O presidente Nicolás Maduro (centro) desfila ao lado do ministro da Defesa, Vladimir Padrino (à esquerda), à frente de forças militares em Forte Tiuna, Caracas, no início de 2019

Fontes norte-americanas apontam que a administração Donald Trump elaborou uma série de cenários para atuar contra o regime de Nicolás Maduro. Segundo reportagem do New York Times, a Casa Branca já trabalha com opções que vão além das simples sanções: ataques a unidades militares venezuelanas, controle de campos petrolíferos, apoderamento de aeroportos e possivelmente a captura — ou mesmo assassinato — do presidente da Venezuela. Esse conjunto de medidas configura uma tentativa de mudança de regime com foco real que engloba interesses estratégicos e energéticos, ainda que oficialmente o governo insista que o alvo é o tráfico de drogas.

A combinação de interesses — militares, energéticos e políticos — transforma a Venezuela num tabuleiro onde os EUA podem testar limites da sua hegemonia. Se o plano avançar, poderá marcar uma nova era de intervenção americana na América Latina — mas se falhar, deixará um legado de crise diplomática e militar com riscos militares, legais e geopolíticos — e a história venezuelana mostra que falharam eventos parecidos no passado. O risco, portanto, pode ser tão elevado quanto o que está em jogo.

Legalmente controverso e politicamente arriscado

Além de avaliar incursões militares, o governo pediu pareceres do Departamento de Justiça dos Estados Unidos para legitimar a ação sem necessidade de aprovação do Congresso, o que rompe com precedentes. Oficialmente, o argumento central é que a Venezuela está ligada ao narcotráfico, via organizações como a Tren de Aragua, e que isso justifica operações militares sem a necessidade de declaração formal de guerra. Se for conduzida, a operação colocaria em risco tropas americanas, a credibilidade dos EUA e os acordos internacionais de soberania.

O valor estratégico da Venezuela, lar das maiores reservas petrolíferas do mundo, transforma a crise em disputa energética. Analistas afirmam que o controle desses campos pode ser o maior motivador das manobras de Washington, que já mobilizaram o golpe para derrubar Bashar Al-Assad na Síria, para controlar seus poços, que são uma fração mínima da Venezuela, país vizinho dos EUA. Situações similares ocorreram com o Iraque de Saddam Hussein e a Líbia de Muamar Khadafi.

No entanto, sem um plano claro de governança pós-Maduro, uma eventual intervenção poderia levar à instabilidade ou entregar o país a outro governo não-alinhado. Alguns especialistas alertam que o país pode mergulhar em um caos semelhante ao da Líbia se as forças armadas se fragmentarem em facções rivais. 

Estratégias em discussão e fragilidades

Os planos norte-americanos se dividem em várias frentes:

  • Ataques aéreos e instalações terrestres — visando unidades militares e pistas de transporte ligadas ao regime.
  • Operações especiais — uso de forças de elite para capturar ou eliminar Maduro.
  • Controle de infraestrutura estratégica — aeroportos, campos petrolíferos e sistemas de transporte.
    Essa última opção levanta questionamentos porque requer força significativa no terreno, ocupação e administração posterior — o que historicamente fracassa ou gera custos imensos.

Além disso, há o fato de que não está claro se Trump deseja assumir o risco político e militar de uma invasão direta. Ele demanda “o que ganhamos em troca?” antes de autorizar operações maiores.

Por que esse plano talvez não dê certo

  • Capacidade de resistência venezuelana: o regime de Maduro tem apoio militar e paramilitar interno, fatores que dificultam uma operação rápida.
  • Vazio pós-intervenção: mesmo que Maduro fosse deposto, quem garantiria estabilidade e apoio popular? Os EUA não têm um plano robusto para governar ou reconstruir a Venezuela.
  • Legalidade e supervisão: qualquer ataque direto ao chefe de Estado estrangeiro ou invasão viola direitos internacionais e requer respaldo do Congresso — ponto que a Casa Branca tenta evitar.
  • Custo político global: a escalada militar colocaria os EUA sob críticas de imperialismo, invasão e poderia acirrar alianças contrárias (como Rússia e China apoiando Caracas).

