Fila de caminhões com carga de alimentos retidos na fronteira do Níger fechada pela Nigéria | Foto: Premium Times

Burkina Faso e Mali receberam do governo do Níger sublevado autorização para envio de tropas em caso de o país do Sahel ser invadido por forças da chamada Comunidade Econômica da África Ocidental (Cedeao), como esta vem ameaçando fazer, a soldo da França e dos EUA.

Níger, Burkina Faso e Mali concordaram em “fornecer capacidades mútuas de defesa e assistência na área de defesa e segurança em caso de agressão ou ataques terroristas”, registrou a agência de notícias nigerina ANP. “Este acordo estratégico visa a proteção coletiva e a segurança da região contra ameaças crescentes de grupos extremistas”, salientou a ANP na quinta-feira (24). Anteriormente, Burkina Faso e Mali haviam advertido que um ataque ao Níger seria considerado “uma declaração de guerra” a ambos.

Na sexta-feira (25), o governo do Níger expulsou o embaixador francês, Sylvain Itte, que recebeu 48 horas para deixar o país, em razão da descabida interferência de Paris nos assuntos internos nigerinos. Após o levante de 26 de julho, o Níger rompeu os acordos militares com Paris e determinou a saída das tropas francesas – 1.500 homens – do país, o que o governo Macron se recusa a fazer. Há também tropas norte-americanas, italianas e alemães; além da maior base de drones do mundo sob domínio dos EUA.

Por sua vez, o governo da Argélia anunciou que está em contato com o governo da Nigéria – o maior país da Cedeao – em busca de uma saída pacífica para a crise. Argel advertira antes que uma invasão ao Níger “incendiaria o Sahel” e posteriormente negou a Paris uso de seu espaço aéreo para uma incursão no Níger, segundo a mídia.

A região do Sahel está desestabilizada desde 2011, quando o bombardeio da Líbia pela Otan devastou o que era um dos mais avançados países africanos, assassinando Kadhafi e instalando no poder grupos extremistas que serviram de tropa de choque para a OTAN. A devastação da Líbia abriu caminho para que hordas da Al Qaeda, Estado Islâmico e Boko Haram se espalhassem ao sul, provocando ondas de refugiados, com milhares vindo a perecer nas águas do Mediterrâneo no afã de chegarem à Europa, e agravando a miséria e insegurança em alguns dos países mais pobres do mundo e economicamente subjugados pelo “franco das colônias”, o franco CFA, moeda imposta por Paris através de governos colonizados apesar da independência formal.

A manutenção do franco CFA na prática inviabilizou qualquer desenvolvimento e tornou as ex-colônias em mercado cativo da França, além de forçá-las a depositar 50% das suas reservas no BC francês. Um verdadeiro sequestro das reservas obtidas através da venda a preço irrisório dos minérios das antigas colônias a suas antigas colônias, como o caso do urânio do Níger despachado à França.

Em reação a esse quadro, revoltas militares têm espocado na região, com governos revoltosos instaurados no Mali, Burkina Faso, Guiné e, agora, no Níger, a ex-colônia que fornece 25% do urânio que gera energia elétrica na França. O que explica porque os brados de “France, dégage!” – Saia, França – se espalham como o fogo na savana.

Na capital Niamey e até nas remotas aldeias das fronteiras, multidões têm manifestado seu apoio à revolta contra as imposições de Paris e Washington, inclusive erguendo bandeiras russas, país que sequer tinha embaixada ali, mas que prestou ajuda a Mali e Burkina Faso. Considerado um fantoche, o presidente Mohamed Bazoum vem sendo mantido em prisão domiciliar.

Mesmo na Nigéria, há oposição à invasão do vizinho Níger, já que a população do norte da Nigéria e a do Níger basicamente são o mesmo povo hausa, separado por linhas traçadas arbitrariamente pelas potências coloniais. O Senado nigeriano ignorou, inclusive, pedido do presidente Bola Tinubu para invadir o Níger, apontando a necessidade de, no lugar, proceder à diplomacia.

A Casa Branca enviou a subsecretária de Estado Victoria Nulan para pressionar os militares nigerinos sublevados, mas não foi recebida pelo líder do CNSP, tendo uma “conversa difícil” com outro general.

Os asseclas de Paris e Washington ainda não invadiram, mas já colocaram em prática, a exemplo do que cometem rotineiramente seus mandantes: sanções que afetam de forma ainda mais grave os mais carentes. O governo de Tinubu cortou o fornecimento de energia elétrica ao Níger, que depende em 70% desse fornecimento, provocando blecautes que duram horas. Também congelou fundos nigerinos mantidos nos bancos da Nigéria.

Mali e Burkina Faso, que declararam sua “solidariedade fraterna” ao país vizinho, denunciaram as “sanções ilegais, ilegítimas e desumanas contra o povo e as autoridades do Níger”. O presidente da Guiné, Mamady Doumbouya – cujo governo também foi resultado de um levante – também expressou “desacordo com as sanções recomendadas pela Cedeao, incluindo a intervenção militar”. A Guiné classificou as sanções de “ilegítimas e desumanas” e exortou o bloco a “reconsiderar a sua posição”.

O Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU alertou na semana passada que o bloqueio estava “afetando grandemente o fornecimento de alimentos vitais e de fornecimentos médicos ao Níger”, onde pelo menos 3,3 milhões de pessoas já estavam em “aguda insegurança alimentar” antes da derrubada do presidente Bazoum.

Segundo a Reuters, milhares de caminhões que transportavam alimentos com destino ao Níger ficaram presos durante semanas na passagem de Malanville, no norte do Benim, devido ao encerramento da fronteira e às sanções impostas ao novo governo em Niamey. O posto de controle de Malanville, no Benim, é considerado um dos mais movimentados da África Ocidental, com um elevado volume de mercadorias em trânsito, incluindo produtos de ajuda humanitária que passam para o vizinho Níger.

A fila de caminhões carregados se estende por 25 quilômetros “das margens lamacentas do rio Níger que marca a fronteira”, segundo a agência de notícias, que observa que parte das mercadorias está sendo levada através do rio, fugindo dos guardas de fronteira.

“Não sabemos se fomos feitos reféns ou o quê”, disse um motorista nigerino que disse ter ficado preso na fronteira com a sua carga de açúcar e petróleo durante mais de 20 dias. “Não há comida, não há água, não há onde dormir”, acrescentou.

Margot van der Velden, diretora regional interina da agência alimentar da ONU para a África Ocidental, instou “todas as partes a facilitarem isenções humanitárias, permitindo o acesso imediato às pessoas que necessitam de alimentos essenciais e de necessidades básicas. ”

O porta-voz regional do PMA na África Ocidental, Djaunsede Madjiangar, disse que cerca de 6.000 toneladas de produtos da agência, incluindo cereais, óleo de cozinha e alimentos para crianças subnutridas, estão retidos fora do Níger.

Comerciantes da vizinha Nigéria manifestaram preocupação com o impacto das sanções no comércio transfronteira. Já o Financial Times chamou a atenção para a “feroz oposição doméstica” ao selvagem programa econômico de Tinubu ditado pelo FMI, que cortou os subsídios aos combustíveis e triplicou os preços da gasolina, enquanto a inflação está em 22% e as greves e os protestos se espalham.

Fonte: Papiro