Com Barata, Confissões, Bernardo Joffily estreia na literatura
Quando Bernardo Joffily começou a escrever Barata, Confissões, a internet ainda não chegava às massas, nomes como o de Osama Bin Laden eram completamente desconhecidos e Lula nunca tinha sido eleito presidente da República. Quase 30 anos depois – e após uma série de reviravoltas –, seu romance histórico chega, finalmente, ao público. O livro foi lançado nesta sexta-feira (25), em São Paulo.
Bernardo, de 72 anos, diz estar em “idade provecta para um debutante”. Com mais de cinco décadas de dedicação ao jornalismo – em especial, à imprensa alternativa –, o autor se aventura pela primeira vez na ficção. “Mas, como leitor, tenho uma considerável quilometragem rodada. Costumo dizer que, com todo respeito pelas demais musas, a literatura é a minha praia predileta”, diz o jornalista e escritor em entrevista ao Vermelho.
Ambientado em Natal, no longínquo ano de 1838, Barata tem como personagem central o cirurgião e jornalista baiano Cipriano Barata (1762-1838), abnegado defensor da independência do Brasil, da república e do fim da escravidão. O livro, livremente inspirado na trajetória de Barata, fixa em seus últimos meses de vida, quando o País estava sob a Regência Una de Araújo Lima, à espera da maioridade do imperador Dom Pedro 2º.
“A narrativa puxa mais para a literatura de viagem e também para a de mistério”, explica Bernardo. “Usei a liberdade que a literatura presenteia para inventar uma conexão entre o velho Cipriano Barata, nos últimos meses de sua vida, e um horripilante episódio real, o Massacre da Pedra Bonita, ocorrido naquela época no sertão de Pernambuco.”
Confira abaixo a entrevista.
Vermelho: Por que Cipriano Barata – e por que um romance?
Bernardo Joffily: Eu debutei como romancista aos 72 anos, idade provecta para um debutante. Mas, como leitor, tenho uma considerável quilometragem rodada. Costumo dizer que, com todo respeito pelas demais musas, a literatura é a minha praia predileta.Quanto a Barata, desde a juventude é um personagem que me fascina. E, como terminei sendo também jornalista, o compartilhamento do ofício deve ter estimulado o antigo fascínio.
Vermelho: Tirando Mário de Andrade – que disse ter escrito Macunaíma em seis dias –, romances históricos costumam levar tempo para nascer. Como foram a gestação e o parto de Barata, Confissões?
BJ: Comecei o Barata no século passado, umas boas três décadas atrás. Mas parei no meio, desisti, fui cuidar de outras coisas, engavetei o projeto. Então, mudei aqui para a praia do Morro das Pedras (SC), com a agenda bem mais folgada, e um belo dia passou-me pela veneta fazer uma busca por “barata” no backup do micro. E, quem diria, ali estava uma pasta, com uma dúzia de arquivos, só que antediluvianos, não conseguia abrir um só.
Quem me valeu foi meu genro, que é bom nessas coisas e converteu os arquivos para a modernidade. Estava tudo lá, a pesquisa, uns trechos do jornal Sentinela da Liberdade, anotações sobre personagens e um pedaço da narrativa, uns bons dois terços, talvez três quartos. Li, gostei, arregacei as mangas e, não em seis dias, mas em umas poucas semanas mandei o Barata para o prelo.
Vermelho: Desde que a Escola dos Annales nos lembrou que “tudo é fonte” – inclusive a ficção –, os romances históricos viraram peças fundamentais de investigação e pesquisa. De que maneira seu livro joga luzes sobre as lutas do povo brasileiro sob o Brasil Império?
BJ: Minha historieta acontece em 1838, uma época em que o jovem Brasil fervia, com rebeliões desde o pampa gaúcho até a selva amazônica. Mas elas formam apenas o pano de fundo, o cenário. A narrativa puxa mais para a literatura de viagem e também para a de mistério. Usei a liberdade que a literatura presenteia para inventar uma conexão entre o velho Cipriano Barata, nos últimos meses de sua vida, e um horripilante episódio real, o Massacre da Pedra Bonita, ocorrido naquela época no sertão de Pernambuco.
Vermelho: Na condição de jornalista do tipo partidário, engajado, militante, como você analisa o peso da imprensa “de resistência” no século 19?
BJ: Eram os tempos heroicos do jornalismo. Os jornais, mesmo os bem-comportados, costumavam ser obra de um único, solitário, infatigável escrevinhador. Porém na minha estória o escritor já não escreve. Quebraram-lhe os óculos, por pura maldade, ele passa o livro a tentar substituí-los na província meio esquecida onde foi exilado.
Vermelho: Existe um movimento disposto a suavizar a imagem dos imperadores brasileiros, especialmente Dom Pedro 2º, exposto cada vez mais como homem culto e bondoso, com visão de estadista. Após seu (novo) mergulho no período imperial, você concorda com essa releitura?
BJ: Dom Pedro 2º aparece no romance apenas em uma menção de passagem, era um menino em 1838. Não era despótico como seu pai, de fato tinha lá suas luzes, prezava as artes, as ciências, porém eu o enxergo como um monarca um bocado conservador e julgo que a sua trajetória, do princípio ao fim, me dá razão – a começar pela grande questão social de sua época, a escravidão, que ele pudicamente denominava “questão servil”. Para quem deseje uma apreciação um pouco mais detida, remeto a outra obra minha, esta de não ficção, o Atlas Histórico do Brasil.
Vermelho: Nesta fase de reconstrução do Brasil, o que a trajetória de Cipriano Barata pode nos ensinar? Precisamos de mais e mais Ciprianos — de uma praga inspirada de Baratas?
BJ: Barata – o jornalista de carne e osso, não o meu personagem – deve ter sido um visionário e um revolucionário, bastante avançado mesmo, para o seu tempo. Porém nós, seres humanos, estamos condenados a suportar os grilhões que este último fator, o tempo, sempre nos impõe. Assim, é claro que narrei minha estória com a nada secreta intenção de despertar simpatias, afinidades, quem sabe até emulações, mas muito consciente de que meus leitores e leitoras hão de ter as suas concretudes, que jamais hão de ser as de Cipriano Barata, ou mesmo as minhas – e, sim, as suas, originais e inéditas.