Linha de montagem da fábrica chinesa de motores Wuling | Foto: AFP

Com a China crescendo 5,5% no primeiro semestre de 2023 – o que faz as potências do G7 se roerem de inveja -, certos círculos midiáticos dos EUA subitamente inflaram a discussão sobre um suposto “colapso iminente do modelo chinês”, o que mais recentemente se expressou na provocação feita pelo octogenário presidente dos EUA, Joe Biden, de que a China é “uma bomba-relógio”.

Em oposição a tal alegação, o economista norte-americano David Goldman, que é o vice-editor-chefe do Asia Times, reiterou que “a China criou o maior milagre econômico do mundo e certamente criará outro milagre” em coluna de opinião na Newsweek.

Goldman lembrou que o PIB real per capita da China saltou “de US$ 404 em 1979 – o ano em que Deng Xiaoping abriu a economia para a iniciativa privada – para US$ 11.560 em 2022 (em dólares constantes de 2015)” e que desde 2001, o PIB real per capita da China “quintuplicou”.

Como comparação, ele assinalou que o PIB real per capita da Índia passou de US$ 373 em 1979 para apenas US$ 2.085 em 2022.

“Isso não quer dizer que a trajetória da era Deng ainda seja válida hoje. Naquela época, a China treinou agricultores de subsistência em trabalhadores industriais semiqualificados. Esse modelo econômico claramente atingiu o pico, com a migração massiva do campo para a cidade diminuindo a população rural e a população em idade produtiva da China também diminuindo lentamente”, registrou.

NOVA ECONOMIA DIGITAL IMPULSIONADA

Mas – destacou Goldman – “a China está construindo uma nova economia digital impulsionada pela inteligência artificial e banda larga de alta velocidade”. Ele salientou que a China tem “2,3 milhões das 3 milhões de estações base 5G do mundo”, e a velocidade de download da rede 5G doméstica “é o dobro” da dos Estados Unidos.

Também tem um porto totalmente automatizado, “que pode concluir o carregamento e descarregamento de um grande navio porta-contêineres em 45 minutos; a mesma carga de trabalho, que o porto de Los Angeles, Long Beach, leva 48 horas”.

A China – acrescentou – também possui minas totalmente automatizadas que não exigem que os trabalhadores assumam riscos; fábricas controladas por inteligência artificial e armazéns onde robôs são responsáveis pela triagem e embalagem.

Mais importante ainda – o destaque é de Goldman – “quase dois terços dos cidadãos chineses têm educação além do ensino médio, contra apenas 3% em 1979”. A China forma “mais engenheiros todos os anos do que outros países do mundo juntos”, e o nível de ensino das universidades chinesas atingiu o nível mundial.

Outro aspecto do desenvolvimento econômico da China é que hoje ela “exporta mais para os países do Sul Global do que para os mercados desenvolvidos. Desde 2020, as exportações da China para os países da ASEAN dobraram e as exportações para os países da Ásia Central triplicaram. Da África à América do Sul, a China está construindo banda larga, ferrovias e portos, pressionando por mercados permanentes para as exportações chinesas”.

“Claro, a nova economia digital da China ainda está em seus estágios iniciais de desenvolvimento e muitos problemas podem surgir”. Mas a China também fez muitas coisas certas. Este ano, “a China ultrapassou o Japão para se tornar o maior exportador de carros do mundo, em parte graças à Shanghai Gigafactory da Tesla. Um carro elétrico feito na China é o equivalente a uma versão do século 21 do Modelo T Ford”.

Para o economista e vice-editor-chefe, a “teoria demográfica do Juízo Final” sobre a China está “totalmente errada”.

Uma força de trabalho encolhendo não significa necessariamente uma recessão, ele apontou. Entre 1990 e 2010 – ele observa -, “a produção industrial da Coreia do Sul quintuplicou, enquanto a força de trabalho fabril caiu um quinto”. A Coreia do Sul melhorou sua posição na cadeia da indústria de valor agregado fabricando componentes eletrônicos de ponta, automóveis e chips de computador. “O ensino superior transformou a Coreia do Sul de um mercado de mão de obra barata em um concorrente da indústria de alta tecnologia”.

