dos dois demônios e avançar com as políticas de esquecimento e negação como complemento necessário para aprofundar o plano de saque e entrega da Pátria. Depois de 40 anos de democracia, renascem os cantos de sereia que procuram aplicar políticas econômicas que já falharam e são responsáveis por terem travado o modelo de desenvolvimento nacional que alcançou a plena justiça social”, apontou a CGT.

Os secretários de direitos humanos de quinze províncias divulgaram um comunicado consensual. “Os genocidas não são homenageados, mas são julgados dentro do Estado de Direito e condenados”, afirmaram. Eles classificaram de falaciosa a alegação de Villarruel por procurar “legitimar crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado, enquadrando-os numa guerra que não existia”. “O que existiu foi um plano sistemático de extermínio, um genocídio idealizado e executado pelo Estado ditatorial”.

“O pacto democrático se baseia neste consenso que é a base inegociável da democracia”, acrescenta o comunicado assinado pelas autoridades de direitos humanos de Santa Cruz, La Rioja, Río Negro, Tucumán, Santa Fé, Santiago del Estero, Salta, Terra do Fogo, Chubut, San Juan, Chaco, Buenos Aires, La Pampa, Entre Ríos e Catamarca.

Também manifestaram sua indignação familiares de vítimas da ditadura fascista argentina. O deputado da Frente de Todos de Buenos Aires, Cláudio Morresi, disse em declaração à Rádio Télam queaquilo que Villarruel quer “é impunidade para todos os genocidas”. Ele é irmão de Norberto Morresi, sequestrado e desaparecido pela ditadura. Para ele, o ato de Villarruel é um biombo, na realidade o que ela e Milei querem é “liberdade” para implementar as políticas econômicas “que foram levadas a cabo” durante a ditadura.

Charly Pisoni, filho de militantes peronistas mortos e que foi criado pela avó materna desde 37 dias de vida e encabeça hoje a entidade “Filhos”, chamou os manifestantes a dar a conhecer à população que “uma candidata a vice-presidente defende aqueles que roubaram bebês, torturaram e assassinaram”.

“Só houve um terrorismo e foi o Estado”, afirmou Horacio Pietragalla, que hoje tem 45 anos e aos 27 descobriu ser filho de desaparecidos políticos sequestrado ainda bebê durante a ditadura argentina e não do militar que o criara, graças ao trabalho das Avós da Praça de Maio. Ele disse não acreditar “que grande parte dos argentinos siga o pensamento de uma mulher que consegue argumentar e justificar as violações de mulheres, as cesarianas sem anestesia, atirando-as, depois de roubarem os seus filhos, vivas dos aviões”.

Fonte: Papiro