Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mesmo correspondendo a mais da metade da população brasileira (55%) e respondendo por uma alta movimentação na economia brasileira, estimada em R$ 2 trilhões anuais, a população negra ainda é fortemente vitimada pelo racismo em estabelecimentos principalmente de comércio e serviços, com um em cada três dizendo já ter passado por situações dessa natureza no último ano.

É o que revela pesquisa feita pelos institutos DataRaça e Akatu, divulgada nesta semana. Ao todo, 34,8% relataram sofrer preconceito — contra quase 60% que disseram não ter sofrido e pouco mais de 5% que não souberam ou quiseram dizer.

As situações vivenciadas são, na grande maioria das vezes (72%), sutis ou camuflados, revelando, conforme o estudo, um “padrão silencioso e persistente”. São exemplos os de vendedores que seguem um cliente negro pela loja ou de seguranças que os vigiam — situações difíceis de serem comprovadas e denunciadas e, muitas vezes, resultantes de comportamento sutis.

De acordo com as respostas colhidas pelos institutos, os jovens negros (48,5%) são os mais afetados. A região Sul (55%) apresenta os maiores índices de discriminação e as classes mais baixas (C: 37,5% e D: 37%) são as que mais sentem o preconceito ao tentar acessar produtos e serviços.

“O dado rompe o mito de que o racismo se limita às esferas institucionais: ele se manifesta nas relações cotidianas entre cliente e marca”, diz o estudo.

Quanto aos locais em que essas situações mais se manifestam, os de serviços públicos têm menor índice do que os de comércio. As lojas de roupas, calçados, perfumaria ou acessórios lideram com quase 25%, seguidas dos shoppings, com 17%, e supermercado, com 16,8%. Bem mais abaixo vêm os órgãos públicos, com 5,5%.

“Os dados mostram que o consumo é um território de exclusão simbólica: o corpo negro ainda é tratado como suspeito ou deslocado nos espaços com maior visibilidade”, argumenta o estudo.

Outra informação importante diz respeito ao Índice de Barreiras à Inclusão Racial no Consumo, que mostra o quanto pessoas negras sentem que ainda enfrentam obstáculos para serem tratadas com respeito, representadas e reconhecidas como consumidoras no Brasil.

De acordo com a medição, esse indicador está em quase 60 — conforme a pesquisa, quanto maior o número, maior a sensação de exclusão e desigualdade racial nas relações de consumo.

A pesquisa também mediu o Índice de Etnocentrismo Racial no Consumo, que aponta o quanto a identidade racial influencia as escolhas de compra das pessoas negras. Neste caso, usando o mesmo tipo de escala de zero a 100, o índice ficou em 36,5.

Racismo exposto

Embora especialmente focado em “revelar oportunidades de negócio, inovação e reputação corporativa”— conforme descreve em seu objetivo principal —, o levantamento acaba por reforçar a percepção geral sobre as várias facetas do preconceito racial, para além do mundo do comércio e dos serviços.

“A violência policial e a discriminação no trabalho são os principais problemas raciais percebidos pela população negra no Brasil, mas poucos acreditam poder influenciar essa realidade”, diz o estudo.

Os números demonstram o quão alarmante é essa realidade. A violência policial contra a população negra é apontada como de gravidade muito séria para o Brasil, com 73% das respostas, e como de gravidade pessoal muito séria em 70%. A possibilidade de se ter muita influência na mudança dessa situação é admitida por apenas 22%.

Já a falta de oportunidades para a população negra e a discriminação no emprego por cor/raça é vista como de gravidade muito séria para o Brasil em 65% das respostas e de gravidade pessoal muito séria em 60% — e também é baixo o índice dos que avaliam poder incidir na transformação dessa realidade: 21%.

Desdobrando esses dados, tem-se que a ausência de oportunidades preocupa principalmente mulheres (73%), jovens (76%), moradores do Sul (78%) e pessoas que já sofreram discriminação (77%), sendo percebida como um problema pessoal por 63% da classe D/E.

A violência policial é vista como muito séria por 77% das mulheres, por quase 90% dos sulistas, 83% dos jovens e 80% dos que já sofreram discriminação.

Além desses aspectos, a percepção da discriminação no consumo como problema nacional é especialmente alta entre mulheres (66%), jovens de 18 a 24 anos (74%) e pessoas que já vivenciaram discriminação (73,5%).

Como conclusão, o estudo argumenta que o consumidor negro “reconhece que marcas têm responsabilidade em temas de consumo e inclusão, mas não delega a elas a missão de
corrigir desigualdades estruturais, atribuição que permanece na esfera pública”.

A pesquisa foi realizada em outubro, com mil pessoas negras — contemplando amostra representativa da população brasileira adulta negra — e foi feita de maneira online. O nível de confiança é de 95% e a margem de erro de 3,1 ponto percentual.