Goldman lembrou a bobagem cometida em 1994 pelo vencedor do Nobel de Economia, Paul Krugman, zombando do “mito do milagre asiático”, alegando que os “Tigres Asiáticos” haviam esgotado suas reservas de mão de obra barata. “Ele falhou em prever os futuros ganhos de produtividade nesses países e regiões, assim como aqueles que afirmam que ‘o crescimento da China atingiu o pico’ hoje”, ressaltou.

“A China está determinada a liderar a quarta revolução industrial”, enfatizou o economista norte-americano.

“Como mencionei em uma resenha que escrevi para a Newsweek em março, a gigante chinesa de telecomunicações Huawei disse que assinou 6.000 contratos para construir redes 5G corporativas para dar suporte a aplicativos de inteligência artificial nas fábricas”. Ele assinalou ainda que a Huawei oferece um sistema de inteligência artificial baseado em nuvem que permite que as empresas “criem seus próprios aplicativos”.

MAIOR MERCADO MUNDIAL DE ROBÔS INDUSTRIAIS

A China – sublinhou Goldman – é agora “o maior mercado mundial de robôs industriais”. Se o que observamos na indústria de veículos elétricos for generalizado para outros setores da economia, ele acrescentou, a China terá uma liderança incontestável no setor industrial.

Para Goldman, a guerra de Washington contra o desenvolvimento da tecnologia chinesa não vai funcionar. Os chips produzidos internamente na China são relativamente antigos, mas “o suficiente para suportar aplicações de IA na indústria”. “Sem acesso a chips de última geração, a Huawei não pode vender smartphones 5G competitivos, mas seus aplicativos de IA são bons o suficiente para manter fábricas, portos e minas funcionando”.

Segundo ele, as rígidas medidas de controle da China em resposta à epidemia no ano passado explicam a “desaceleração do consumo doméstico”. Também a ação contra as principais empresas de tecnologia da China deixou o mercado de ações da China “cambaleando em comparação com o resto do mundo, elevando o custo de financiamento para startups domésticas”.

Um problema muito doloroso de resolver no curto prazo é que os graduados em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM) das universidades chinesas estão superando as contratações da indústria de tecnologia, e o desemprego dos jovens atingiu 21%. “Ainda assim, as previsões sobre o “colapso iminente” da China estão tão erradas agora quanto há 20 anos”, afirmou Goldman.

“A relação dívida/PIB da China é de 3:1, ligeiramente superior à dos EUA, de 2,5:1, mas muito inferior à dos 4:1 do Japão. O rendimento dos títulos do governo de 10 anos da China é de 2,6%, em comparação com 4,1% nos Estados Unidos. Os governos locais chineses estão sobrecarregados com cerca de US$ 5 trilhões em dívidas (denominadas em renminbi), mas têm quase US$ 30 trilhões em ativos por trás deles”.

Para concluir, Goldman conclamou os EUA a não se dar o luxo de interpretar mal a China novamente. “A transformação de alta tecnologia da China pode ter sucesso ou fracassar, mas esperar que a China entre em colapso não é uma política séria”.

Quanto às premências dos EUA, ele insistiu em que “precisamos de um investimento maciço na escala da Ida à Lua de Kennedy ou da Iniciativa de Defesa Estratégica de Reagan para reconstruir a base industrial da América e recuperar sua vantagem tecnológica”.

Quanto ao que disse Biden sobre os “caras maus” chineses fazendo “coisas ruins quando têm problemas”, de acordo com a Bloomberg não deverá emplacar devido a “várias imprecisões importantes”. “A China estava crescendo 8% ao ano para manter o crescimento, agora perto de 2% ao ano”, disse Biden em Park City, Utah, distorcendo a taxa de expansão da China.

Já para a agência de notícias chinesa Xinhua, o que Biden fez foi usar o “velho truque” de difamar a China para distrair dos problemas domésticos que seu governo acumula – daquela onda de quebras de grandes bancos até os baixos índices de aprovação da gestão da Casa Branca, mais o rebaixamento pela agência de rating Fitch.

A Xinhua classificou ainda tais avaliações sobre o desenvolvimento da China como tentativa de “minar a confiança” na China e “cegueira seletiva”.

“A economia da China resistiu à pressão e fez uma rara recuperação geral, com melhorias nos principais indicadores. A China tem opções suficientes em sua caixa de ferramentas de política macro, e o governo ainda está formulando uma série de políticas mais direcionadas e poderosas para o desenvolvimento econômico na próxima metade do ano”, reiterou a Xinhua, como teve de registrar a Bloomberg.

Fonte: Papiro