Embora haja mobilização naval e de forças norte-americanas no Caribe e costa da Venezuela, especialistas sugerem que o mais provável é que o governo opte por intervenções limitadas — bombardeios, operações secretas, pressão econômica — em vez de invasão em larga escala.

A resistência venezuelana

De acordo com outra reportagem do New York Times, a Venezuela parece ter defesas sólidas que poderiam testar o poderio militar dos Estados Unidos. Mísseis de cruzeiro iranianos projetados para afundar navios no mar. Mísseis terra-ar russos para atacar aeronaves voando em baixa altitude. Veículos blindados chineses para reprimir protestos. Até mesmo alguns caças F-16 americanos obsoletos.

O arsenal incomum do país, adquirido em grande parte de adversários dos EUA e combinado com anos de armamento de civis para reforçar suas defesas, ressalta os desafios que os Estados Unidos podem enfrentar ao concentrar suas forças no Caribe. No entanto, ao contrário das forças armadas da vizinha Colômbia, as forças armadas venezuelanas carecem de experiência em combate real.

Proibida de adquirir armamento dos EUA, a Venezuela recorreu a fornecedores como o Irã, que forneceu a tecnologia para fabricar drones capazes de transportar mísseis. Mas, de longe, o maior fornecedor de armas da Venezuela é a Rússia, que forneceu de tudo, desde tanques e helicópteros até rifles de precisão Dragunov e lançadores de mísseis portáteis Igla-S.

A Rússia contribui para a manutenção de alguns dos sistemas de armas da Venezuela. Como sinal dessa estreita relação, um avião russo Ilyushin Il-76, capaz de transportar 50 toneladas de carga militar, pousou em Caracas em outubro. Maduro solicitou assistência da Rússia e da China para fortalecer as capacidades militares da Venezuela, segundo o The Washington Post.

As estimativas variam consideravelmente, mas acredita-se que a Venezuela possua mais de 30 caças operacionais, mais de 40 navios de guerra e até 200 tanques. A Venezuela também mantém um dos maiores exércitos permanentes da América Latina. Em todos os ramos, as forças armadas venezuelanas contam com aproximadamente 150.000 membros, segundo John Polga-Hecimovich, especialista em Venezuela da Academia Naval dos EUA.

Há anos, os líderes venezuelanos vêm se preparando para o que chamam de guerra assimétrica, elaborando planos de insurgência contra um rival muito mais poderoso e armando a população civil para resistir a uma invasão dos EUA. Segundo especialistas em segurança, células paramilitares de rua, conhecidas como coletivos, poderiam, por exemplo, transformar Caracas em um cenário letal de guerra de guerrilha urbana, onde os combatentes se refugiam na topografia montanhosa da cidade e em prédios altos abandonados.

Maduro provou ser hábil em repelir desafios sérios ao seu governo. Quando a Venezuela foi assolada por agitação social entre 2017 e 2020, alimentada em parte por uma crise econômica e escassez de alimentos, seu governo frustrou pelo menos nove motins militares, em sua maioria liderados por oficiais de patente média, de acordo com Polga-Hecimovich. Um sinal de estabilidade é o longo mandato do Ministro da Defesa de Maduro, Vladimir Padrino López, que ocupa o cargo há 11 anos.

Tendência histórica: golpes, invasões e CIA

A imprensa internacional traça paralelos entre a situação presente e os golpes e intervenções da Guerra Fria na América Latina. O uso da CIA em operações encobertas e o envio de força militar para zonas fronteiriças evocam uma memória que muitos consideravam superada. Críticos alertam que esse tipo de estratégia, mal planejada, tem alto risco de fracasso — como demonstraram tentativas anteriores de mudança de regime venezuelano.

Para a Venezuela, a escalada significa risco real à soberania nacional, aumento da repressão interna e agravamento da crise humanitária. Para a região, abre-se um precedente perigoso de intervenção militar direta no hemisfério ocidental.

Apesar das pressões internas para proceder, Trump mostra cautela. Em entrevista, afirmou que “não acha” que vai à guerra, embora tenha concordado que os dias de Maduro estariam contados. O temor de um fiasco estratégico — e de ele próprio perder o controle político da operação — ainda trava a decisão. Com pouco planejamento para a reconstrução venezuelana, os possíveis custos excedem os ganhos.

por Cezar Xavier