Sindicato dos Escritores quer ampliar luta por direitos frente ao avanço tecnológico
O Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo (Sindeesp) fará, na próxima quinta-feira (4), a eleição para a escolha de sua nova diretoria. Sob o lema “O futuro da escrita depende de quem escreve – e de como nos organizamos”, a única chapa em disputa até o momento deverá ser a próxima a dirigir a entidade, tendo à frente Carlos Seabra, editor multimídia, escritor e produtor cultural.
Criada em 1979 pelo escritor Toledo Machado, quando movimentos pela reabertura democrática ganhavam força no país em meio ao ocaso da ditadura, o sindicato nasceu focado especialmente nas questões nacionais. Com o tempo, foi ganhando musculatura e focando-se também nas lutas ligadas a esses profissionais.
“Um dos aspectos que nortearam a criação e o desenvolvimento do sindicato é o fato de que o escritor lida com a palavra, com o pensamento, com a capacidade de formular intelectualmente. Por isso, seu caráter vai além do tradicional, de lutar pelas questões específicas da categoria, participando mais fortemente das grandes lutas nacionais”, explica Nilson Araújo, atual presidente do Sindeesp,.
Ao mesmo tempo, Araújo explica que, ao longo dos anos, “fomos também incorporando reivindicações trabalhistas. Nessa área, há obstáculos importantes a serem enfrentados, porque diferentemente de outras categorias — que muitas vezes estão concentradas em fábricas e empresas — os escritores não trabalham no mesmo lugar. Cada um tem um patrão e a relação fundamental é com a editora”.
Nesse sentido, diz que um dos desafios é garantir o pagamento justo do direito autoral. “É uma questão problemática porque é difícil calcular quantos livros um escritor vendeu para saber exatamente a qual valor ele tem direito. No final, acabamos tendo de confiar no que diz a editora”.

Outro ponto importante que tem pautado as lutas da entidade é a regulamentação da profissão, que ainda não conta com uma lei específica. “Queremos garantir que o escritor seja visto como um profissional, porque muitas vezes ele é um economista ou um sociólogo, por exemplo, que também escreve. Pode ser isso também, mas em geral o escritor vive da escrita, dos direitos autorais”, pondera.
Além dessas bandeiras já históricas, compõem a pauta de reivindicações e ações estratégicas do sindicato para a próxima gestão, lutas como o estabelecimento de uma remuneração obrigatória sempre que textos alimentarem plataformas digitais ou sistemas de inteligência artificial, garantindo retorno econômico ao autor, e por uma legislação que obrigue ferramentas de IA a respeitarem os direitos autorais e a informar com clareza quais dados foram usados no treinamento.
Ao mesmo tempo, defende a garantia de que sistemas de IA e ferramentas de mineração de dados só possam extrair conteúdo de obras literárias mediante autorização e pagamento ao autor.
A pauta traz ainda reivindicações como o fortalecimento dos mecanismos de notificação e remoção rápida de conteúdos utilizados sem autorização e por contratos mais justos para quem escreve — neste caso, a ideia é criar uma “Carta de Contratos Justos”, como forma de pressionar editoras, plataformas e empresas a adotarem cláusulas equilibradas, claras e não abusivas.
A chapa também propõe, em sua plataforma, a criação de um “Ecad dos escritores” — a exemplo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição que cuida dos direitos autorais dos músicos brasileiros. A ideia é estabelecer uma gestão coletiva de direitos autorais para cobrar e distribuir remunerações devidas pelo uso de textos em plataformas digitais e sistemas de IA.
Fortalecer e ampliar o Sindeesp
Outros desafios também estão no horizonte da chapa liderada por Carlos Seabra, candidato à presidência do Sindeesp. “O principal é fortalecer o sindicato, com uma expressiva campanha de filiação de associados, trabalhadores da palavra, inclusive com a criação de representações regionais nas 16 cidades-sede do interior do estado de São Paulo”, explica.

Ao mesmo tempo, ele acrescenta outras lutas urgentes. “Estamos diante de uma revolução tecnológica que impacta diretamente a vida de quem escreve, com plataformas digitais e sistemas de inteligência artificial utilizando obras sem transparência e sem remuneração aos autores. Nosso papel será atuar com firmeza para garantir que esses avanços não se transformem em retrocessos para o trabalho intelectual”, afirma.
Seabra e a nova chapa também defendem a filiação à CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), bem como a criação de novos sindicatos de escritores no país, como forma de fortalecer a categoria. “Esses também são passos essenciais para consolidarmos uma futura federação nacional”, argumenta.
Novas perspectivas
A atual diretoria, com Nilson Araújo à frente, teve início em 2023 e se encerra neste ano. Para Seabra, “a gestão que se encerra, com a qual tenho vindo a colaborar como militante, cumpriu um papel essencial ao manter viva a instituição e ao enfrentar, com os recursos disponíveis, um período de transformação acelerada da cultura e do mercado editorial. Fez o possível para preservar o Sindicato, sustentar sua legalidade e manter vínculos com a categoria, mesmo diante de dificuldades financeiras e estruturais”.
Agora, acrescenta, a entidade deve iniciar uma nova fase, de maior articulação política e capacidade de disputa para dar conta dos desafios presentes. “A explosão da inteligência artificial, a precarização da escrita profissional, o estrangulamento econômico também de editoras e livrarias, além da concentração do mercado, tornam o sindicato uma ferramenta indispensável. Ele é o espaço onde a categoria dos escritores (trabalhadores da palavra) pode se proteger, se organizar e construir respostas coletivas a desafios que nenhum escritor consegue enfrentar sozinho”.
Ele lembra que a área editorial — seja jornalística, literária, audiovisual ou didática — “foi ‘uberizada’ antes mesmo do surgimento de plataformas como iFood e Uber”.
Nesse cenário, conclui, “o sindicato deixa de ser apenas uma entidade formal e passa a ser um instrumento estratégico de defesa da autoria, de preservação dos direitos e de valorização da palavra escrita. A categoria precisa de uma organização forte, capaz de dialogar com a sociedade, disputar políticas públicas e construir novos caminhos para quem vive da palavra”.




