Bolsonaro, Michelle e o silêncio dos culpados
A Bíblia que o casal Bolsonaro diz ler nos ensina que há o “tempo de calar” e o “tempo de falar”. Desde que o escândalo das joias sauditas explodiu, Jair e Michelle apostaram no estilo falastrão, deram várias versões (algumas contraditórias) e até fizeram piadas. “Vocês pediram tanto e falaram tanto de joias que, em breve, teremos lançamento ‘Mijoias’ para vocês”, chegou a ironizar, no sábado (26), a ex-primeira-dama.
Para azar dos Bolsonaro, o inquérito aberto na Polícia Federal para apurar o caso avançou de modo acelerado, tantas eram as provas deixadas pelos envolvidos. A minuciosa reconstituição da saga das joias – em especial a do relógio Rolex avaliado em US$ 68 mil (mais de R$ 300 mil) – foi um dos trabalhos mais primorosos realizados pela PF nos últimos tempos.
A suspeita de que Bolsonaro liderou uma “organização criminosa” para utilizar a estrutura do Estado brasileiro e desviar bens de alto valor patrimonial é cada vez mais irrefutável – há também acusações de lavagem de dinheiro, sonegação e peculato (desvio de bem público). Alguns agentes da PF já especulam que delações premiadas, a esta altura, teriam pouca serventia.
Nesta sexta-feira (30), houve o depoimento simultâneo – mas em salas separadas – de oito membros da tal “organização criminosa”. Quatro resolveram falar – o advogado Frederick Wassef, o tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), o general Mauro Lourena Cid (pai de Mauro Cid) e o tenente Osmar Crivelatti (ex-assessor da Presidência da República).
Em contrapartida, ficaram em silêncio o advogado Fabio Wajngarten (ex-secretário de Comunicação da Presidência), o coronel Marcelo Câmara (ex-assessor da Presidência) e o próprio casal Bolsonaro. Em petição à PF, a defesa de Jair e Michelle alegou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) não reconheceu a competência no STF (Supremo Tribunal Federal) para investigar esse caso. Segundo a defesa, eles só voltarão a falar à Justiça se for “diante de um Juiz Natural competente”.
Em público, os advogados da família Bolsonaro afirmam lutar para que o caso saia do STF e vá para a primeira instância, na 6ª Vara da Justiça Federal, em Guarulhos, onde Bolsonaro já prestou depoimento neste ano. A petição indica que o ex-presidente “permanece inteiramente à disposição para prestar eventuais esclarecimentos – desde que sejam observadas as regras de competência”.
Reservadamente, a preocupação é outra. Bolsonaro e Michelle precisam ganhar tempo para reorganizar a estratégia de defesa. A profusão de depoimentos simultâneos elevou o risco de incriminação do casal, em particular do ex-presidente, e inviabilizou um acordo entre os oito depoentes para uma versão comum dos fatos. Ao Blog da Camila Bomfim (G1), Cezar Bitencourt, advogado de Mauro Cid, disse que seu cliente foi nessa direção: “O Cid assumiu tudo. Não colocou Bolsonaro em nada”.
Afora a credibilidade em baixa de Bitencourt – que já deu constantes declarações desconexas sobre Mauro Cid –, não cabe mais a hipótese de que dois ou três aliados assumam integralmente a responsabilidade pelos crimes e isentem Bolsonaro. Áudios, mensagens, fotos e até vídeos apontam para a culpa do ex-presidente. A tentativa – já executada pela defesa bolsonarista – de cravar as joias como bens pessoais, e não públicos, fracassou. Presentes recebidos em viagens oficiais só ficam com o presidente se tiverem “caráter personalíssimo” e baixo valor monetário.
Apenas parte das investigações vazou à imprensa. Apesar da recompra do Rolex, ainda há joias que deveriam estar no acervo da Presidência da República, mas permanecem desaparecidas. O silêncio dos culpados na Polícia Federal não é neutro e, pela falta de contrapontos contundentes, deixa Bolsonaro mais próximo da condenação e da prisão.